Empenharam-se para se licenciar, na expectativa de poderem trabalhar na área que gostavam e de poderem viver com mais desafogo económico, mas acabaram a desempenhar funções para as quais nem precisavam de ter estudado tanto.
É este o retrato de cada vez mais jovens portugueses, de acordo com uma pesquisa do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia. Cláudia Murta e Sara Bregieira são dois rostos deste fenómeno.
Cláudia Murta, de 24 anos, licenciou-se em Educação Social na Escola Superior Educação e Ciências Sociais, do Politécnico de Leiria.
Recorda, com um sorriso rasgado nos lábios, a primeira experiência que teve na sua área de formação, como educadora social num lar de idosos. “Era responsável pela coordenação das funcionárias, por desenhar as actividades com os utentes”.
E o que mais a apaixonava era ter retorno da parte dos idosos. Natural de Leiria e a trabalhar na Batalha, até a proximidade do local de emprego era uma vantagem, lembra Cláudia.
Mas deixou aquele lar para trabalhar num outro, onde a experiência não correu bem, e a única opção foi mesmo votar a trabalhar no balcão de uma loja do shopping, onde de resto já tinha colaborado enquanto se formava.
Ciente das dificuldades de trabalhar com idosos nesta fase de pandemia, Cláudia Murta está a aguardar por dias melhores para voltar a enviar currículos. “Licenciamo-nos, mas somos tantos… e queremos todos ter respostas e não as há”, expõe a jovem. E nos últimos anos desempenhar funções no domínio para o qual se estuda é tão difícil, que Cláudia nota que as pessoas já nem se sentem frustradas. “Já sabem que têm de fazer o curso por satisfação pessoal, sem esperarem ter emprego na área”, explica a jovem.
Muitos acabam por se resignar e continuar em empregos para os quais são sobre-habilitados, até porque, à excepção do ramo das engenharias, recebe-se tanto numa função mais simples como noutra que carece de licenciatura, frisa a jovem.
Sara Bregieira, de 29 anos, trocou Leiria, onde se formou em Comunicação Social e Educação Multimédia, na mesma escola de Cláudia, pelo Algarve. Antes de remar para Sul, em 2016, onde já tinha emprego garantido na hotelaria, Sara ainda tentou trabalhar na sua área. Escreveu para duas publicações online, mas percebeu [LER_MAIS]que estas não lhe garantiam um ordenado ao fim do mês.
Presentemente é recepcionista numa clínica. Já fez o seu “luto” pela comunicação social, porque sabe que dificilmente volta a trabalhar no sector. Entende que ter uma licenciatura é sempre uma mais-valia e trabalhar nessa área é o ideal. Mas frisa que todos nós temos outros gostos a descobrir e onde podemos ser felizes e dar grandes contributos.
O estudo, citado pela TSF, assinado por André Branco Santos, Rita Bessone Basto e Sílvia Gregório dos Santos, analisou as bases de dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, com as características de todos os trabalhadores portugueses – 38 milhões de observações. Conclui que os trabalhadores mais jovens têm chegado ao mercado com mais qualificações, mas isso parece não estar a dar-lhes uma melhor situação profissional.
É esta a tendência da última década sendo que, em 2018, a taxa de “sobreescolarização” chegou mesmo aos 26%. Este estudo admite que a tendência está relacionada com a “substituição dos trabalhadores mais velhos por mais novos e mais escolarizados, sem que tal se tenha reflectido numa melhoria da situação profissional”.
As licenciaturas mais comuns de quem tem mais escolaridade do que aquela que precisa na profissão que desempenha encontram-se nas áreas das Ciências Empresariais, Humanidades, Ciências Sociais e Direito.
Empresas e escolas têm de mudar
Num artigo de opinião publicado no site Dinheiro Vivo, Pedro Lacerda, CEO da Kelly Services Portugal & Benelux, pronuncia-se sobre este estudo do Ministério da Economia.
O especialista considera que as nossas empresas têm de “criar planos de investimento, ter as suas áreas de desenvolvimento e investigação, ser inovadoras e empreendedoras, e tudo isto cria novos projectos, investimentos e linhas de negócio que atraem profissionais mais especializados e mais competentes”.
Além disso, Pedro Lacerda acrescenta que também as escolas têm a sua parte a cumprir e devem apresentar cursos mais direccionados para as necessidades reais do País.