O cenário vai-se repetindo nas praias da região, que estão a perder areia. De ano para ano, os areais ficam mais pequenos e há casos em que a falta de sedimentos deixa as rochas à vista, como está a acontecer em São de Moel e como já ocorreu no Pedrógão.
Sucedem-se também os desmoronamentos de arribas, como aquele que se registou recentemente em Água de Madeiros ou, em anos anteriores, na Pedra do Ouro.
Os problemas de erosão não são novos nem exclusivos da região e a tendência, advertem os especialistas, é para que se agravem, o que obrigará ao investimento de milhões e milhões de euros na protecção de pessoas e bens.
O Plano de Acção Litoral XXI, que já está em marcha, prevê investimentos superiores a 1,1 mil milhões de euros, a concretizar até 2030. Só para medidas de protecção de zonas de risco estima-se que sejam necessários mais de 682 milhões de euros, com acções de alimentação artificial de areia e de requalificação e reforço dos sistemas dunares.
A consolidação ou desmontagem de arribas em risco de derrocada e o desassoreamento de barras e de sistemas lagunares ou baías são outras das prioridades definidas por aquele documento, que, para as praias do distrito, preconiza investimentos na ordem dos 63,4 milhões de euros.
Deste valor, quase metade será para fazer reposições de areia, sobretudo no Pedrógão. Só nesta praia, que nos últimos anos perdeu cerca de 30 metros de areal, de acordo dados recolhidos pelo geógrafo José Nunes André no âmbito da sua tese de doutoramento, está previsto um investimento de 21,6 milhões de euros na alimentação artificial de areia da frente urbana da povoação, a concretizar entre 2024 e 2028.
Antes, deverá avançar uma intervenção do género na praia da Vieira e em São Pedro de Moel. Esta última não se encontra contemplada no Plano de Acção Litoral XXI, mas, segundo revelou recentemente a presidente da Câmara da Marinha Grande, está prometida para o próximo ano.
“Um paliativo de curto prazo”
“A alimentação artificial é um paliativo de curto prazo. Como doença crónica que é, o défice sedimentar precisa de um remédio que seja continuamente tomado, com a colocação da areia onde está em falta, de forma a ajudar o [LER_MAIS] normal desenvolvimento da praia e dos ecossistemas associados”, diz Óscar Ferreira, docente e investigador da Universidade do Algarve, que adverte que a necessidade deste tipo de intervenção irá “agravar-se no futuro”.
Um relatório técnico da Agência Portuguesa do Ambiente, citado recentemente pelo jornal i, revela que o número de operações de alimentação sedimentar de praias tem vindo a aumentar ao longo dos anos. Desde 2050 até 2017, foram efectuadas 134 acções, das quais 42 tiveram lugar entre 2010 e 2017.
Só nas praias da Costa da Caparica houve quatro intervenções dessas, entre 2007 e 2014, que, segundo refere aquele documento, custaram “perto de 20 milhões de euros”. Neste momento está em curso mais uma reposição. Também Adriano Bordalo, hidrólogo e investigador do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, considera que a reposição de areias “de nada serve a médio prazo”.
Em declarações ao jornal i, o docente diz que para enfrentar o problema da erosão é preciso ter em conta todos os factores que impedem a reposição natural de areia e aceleram o seu desaparecimento, como seja a “ocupação desenfreada da zona costeira”, aliada às alterações climáticas.
A esses factores, o geólogo Óscar Ferreira e o geógrafo José Nunes André acrescentam um outro: as barragens. “A principal causa da erosão costeira é o défice sedimentar, que se faz sentir desde os anos 50 e 60 [do século XX], com a implementação de barragens e regularização dos caudais fluviais, que provocaram uma diminuição acentuada do transporte sedimentar das bacias hidrográficas para a zona costeira”, afirma Óscar Ferreira.
O geógrafo José Nunes André frisa que, entre a comunidade científica, está “consensualizada” a ideia de que “apenas 10 a 20% da erosão costeira se deve ao avanço do mar”, em resultado das alterações climáticas, sendo o restante provocado pelo “défice sedimentar”, devido à retenção de areia nas barragens.
Esta situação tem sido, no entender destes dois especialistas, agravada com a construção de estruturas como molhes ou esporões, que provocam a acumulação de sedimentos a norte e défice a sul. Foi isso que aconteceu com o prolongamento, em cerca de 400 metros, do molhe norte do Mondego, no porto da Figueira da Foz, um investimento de 14,6 milhões de euros inaugurado em 2011.
Desde então, a erosão das praias a sul acentuou-se, com a destruição de sistemas dunares e a redução dos areais. Em contrapartida, a norte houve uma grande acumulação sedimentar. “Entre 2010 e início de 2019, a praia da Figueira da Foz, em baixa-mar, cresceu mais de 750 metros”, revela José Nunes André, que, nos últimos anos, fez a monitorização da evolução da linha de costa entre Buarcos e São Pedro de Moel.
Em contrapartida, nas praias a sul, houve um recuo. No Pedrógão, por exemplo, o mar avançou “entre 28 a 30,5 metros”, provocando uma redução do areal, que se faz sentir quer a norte quer a sul do promontório. “Na Vieira os problemas não têm sido tão graves porque tem o paredão, que vai segurando as investidas do mar”, acrescenta o investigador, ligado ao Departamento de Geografia e Turismo da Universidade de Coimbra, que se opõe à construção de novos esporões, como aquele que o Programa para a Orla Costeira Ovar-Marinha Grande prevê para a praia da Vieira.
“A sul da povoação existe um vale. Ao fim de algum tempo, o esporão – que, para ter efeito teria de ser localizado junto à lota – poderia destruir a duna, havendo a possibilidade de galgamentos e de inundações da povoação”, adverte.
Num comunicado recente, a presidente da Câmara da Marinha Grande frisa também que a construção do esporão deve ser avaliada, em sede de estudo de impacto ambiental, “sob pena de estar a resolver o problema a norte, na Vieira, agravando-o a sul, particularmente na Praia Velha e em São Pedro de Moel”.
José Nunes André chama ainda a atenção para as consequências da instalação de um esporão mergulhante no promontório do Pedrógão, prevista quer no Plano de Acção Litoral XXI quer no Plano Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas, já aprovado pela Câmara de Leiria. “Se avançar, será uma ameaça à ETAR e trará problemas à praia da Vieira, além de afectar a navegação costeira, nomeadamente para as embarcações da arte xávega”, avisa.
Estudo para bypass na Figueira
Numa visita recente aos trabalhos de reforço dunar na praia da Cova Gala, na Figueira da Foz, o ministro do Ambiente revelou que está a ser estudada a possibilidade da instalação de um sistema de bypass junto ao molhe do Mondego, que faça a reposição de areia a sul do rio.
Trata-se, segundo frisou João Matos Fernandes, de "uma solução mecânica que nunca foi tentada em Portugal”, reclamada há muito pelo movimento SOS Cabedelo. “Queremos uma solução viável a médio e longo prazo. A nossa convicção – também porque o relatório do Grupo de Trabalho do Litoral aponta nesse sentido – é que tem de haver um sistema de transferência contínua de areia, através de bypass”, defende Miguel Figueira.
O dirigente do SOS Cabedelo diz ainda acreditar que a esta solução “ataca três problemas”: o da erosão a sul do molhe, que “é o mais grave e evidente, com repercussões até à Nazaré”; a acumulação de areia a norte e a navegabilidade da barra do Mondego.
“Estamos perante o maior desastre ambiental não tratado da nossa costa”, afirma Eurico Gonçalves, também dirigente do SOS Cabedelo, movimento que leva cerca de uma década de intervenção cívica relacionada com os impactos do prolongamento do molhe, que acredita que, “mais tarde ou mais cedo”, a região de Leiria irá também associar-se à sua causa.
“Levou tempo para que a comunidade local tomasse consciência do problema. Leiria ainda está distante e os efeitos não são tão imediatos. Essa consciência também há-de chegar a Leiria.”