Precisei de esperar quarenta e um anos – tantos quanto dedico à atividade cultural como seu modesto agente – para ver reconhecido o meu empenho.
Durante um dia interinho e umas quantas horas do dia seguinte fui abordado por conhecidos e outros que nem tanto, que me manifestavam o seu desconsolo, a sua profunda tristeza, a sua indignação, o seu veemente protesto pela patifaria de um ministro que maltratava a Cultura.
A coisa só demorou estas escassas trinta e poucas horas porque, no entretanto, o ex-presidente de um país no qual se fala um português achocolatado e do qual pouco sabemos para além de lá haver estâncias turísticas, um carnaval que é sinónimo de folia, para onde, amiúde, alguns viajam em negócios reservados a homens, e donde recebemos doses maciças de telenovelas, foi preso.
Aí a agulha da conversa pública mudou-se rapidamente e a xenofobia encapotada veio à tona, e lá vieram as vozes do costume dizer que além-atlântico é só corrupção e exportação de senhoras oportunistas que vêm para cá saracotear as formas e destruir a vida dos bem-casados. E o assunto da Cultura foi-se.
Também é verdade que um senhor presidente, não de um país, mas de um clube, armou uma escandaleira no facebook, e a páginas tantas os faladores e comentadores e opinadores oficiais já saltitavam de contentes entre um tema e outro, misturando os assuntos e confundido o café do Brasil com o café onde trabalha o brasileiro. E o assunto da Cultura foi irremediavelmente esquecido.
Há que esperar, pacientemente, pelos próximos episódios. Mas estou a fugir ao tema. As pessoas falaram, finalmente de cultura (com minúscula). Não foi muito, só um bocadinho, mas falaram, pois então!
Os canais generalistas da TV abriram os serviços noticiosos com o tema, alguns jornais trouxeram o assunto para as gordas da primeira página. E finalmente, neste país, a cultura (ainda em minúscula) teve um lugar de destaque ao invés dos escassos segundos finais ou das páginas restantes a que se acostumou e onde, frequentemente, é confundida com o comércio [LER_MAIS] do entretenimento, quando não com os desígnios comerciais que catapultam esta ou aquele para uns instantes de fama sob as luzes da ribalta.
Em abono da verdade se diga que há quem se ponha a jeito e tire a roupa e partido da menos roupa para ter mais fama. Escolhas que cabem a cada um. Estive aqui a fazer contas e conclui que me sinto duplamente prejudicado. 0,8% do Orçamento de Estado para a Cultura (agora com maiúscula) não equivalem a 0,8% dos dias do ano (aí a coisa rondaria os 2,92 dias por ano). Arredondando os números, para não cansar o leitor, foi dedicado à cultura (minúscula) 1,5 dias, pouco mais que 0,4%.
É injusto! Verdade seja dita, não foi de Cultura que se falou, mas do escândalo em torno dos apoios. Os arautos costumeiros empertigaram-se, agigantaram-se e de repente todos eram Cultura.
Alguns partidos do espetro político nacional até enviaram os seus rostos mais catitas com ar solene manifestar a sua inteira disponibilidade para apoiarem a luta de quem faz Cultura. Pena é que sejam tão arredados da coisa da Cultura, que não frequentem ou pelo menos visitem, os fazedores diários da Cultura.
Cá pela nossa Leiria há uns quantos teimosos que se recusam a lamber do tacho do escândalo fácil e vão lutando todos os dias pela sobrevivência da Cultura.
Exemplos? Vão ali até à NARIZ e assistam à peça “Os Patos”, excelente exercício de encenação e de interpretação. Puxando sem pudor a brasa à minha sardinha, vão ao TE-ATO e escolham uma das peças do V SINOPSE – Festival de Teatro Ator João Moital. Verão que há quem mereça mais que 0,8% de importância.
*Diretor do TE-ATO
Texto escrito de acordo com a nova ortografia