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Maria José Casa-Nova: “Temos jovens no ensino superior que não dizem que são ciganos, para não serem estigmatizados”

Cláudio Garcia por Cláudio Garcia
Janeiro 31, 2020
em Entrevista
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Maria José Casa-Nova: “Temos jovens no ensino superior que não dizem que são ciganos, para não serem estigmatizados”
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Os ciganos estão em Portugal há 500 anos, por que motivo continuamos a falar de integração?
Por todo o estigma e preconceito associados à população cigana, que ainda hoje, no imaginário das pessoas, não é perspectivada como sendo portuguesa. Costumo dizer que são os estranhos próximos que se querem ver socialmente distantes. São os estranhos, entre aspas, mais próximos que temos, porque são portugueses, mas a população maioritária continua a querer uma distância social de segurança em relação a eles.

Há um estudo em que metade dos inquiridos dizem não querer um cigano como vizinho.
Todos os inquéritos por questionário feitos a nível internacional, numa investigação comparada, põem em primeiro lugar a população cigana como aquela com quem os inquiridos não querem nenhum tipo de contacto, vizinhança, casamentos muito menos. São a população mais discriminada a nível mundial.

E quem tem mais responsabilidade?
Na minha perspectiva, a sociedade maioritária. Porque a população minoritária tende a fechar-se como estratégia de sobrevivência. E é o que tem acontecido com a população cigana. Uma estratégia de sobrevivência face a uma população maioritária que a estigmatiza é fechar-se sobre si mesma e arranjar formas de sobrevivência, do ponto de vista biológico, que passam pela endogamia, que é o casamento dentro da própria população. Que ainda é frequente? Sim, é a regularidade. Apesar de tudo, a excepção ainda é o chamado casamento exogâmico.

Os estudos também mostram que não há um único modo de vida cigano.
Não há uma comunidade cigana, há comunidades ciganas. A sedentarização leva a uma série de transformações. Leva a um maior contacto intercultural nas relações de sociabilidade e nas relações comerciais, porque as pessoas normalmente fazem feiras e as feiras são lugares fixos onde estão todas as semanas. E, depois, a questão da escola. Para a integração da população cigana, a frequência da escola é fundamental. Estas são transformações que se dão com o processo de sedentarização. E há outra, muito importante, que tem a ver com a lei cigana no que diz respeito à preservação da honra e à questão dos conflitos dentro da própria população. Houve uma diminuição de conflitos pelo facto de haver sedentarização, porque as pessoas começaram a viver com determinado tipo de comodidades a que não estavam habituadas e que são muito mais agradáveis do que ser itinerante. E o conflito intraétnico leva a que as famílias tenham de viver separadas, obriga a uma mudança de lugar.

Tem um custo.
Exactamente. Temos várias mudanças que se deram com o processo de sedentarização. Quando se dizia que a população cigana não trabalhava porque não queria, que não ia à escola porque não queria, ninguém que seja obrigado a ser itinerante pode frequentar a escola com regularidade ou inserirse no mercado de trabalho.

Há relações de tensão entre classes dentro da comunidade?
Há uma hierarquização, e essa hierarquização tem variáveis, que vão desde o facto de termos os tios, dentro da população cigana, que são os chamados homens de respeito, não por serem muito mais velhos, mas por terem uma exemplaridade de vida. A partir da década de 80 passámos a ter também como homens de respeito pessoas relativamente jovens, que eram os pastores da Igreja Evangélica de Filadélfia, na casa dos 30 anos.

Há um impacto da Igreja Evangélica?
Muito grande. Agora há uma dispersão por várias igrejas, mas ainda a tradicional e que tem mais pessoas ligadas é a Igreja Evangélica de Filadélfia.

Capaz de provocar alteração de comportamentos?
A vários níveis. Por exemplo, as pessoas que estavam na Igreja Evangélica de Filadélfia diziam “nós não queremos conflitos com ninguém porque somos pessoas de Deus”. Depois, a questão da toxicodependência de adolescentes, que procuravam prevenir. Jovens que frequentavam com relativo absentismo a escola passaram a frequentar com mais regularidade porque queriam ler a Bíblia. Agora está a ter um papel um bocado conservador, em querer determinadas práticas que muitos jovens não querem seguir.

Por exemplo?
Nomeadamente, o casar comparativamente cedo. A emancipação da mulher é das coisas que a Igreja mais teme e que pretende manter como está.

Até ao século XIX, os ciganos não tinham direito à cidadania.
Até à carta constitucional de 1822.

Hoje ainda temos um problema de ciganofobia no aparelho do Estado?
Não gosto de lhe chamar ciganofobia. Existe discriminação e existe racismo institucional e institucionalizado.

[LER_MAIS]

Como é que se manifesta?
De múltiplas formas e muitas vezes sem as pessoas terem consciência disso. O racismo institucional é um racismo sem rosto, na medida em que é um racismo de todas as pessoas e não é de nenhuma. Está incrustado, porque as pessoas não têm consciência de que estão a ter comportamentos racistas. Esta é a forma mais difícil de desconstruir e a mais presente.

Quer dar um exemplo?
Acontece com muita frequência pais não ciganos começarem a retirar os filhos da escola quando [a escola que os filhos frequentam] começa a ter muitas crianças ciganas. E depois dizem “vou tirar o meu filho desta escola porque o nível de exigência é baixo”. O que se chama internacionalmente white flight, a fuga das crianças brancas, que os pais retiram [daquela escola para outra] sob o pretexto de melhorar o processo de ensino aprendizagem, quando de facto o que está subjacente é o preconceito que têm e muitas vezes não têm consciência de que o têm.

Que modelo defende na escola?
Integração. Toda a heterogeneidade que existe na sociedade estar representada na sala de aula. E quando fazemos turmas só de crianças ciganas estamos a fazer uma guetização, não estamos a promover o contacto e o diálogo intercultural. A escola é por excelência a instituição que poderá promover esta relação intercultural.

Quando se fala numa estratégia nacional para a integração, o que significa integrar?
Integração não é sinónimo de assimilação. Na última década, nas políticas públicas, já se pensa a integração como um processo de integração e não de assimilação. Mas sempre que as pessoas falavam, quer do ponto de vista político quer da sociedade maioritária, em integração, o que queriam dizer era assimilação. São eles que não se querem integrar, ou seja, são eles que não se querem tornar iguais a nós.

O que se desejava era a assimilação.
Sim, porque o estranho é sempre perspectivado como uma ameaça. O que não conhecemos tendemos a ver como uma ameaça. A regularidade é estranharmos o diferente. Não está aí o problema. O problema é quando estranhamos para segregar, em vez de estranhar para conhecer.

Qual é o diagnóstico, actualmente?
Estamos num meio caminho, em as pessoas, dos dois lados, estão a perceber a importância do diálogo intercultural. Na última década temos feito um percurso bastante grande. Com o desenvolvimento do associativismo cigano, com jovens a frequentar o ensino superior, com o aumento de jovens a frequentar o terceiro ciclo e o ensino secundário.

Que percentagem são os que prolongam o percurso escolar?
Costumo dizer que as percentagens mentem. Temos jovens ciganos no ensino superior que não dizem que são ciganos, como estratégia de sobrevivência, para não serem estigmatizados, discriminados. Não quer dizer que fossem, mas o receio faz com que se escondam. Estamos a falar, conhecidos, de cerca de 70 jovens no ensino superior. E no ensino secundário, os dados que foram recolhidos em 2016/2017 pelo Ministério da Educação, salvaguardando que 30 % das escolas não responderam ao inquérito, foram identificados 256 jovens. Estimo que teremos à volta de 45 mil pessoas ciganas portuguesas.

E no mercado de trabalho?
São os pais que por norma os inserem cedendo-lhes um lugar de venda nas feiras, comprando os primeiros materiais de comercalização, ensinandolhes as estratégias relacionadas com o negócio. É a forma de os manter juntos, de eles não abandonarem o grupo. Do ponto de vista da continuidade do percurso escolar no ensino secundário temos outra questão que é eles dizerem “ninguém nos dá emprego”.

Há também um problema grave de qualidade do alojamento?
Mais de 32% da população cigana vive em alojamento não clássico, que é um eufemismo para não dizer barracas ou tendas. Mais de 32%. Isto é um flagelo, é contra todos os direitos humanos. É inadmissível porque as pessoas vivem sem água e sem luz.

Em Portugal?
Em Portugal. Já fui visitar alojamentos em que vi crianças com o rosto mordido por ratazanas. É viver em condições que nem para animais.

O Estado está a falhar?
Está a falhar o Estado e estão a falhar os municípios. As políticas locais têm de ser friendly [amigáveis] para qualquer tipo de população. E o que acontece é que eles sabem que se tiverem políticas friendly o resto da população não vota neles. Costumo dizer que os ciganos não dão votos, não porque eles não votem, mas porque se houver políticas friendly, os outros não votam nesses candidatos a presidentes de câmara. E muitas vezes o que dizem os vereadores é “se a gente lhes dá condições vêm outros ciganos para aqui”.

Escola, trabalho, habitação. Tudo isto é consequência dos mitos, dos estereótipos e da forma como os ciganos são representados?
Maioritariamente, sim. Continua a haver uma separação, que não é material, mas sendo social, acaba por ser uma segregação espacial, dos locais de habitação, uma segregação do ponto de vista dos locais de trabalho, e em algumas escolas, cada vez menos, as ilhas culturais. Mas apesar de tudo a escola tem sido a instituição menos segregadora. E o mercado de trabalho das mais segregadoras. Felizmente, começamos a ter algumas empresas com políticas integradoras.

Ideias como a de que os ciganos vivem de subsídios, têm todos vidas marginais…
Faz tudo parte do imaginário e do estereótipo social, porque é exactamente o contrário. Não é ‘a maior parte são marginais’, é ‘a maior parte não são marginais’. É assim que se constroem as ideologias, do ponto de vista das ciências sociais, em que a ideologia é uma falsa consciência. É uma ideia que temos que não se materializa na realidade. Mas, ao pensarmos que a realidade é assim, agimos em conformidade com ela. Mas nenhuma ideologia se sustenta sem ter uma base mínima de realidade. Por exemplo, as pessoas dizem muito que quem vive do rendimento social de inserção não quer trabalhar. Vamos imaginar que 1% não quer mesmo trabalhar. Esse 1% sustenta a ideologia. Porque há alguém que tem um vizinho nessas circunstâncias e depois extrapola- se como se fosse a regularidade e não a excepção.

Qual diria que é o mito que mais prejudica os ciganos?
O pensar-se que vivem da marginalidade, que são ladrões. Esta ideia perpetuou- se e continua a existir. E o facto de se achar que eles não querem traballhar. Portanto, não querem trabalhar, roubam e são violentos, são parasitas da sociedade.

O que acaba por contribuir para a autoexclusão.
Há uma auto-segregação que deriva de uma estratégia de sobrevivência face a uma população maioritária que os estigmatiza. Funciona como uma defesa. Integração é um processo que é recíproco e horizontal. Não é um processo subordinado, é um processo paritário. As populações têm de ser vistas em pé de igualdade. Tem de haver um conhecimento que é mútuo. Um outro ponto importante é a questão das políticas.

Como é que estamos a esse nível?
Temos tido nos últimos anos políticas que vão exactamente no sentido dessa integração recíproca. O Alto Comissariado para as Migrações tem tido várias medidas que vão no sentido de apoiar o associativismo cigano e a mediação cultural. O apoio a projectos para a integração da população cigana. Acordos a nível do Instituto do Emprego e Formação Profissional e dos centros Qualifica. Do ponto de vista da escola, muito importante, bolsas de estudo para jovens ciganos darem continuidade ao percurso escolar [no ensino secundário].

Se tivesse de apostar tudo numa estratégia, qual seria?
A educação escolar e a formação para a aceitação da diferença para todos os organismos públicos, no sentido de diminuir a discriminação. O Observatório procura fazer investigação ou publicar investigação que ajude a construir melhores políticas públicas. E nesse sentido, desde 2018, foram publicados quatro estudos, sobre habitação, inclusão e exclusão digital, integração profissional pós-reclusão de mulheres ciganas e políticas de habitação e RSI como medidas de integração.

E?
Os diagnósticos não são positivos. Nenhum deles. O retrato mostra que temos população ainda a viver em situação habitacional extremamente precária, que o processo de reinserção profissional é muito difícil porque o estigma com mulheres que estiveram presas aumenta, e do ponto de vista da inclusão digital o facto de se evidenciar que na zona sul o conhecimento e manuseamento da internet ainda é bastante baixa por comparação com a população cigana do litoral norte. Habitação e educação escolar são fundamentais para que depois as coisas comecem a progredir no mercado de trabalho.

Perfil

Deverá deixar já em Fevereiro, depois de dois anos no cargo, a coordenação do Observatório das Comunidades Ciganas (ObCig), uma unidade integrada no Alto Comissariado para as Migrações, sob tutela do Governo. Maria José Casa-Nova é docente na Universidade do Minho e investigadora, com livros, capítulos de livros e artigos publicados em nove países, nas áreas da Sociologia da Educação, Educação Intercultural, Migrações, Políticas Públicas, Etnografia, Cultura Cigana, Género, Cidadania e Direitos Humanos. Fez parte do grupo de trabalho para a reformulação da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas e é conselheira do Alto Comissariado para as Migrações. Mestre em Educação Intercultural (Universidade do Porto), com doutoramento em Antropologia Social pela Universidade de Granada.

Etiquetas: Maria José Casa-NovaObservatório das Comunidades Ciganas
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