É mais uma sessão de treino da equipa sénior da União de Leiria. O grupo às ordens de Carlos Delgado enfrenta as últimas jornadas do Campeonato de Portugal com vários retoques.
Apesar das dificuldades, tenta assegurar a manutenção nas competições nacionais de futebol e entre os jogadores recém-chegados está Vasco. Tem 24 anos e todos os dias, sempre que sobe as escadas para o balneário do Magalhães Pessoa, dá de caras com o legado que o apelido que transporta no nome deixou naquele emblema.
Para que estes jogadores nunca esqueçam do peso do símbolo que levam ao peito, nos degraus de acesso ao balneário está escrito o nome das figuras maiores que tornaram superlativa a história deste clube.

Entre José Mourinho, Jorge Jesus, Manuel José, Manuel Cajuda, Jan Oblak, Derlei, Costinha, Helton, Douala, Nuno Valente, Silas ou Maciel, lá está o pai de Vasco. “É um orgulho”, diz o rapaz.
O progenitor é um nome incontestável no passado unionista. Também Vítor Pontes olha para aquele elenco com indisfarçável orgulho. “Que espectáculo! Está muito giro”, desabafa.
Não esconde uma certa nostalgia enquanto percorre o relvado carinhosamente tratado por Nélson Pousos. Ali, foi tão, mas tão feliz.
Aquela foi, mesmo, a sua casa, onde riu e chorou, ganhou e perdeu, foi herói e vilão. “Foram 22 anos, sabe. Onze como jogador e outro tantos como treinador. É o meu clube do coração.”
Hoje, Vítor e Vasco fazem parte, como Orlando e Paulo Rousseau, de um restrito grupo de pai e filho que tiveram a suprema honra de jogar pela equipa principal e utilizar aquele equipamento branco imaculado.
Apesar de “tocado”, o miúdo estreou-se no passado dia 1, frente ao Praiense (0-0), [LER_MAIS]tendo jogado os últimos minutos da partida. Agora que está recuperado, espera dar mais ao grupo e à terra nesta luta árdua pela manutenção.
Passaram precisamente 46 anos desde a entrada do pai no clube e 35 anos desde o último e doloroso jogo – “com fractura de menisco” – pelo clube do Lis, na liguilha de acesso à 1.ª Divisão de 1984/85, frente ao Desportivo de Chaves, antes de prosseguir carreira no Vitória de Guimarães.
“Vim para o Leiria em 1973. Tinha sido fundado em 1966 e ainda era uma criança enquanto clube”, recorda o treinador, agora com 61 anos.
“Organizavam torneios de captação, em que entrava o Bairro dos Anjos ou a Golpilheira, e eu jogava pelo clube da terra, o Casal dos Claros. Tinha 13 anos e fui escolhido, mas na altura o escalão mais baixo era iniciado, com 15. Tive de esperar dois anos até fazer a idade”, conta o então guarda-redes, que tinha um segredo.
Quando era júnior, fazia dois jogos ao domingo, um deles à escondidas: “de manhã pela União de Leiria e à tarde pelo clube da minha terra, o 22 de Junho, no torneio não federado do Oeste.”
A carreira fez-se por Leiria, Guimarães, Elvas, Louletano, Nacional, Tirsense e Guarda. Em 1994/95 era para ir jogar para a Naval, mas um convite de João Bartolomeu para integrar a equipa técnica da União de Leiria, liderada por Vítor Manuel, acabou por fazê-lo pendurar as luvas. “Tinha 35 anos, já tinha sido operado à coluna, era uma oportunidade que não podia deixar perder.”
De regresso à cidade, Vítor Pontes foi um “privilegiado”, pois trabalhou com “os melhores treinadores nacionais”. Foi adjunto de Vítor Manuel, de Quinito, de Vítor Oliveira, de Mário Reis, de Manuel José e de José Mourinho, o treinador que, quando saiu para o FC Porto, o aconselhou a João Bartolomeu para ser seu sucessor.
“O Zé indicou-me. O Bartolomeu ouviu, mas não seguiu.” Optou pelo regresso de Mário Reis, que não correu bem e Vítor Pontes foi mesmo o treinador nos dez últimos jogos do campeonato. “Assumi e não podia ter corridos melhor. Na estreia ganhámos na Luz por 2-0. Em dez jogos vencemos cinco, empatámos três e perdemos dois.”
Nessa altura, já Vasco, o segundo filho de Vítor, era um menino. Nasceu em 1996, já depois de o pai arrumar as luvas. Tem na memória, ainda assim, vários episódios ligados à carreira do progenitor, apenas enquanto técnico.
Nunca foi apanha-bolas, como o irmão Ricardo, mas lembra-se de assistir a treinos e até de “tomar banho” com o pai e o mano nos balneários do velhinho Magalhães Pessoa. “Não me lembro de muitos jogos, mas não me esqueço da partida de inauguração oficial do estádio”, a 11 de Janeiro de 2004. “Ficou 3-3, com o Benfica. Tinha sete anos.”, conta.
Curiosamente, é esse também o jogo que Vítor Pontes mais guarda na memória. “Talvez tenha sido o melhor jogo do campeonato. Foi fantástico. Fizemos 1-0, por Luís Filipe, e o Benfica empatou, por Sokota. Marcámos o 2-1, por Douala, e o Benfica volta a empatar, por Nuno Gomes. Já próximo do fim, o Benfica faz 2-3, novamente por Nuno Gomes e nós ainda conseguimos empatar, creio que pelo Hugo Almeida.” Foi Douala.
Naturalmente, num ambiente destes, muito se falava de futebol. No entanto, o pai não fez questão de puxar os filhos para a bola. “Nunca os incentivei, mas também não disse para não jogarem. Tive mais um papel informador, de lhes dizer que este é um mundo difícil, que o sonho deles é o de muita gente, mas que isto não é para todos, é preciso qualidade e espírito de sacrifício.”
Mas o miúdo, “rápido, tecnicamente bom, muito mexido, que toda a gente gostava de o ver jogar”, encantou até o incontornável Aurélio Pereira, o homem que, dizem, descobriu Cristiano Ronaldo.
Apesar de todas as dúvidas parentais, lá deixaram o rapaz ir para o Sporting. Deslocava-se ao fim-de-semana a Lisboa para jogar, mas acabou por regressar à União de Leiria, onde fez o restante percurso de formação numa das melhores equipas que a Academia de Santa Eufémia conheceu, com Benny, Bruno Jordão, Leandro Antunes, André Oliveira, Afonso Caetano…
Chegado a sénior e depois de alguns anos a disputar os distritais de Leiria, com uma aventura na Lituânia pelo meio, Vasco Pontes pôde finalmente cumprir o objectivo de jogar na equipa principal do clube do coração. “No primeiro ano de sénior esperava ficar e fiquei um bocado desiludido, mas estou neste momento a cumprir o sonho.”
Agora, mais presente, o pai conta ver de perto esta aventura do filho caçula. “Estive fora, em Moçambique, no Clube do Chibuto e no Ferroviário de Maputo, e não acompanhava tão de perto quanto queria. Era difícil, mas agora fico imensamente satisfeito. A União de Leiria é o meu clube. Devo-lhe muito. Ajudou-me a ser homem e profissional. E estou muito satisfeito, essencialmente por ele. Ainda tem o sonho de singrar neste mundo difícil. É preciso lutar, porque qualidade tem. Eu? Vou estar na bancada a puxar.”