Uma carreira desportiva ao mais alto nível dificilmente termina aos 24 anos. Mas era isso que parecia que tinha sucedido com Daniela Cardoso. A atleta de Pombal havia abandonado a competição praticamente logo após a presença nos 20 quilómetros marcha dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, prova em que obteve a 37.ª posição. Pouco mais se ouviu falar dela, a não ser que tinha mudado de treinador, de Carlos Carmino para Paulo Miguel, e que estava a concluir o mestrado em Rio Maior. Até que o ambicioso Sporting de Braga, com vontade de ocupar o pódio nos campeonatos de equipas, resolveu convidá-la.
Após dois anos longe da marcha atlética, a Daniela decidiu agora regressar e vai envergar as cores do Sporting de Braga. Foram as saudades?
Apesar de ter estado afastada da marcha atlética durante duas épocas, nunca disse para mim mesma que jamais voltaria. Sempre foi uma questão em aberto. Quando me convidaram fiquei um pouco reticente, não pela proposta em si, mas por algumas inseguranças minhas. Após alguma reflexão pensei: “o que tenho a perder? Nada! Então por que não? Vamos a isto!” E no dia 15 de Outubro de 2018 disse “sim” ao Sporting de Braga.
Esta experiência vai ser diferente de tudo por que já passou?
Sim, porque nunca vivi o espírito colectivo no atletismo. Sempre treinei para objectivos individuais e agora será diferente. Sei que posso ajudar este clube nas suas aspirações e isso desafia-me bastante.
O que a fez ficar longe da modalidade depois dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016?
Não existe uma só resposta. A principal será mesmo porque me sentia cansada. Não estava a conseguir gerir isso e tudo o que tinha para resolver na minha vida. Queria terminar o mestrado em Treino Desportivo que comecei em 2013 – concluí em Setembro deste ano -, organizar alguns assuntos da minha vida pessoal e, acima de tudo, conhecer o mundo profissional. Assustava-me muito o facto de aos 24 anos – e tendo já uma licenciatura em Desporto e Bem-Estar – nunca ter tido um emprego, uma experiência profissional. Achava que quanto mais tempo passasse pior seria. Estas dúvidas andavam a tirar-me noites de sono.
Não quis empurrar as decisões para o fim da carreira desportiva.
Nunca quis acreditar muito no “ah e tal se tu tiveres uma grande carreira as portas podem abrir-se”. Como também não gosto nada de andar [LER_MAIS] a pedir favores só porque sou a Daniela Cardoso, que até foi aos Jogos Olímpicos, comecei a fazer os primeiros currículos para procurar trabalho. Procurei, procurei, e pouco faltou para ir parar a uma caixa de supermercado. Atenção, sem qualquer menosprezo pela função, apenas nunca tinha pensado nessa hipótese.
Assustava-me muito o facto de aos 24 anos nunca ter tido uma experiência profissional. Achava que quanto mais tempo passasse pior seria. Estas dúvidas andavam a tirar-me noites de sono
Conseguiu?
Sim. A verdade é que não tenho um emprego, mas vários trabalhos. Dou aulas de Actividade Física ao primeiro ciclo, dou treinos de atletismo e colaboro com algumas empresas na área da animação turística. Entretanto comecei a tirar um curso de massagem e espero também explorar essa área.
Sentiu-se sempre confortável com o abandono da alta competição?
Tomei a decisão de fazer uma paragem, sem datas, sem limites, sem culpas, e prometi a mim mesma que jamais me iria arrepender da decisão que tomei. Pelo contrário, serviria para crescer e aprender com esta minha acção.
A marcha ficou mesmo para trás.
Sim, desliguei completamente da marcha. Tomei a decisão de parar no dia 15 de Janeiro de 2017, apesar de os objectivos de treino para essa fase estarem a ser superados. O problema é que não estava bem psicologicamente. Há quem diga que entrei em burnout. Estudei esse tema no mestrado, não sei se foi se não. Entendo apenas que tomei uma decisão muito difícil. Desde então não fiz qualquer treino de marcha, mas continuei a fazer alguns treinos de corrida. É algo que adoro fazer, faz-me sentir bem, é o meu estilo de vida. A corrida é mais leve e descontraída do que a marcha e era disso que estava a precisar na altura.
Mas a porta não ficou definitivamente fechada?
Nunca pensei que não voltaria, mas por vezes pensei “será que vou voltar?” O mais importante é que estava de bem com a decisão. Queria fazer o tinha para fazer e nem pensava muito nessa questão. Por vezes sentia falta do desafio das competições, mas tinha tanta coisa por resolver que queria concentrar-me nisso. Foi o que fiz.
A Inês Henriques é sua amiga. Teve influência neste regresso?
A Inês é uma atleta de grande coragem, que se entregou a um desafio gigante. Os 50 quilómetros marcha mudaram a vida dela em termos desportivos e provavelmente em termos pessoais. E tudo partiu de uma grande decisão de mudar algo, tal como eu fiz.
Já considera um objectivo estar nos Jogos Olímpicos de 2020?
Para já, o meu principal objectivo é ajudar o meu clube a atingir os objectivos coletivos definidos para a época. É um clube da 1.ª Divisão e tem aspirações a ficar nos primeiros lugares dos campeonatos de clubes. Individualmente, quero primeiro perceber como vai reagir o meu corpo a uma paragem tão longa e deixar as coisas fluírem naturalmente. Não vou correr atrás do prejuízo, quero mesmo é desfrutar desta nova experiência colectiva.