Quando se deita na cama, já a noite é longa e Nuno Marques dorme que nem um anjo. Está exausto pela longa jornada de trabalho. Os dias dele são mais compridos do que os dos outros e ao fim da tarde o expediente ainda vai a meio. Acabadas as aulas de Educação Física na Escola Técnica e Artística de Pombal, onde lecciona, ainda tem um mundo de coisas para fazer.
É assim pelo menos três vezes por semana. Sai do estabelecimento de ensino e vai directo para a Expocentro, onde dá treinos de atletismo até às 21 horas. Sem parar, pega no carro e dirige-se ao pavilhão Eduardo Gomes para orientar até às 23 horas mais um preparo da equipa sénior de futsal do Núcleo do Sporting Clube Portugal de Pombal (NSCPP).
É duro, não é para todos, mas mais do que ser treinador de duas modalidades absolutamente distintas, o que distingue este rapaz de 36 anos é que está a ter muito sucesso em ambas.
Comecemos pelo atletismo. Além dos miúdos do Núcleo do Desporto Amador de Pombal com quem começa a jornada, tem o seu grupo de treino de competição, onde se destaca Sofia Lavreshina. Esta miúda é uma grande promessa da modalidade a nível nacional e na temporada passada já representou Portugal no Festival Olímpico da Juventude Europeia.
Nas últimas semanas bateu o recorde nacional juvenil dos 400 metros em pista coberta e contribuiu para outro máximo nacional com as suas colegas da Juventude Vidigalense, o da estafeta de 4×300 metros. Pelo caminho, há dez dias, sagrou-se campeão nacional de triplo salto.
No futsal, Nuno Marques orienta pela sexta temporada consecutiva a equipa sénior do NSCPP que lidera o campeonato distrital e é candidata a regressar à 2.ª Divisão nacional. O clube tem andado num vaivém entre as competições distritais e nacionais, mas o treinador acredita que com as condições agora encontradas, “pode estabilizar” no segundo patamar do futsal português.[LER_MAIS]
Inseparáveis desde o berço
Atletismo e futsal andaram de mãos dadas desde o início da prática desportiva de Nuno Marques. Foi no Fárrio, concelho de Ourém, de onde é natural, que começou a praticar ambas, aos 13 anos. No Grupo de Amigos de Casais do Vento, às segundas, quarta e sextas treinava atletismo, e às terças e quintas futsal, como forma de “preparar os torneios de Verão”. Como o pontapé na bola não era federado, começou a dar mais ênfase às corridas. Na primeira prova que disputou, na Marinha Grande, foi 17.º, mas aquela medalha que levou para casa fê-lo apaixonar-se. Deixou-se de corridas quando entrou na universidade, em Coimbra. Foi nessa altura que voltou ao futsal, na equipa da terra, o Grupo Desportivo da Ribeira do Fárrio. Entretanto, o responsável técnico saiu. “Nuno, como estás a tirar Educação Física, és o que percebes mais. Ficas como treinador-jogador.” Prosseguiu no Grupo de Acção Recreativa e Cultural de Santiais e nas últimas seis temporadas em Pombal. No atletismo, esteve uma década no Atlético Clube de Vermoil. Especialista na área da velocidade e saltos horizontais, tenta agora levar Sofia Lavreshina ao Europeu de juvenis e está encantado com os 40 miúdos que coordena no Núcleo do Desporto Amador de Pombal.
Aqui, a adrenalina que o move. No entanto, também “dá mais dores de cabeça”. Fascina-se com o estudo e sistematização das bolas paradas, algo que pode fazer a diferença a este nível. “Preparar, viver e mexer no jogo. É tudo muito programado e o adversário estudado ao pormenor. Acabo sempre esgotadíssimo e com uma sensação incrível.”
No entanto, ser treinador de um talento como o de Sofia Lavreshina é um tónico que não descarta. “Coloca-me em sentido. Tenho de pesquisar e não posso relaxar. Há muitos exemplos de treinadores que evoluem quando têm grandes atletas. Também quero ser assim. Somos obrigados a estudar, a sair da caixa e a perceber que temos de evoluir. Eu e ela desafiamo-nos mutuamente.”
Por vezes, troca ferramentas de uma modalidade para a outra. Utiliza jogos desportivos que vêm do futsal no atletismo. Em sentido contrário, valoriza a condição física, que muitas vezes (ainda) é descartada nas modalidades colectivas, também na coordenação e na prevenção de lesões. “Penso muito em função do jogo, mas se não formos mais rápidos e mais fortes, não teremos sucesso.”
Calendário
O nível, numa modalidade e noutra, já é alto e exige esforço, dedicação e muito estudo. “Às vezes, infelizmente, sinto que conseguiria ser melhor se me dedicasse apenas a uma modalidade”, diz. “O futsal é quem sofre mais”, pois chega aos treinos já com alguma fadiga. “Nem tenho tanta predisposição como se calhar deveria”, assume.
O que mais lhe custa é ter deixado um pouco para trás a família, especialmente não ter todo o tempo que desejaria para ver crescer as suas princesas, Flor e Aurora. Ainda por cima, a esposa, Célia, também é da área de Desporto, é treinadora de natação em Ansião e partilha a dificuldade dos horários a desoras e a competição ao fim-de-semana. “É necessária uma logística bastante grande. Não fosse a minha sogra ajudar à noite aos fins-de-semana e já não teria sido possível”, agradece o genro reconhecido.
A hipótese de abrandar está, pois, em cima da mesa, mas quando perguntamos qual dos dois amores admite deixar para trás, Nuno sorri. Não sabe responder. “É impossível dizer. São diferentes e permitem realizações completamente díspares.” Do futsal já falámos. “No atletismo o desafio é conseguir levar a atleta a render o máximo num momento específico e depois dar tudo certo na hora certa. Parece que sou eu que estou lá, sinto as pernas a tremer, é algo incrível.”
A solução, “por enquanto”, passa por organizar tudo ao pormenor. O casal tem de fazer um calendário comum para ver quando pode “fazer alguma coisa em conjunto”. Não é fácil. “Até ao fim de Março só tenho dois domingos à tarde para estar com a família”, desabafa.