É raro vermos um homem da ciência a defender uma perspectiva espiritualista.
Comecei com 13, 14, 15 anos a perspectivar- me como espiritualista. E decidi ir para Medicina porque achava que se sabia pouco. Era para mim estranho que a Humanidade aceitasse, sob o ponto de vista da fé, tanta coisa, coisas demais. A ciência tem a obrigação, na minha opinião, de investigar, sob o rigor do método científico, tem a obrigação de esclarecer a Humanidade. Essa foi a razão porque escolhi Medicina. E depois de ir para Medicina, escolhi fazer uma especialização em neuropsicofisiologia, trabalhei seis anos nessa área. Quando ganhei uma bolsa para o doutoramento em Cambridge, o meu pai tinha falecido e resolvi deixar. Mas eu estava perfeitamente orientado para investigar e depois tentar fazer a ponte para a parapsicologia, no sentido de, sob o rigor do método científico, procurar demonstrar o que é verdade e o que é mentira. Portanto, venho de uma concepção espiritualista. Procurei sempre manter-me atento e por outro lado criar condições de apoiar quem faz investigação.
Aquilo a que chama esclarecimento espiritual é tanto um assunto individual como uma causa colectiva?
Sim, quando digo esclarecimento espiritual, é porque a grande maioria da Humanidade acredita que além do corpo físico temos algo mais. Só que a ciência não o admite e também não o estudou. O século XX foi um século fantástico de desenvolvimento científico e tecnológico, mas esta área ficou um bocado para trás. O que estou a defender é que se faça a ciência pela ciência, é a verdade pela verdade, levantar o véu da ignorância e tentar perceber exactamente o que existe. É minha convicção que a investigação científica deitará por terra um conjunto de fábulas, de superstições que têm perturbado o normal desenvolvimento da Humanidade. Mas também é minha convicção que esse estudo vai trazer à tona determinado tipo de energias, que ainda não são conhecidas, ou que são mal conhecidas, e que a ciência as demonstrará. E portanto isso vai ser benéfico para que cada um de nós, percebendo-se como aquilo a que chamo uma partícula de energia, possa tirar maior proveito daquilo que são todas as suas capacidades, e que a Humanidade no seu conjunto possa tirar mais proveito. Não faz sentido estarmos na Terra a acotovelar-nos uns aos outros, a conflituarmos uns com os outros, a eliminar-nos uns aos outros, fará todo o sentido estarmos todos mais irmanados, mais harmoniosamente interligados, na construção de um futuro melhor para a Humanidade, para os nossos filhos, para os nossos netos.
Mas muitas ideias que apresenta no livro Da Ciência Ao Amor têm décadas ou mesmo séculos e nunca foram aceites pela maioria da comunidade científica, muito menos obtiveram consenso. Mediunidade, telepatia, experiências de quase morte, regressão sob hipnose, psicocinese, por exemplo.
Há um conjunto grande de factores que terão contribuído. E gosto de realçar que a própria comunidade que estudou a parapsicologia cometeu alguns erros crassos que se pagam muito caro. Falta de rigor que levou a algum descrédito. Soma-se a isso que as pessoas que têm um sexto sentido mais desenvolvido por vezes também se deixam envolver em coisas em que perdem credibilidade. Por outro lado, a ciência oficial fez um percurso tão voltado para o estudo da matéria, que hoje em dia temos um conhecimento do nosso corpo físico muito maior do que tínhamos há cem anos. Há um hiperfoco na materialidade, que distrai a Humanidade relativamente à espiritualidade, relativamente aos valores universais.
Daí sugerir a alteração de paradigma para uma ciência pós-materialista?
A alteração de paradigma, em termos do rigor do método científico, [para] se poderem admitir de uma forma racional e razoável, alguns fenómenos estatisticamente demonstrados, embora difíceis de provar em laboratório, porque acontecem de forma episódica e muitas vezes sem que o próprio se consciencialize do que está a acontecer. Não só desde a Antiguidade esses fenómenos estão descritos como nas últimas décadas alguns cientistas têm demonstrado estatisticamente a sua existência. Agora é preciso dar continuidade.
Dos fenómenos parapsicológicos já estudados, quais considera que apresentam um corpo mais sólido de evidências científicas?
As supostas vidas passadas, que foram estudadas inicialmente por uma equipa muito forte liderada pelo professor Ian Stevenson na Universidade da Virgínia. Primeiro nos Estados Unidos e depois um pouco por todo o mundo, ele, e a equipa que lhe sucedeu, com os professores Bruce Greyson e Jim Tucker, deram continuidade a um estudo que já analisou cerca de três mil casos de crianças. E em 68% dos casos isso foi demonstrado como verdadeiro. Se me perguntar: está demonstrada a teoria das vidas sucessivas? Não, não está ainda cientificamente demonstrada. Agora, três mil casos estudados, com a qualidade científica da equipa do professor Stevenson, que nunca foi posta em questão pela comunidade científica, ele sempre foi muito respeitado, isto não merece ser continuado? A ciência tem obrigação de estudar isto em profundidade, de explicar à Humanidade o que é isto.
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Diz que a física quântica abre uma janela para a exploração da perspectiva espiritualista. Porquê?
No passado, a ciência não tinha qualquer explicação, postura, que pudesse casar com a perspectiva espiritualista. Não havia relação. A física quântica criou um espaço comum, uma ponte, uma janela, que sobretudo foi forçada com a chamada teoria das superstrings ou supercordas. Quando se admite que as partículas mais pequenas da matéria, ou seja, o quark, o electrão, afinal são constituídas por pequenos filamentos de energia, que vibram, isso está em sintonia com o que Einstein há 100 anos defendia, que tudo é energia. Digamos que os corpos serão constituídos por filamentos de energia que quando vibram menos constituem corpos ditos materiais e quando vibram mais [constituem] corpos diáfanos, nomeadamente a alma ou o espírito, como se lhe queira chamar. Portanto, há aqui uma aproximação que pode ser uma janela a explorar pela ciência para tentar perceber as coisas do âmbito da espiritualidade.
Mas coloca-se a questão de o fazer de acordo com o método científico e em laboratório.
Quando disse que devia haver uma alteração de paradigma, na minha perspectiva essa alteração tem de criar condições para, sob o rigor do método científico, explorar fenómenos mais difíceis de serem estudados em laboratório. E assumir que alguns poderão ser estudados noutras circunstâncias, sem prejuízo da objectividade e do rigor.
Há preconceitos ou dogmas que travam a investigação científica?
O número de cientistas que começa a abrir e a despertar e a querer trabalhar nestas áreas tem vindo a ser progressivamente maior. Hoje há dezenas de universidades europeias, e dezenas de universidades norte- -americanas, que têm cadeiras de parapsicologia, departamentos, investigadores, porque, de facto, a comunidade científica tem vindo paulatinamente a abrir-se.
Que estudos são apoiados pela Fundação Bial?
Para além do Prémio Bial, que tem mexido com a comunidade científica, temos um sistema de bolsas, de apoios a projectos de investigação científica, que tem vindo a crescer. Desde 1994 até agora apoiámos mais de 600 projectos envolvendo 1.350 investigadores de 25 países. Metade na área das neurociências e metade na área da parapsicologia.
Já experienciou algum destes fenómenos na primeira pessoa?
Sim, sim. Desde os meus 13, 14 anos que me interesso por isto, naturalmente fui procurando preparar-me e perceber as coisas por mim próprio. Deixe-me dar-lhe um exemplo: fiz um curso de terapia regressiva que me permitiu durante seis meses perceber como é que um terapeuta me podia projectar no tempo para cem, duzentos ou cinco mil anos atrás, e é uma experiência fantástica, porque vivenciamos certas situações como se estivessem a acontecer agora, com calor, com emoção. E aprendi a eu próprio conduzir uma sessão terapêutica. E é também uma situação muito simpática, podermos desmontar alguns traumas e as pessoas resolverem os problemas que têm.
Sendo uma figura conhecida na sociedade portuguesa, procuram-no, fazem perguntas, contam histórias?
Muitas, muitas. Perguntas e histórias contadas por colegas, empresários, estudantes, diversos autarcas, diversos deputados, membros do Governo e Presidentes da República.
Não o actual.
Não o actual. Acho que nunca falei com ele sobre estes assuntos. Mas algumas pessoas, nomeadamente membros do Governo, muitas vezes me dizem vá em frente, porque realmente alguma coisa deve haver, porque comigo, ou com um familiar meu, aconteceu isto e aquilo.
No livro escreve que está demonstrada cientificamente a capacidade de o ser humano interferir por acção do pensamento no funcionamento do seu próprio corpo físico e de outros seres vivos.
Estamos a falar de estudos que demonstram que através do pensamento podemos interferir no funcionamento dos nossos órgãos e podemos interferir no funcionamento de outros seres vivos. Estão feitos estudos, por exemplo, em ratos, com determinadas feridas de determinadas características, em que um conjunto de terapeutas colocam o seu pensamento no sentido de favorecer a cicatrização das feridas, e, de facto, está estatisticamente demonstrado que curam mais depressa.
Todas as curas têm uma explicação?
Em relação às explicações, acho que as coisas ainda estão pobres. Aquilo que se admite é que cada um de nós pode sintonizar mais ou menos com a energia universal, através do pensamento positivo, da atitude construtiva perante a vida, e depois pode aprender a canalizá-la para si próprio ou para o seu semelhante. Isto são práticas antigas no Oriente que cada vez mais vão chegando ao mundo ocidental, em toda a Europa há hospitais hoje que utilizam este tipo de técnicas.
Mas em milagres não acredita.
Não. Um milagre é algo que ainda não está explicado pela ciência. Por isso, defendo que se deva estudar até perceber exactamente o que se passa.
Aquilo que escreve é mais do que uma crença pessoal?
Não lhe chamo uma crença, porque, de facto, não me considero um homem de fé, considero-me um homem de convicção grande. Não sinto necessidade de ajoelhar ou virar-me para uma determinada cidade, prefiro ter uma postura que considero mais responsável e dizer que há energia suficiente no Universo para cada um de nós fazer um trabalho produtivo, temos é de nos ligar a essa energia. É uma convicção interior forte que tenho, de que se nós nos soubermos manter ligados àquilo que é superior, encontraremos o nosso caminho, de forma responsável, pelo nosso esforço, pelo nosso mérito. Convicção que vim reforçando ao longo dos anos pelo estudo que vim fazendo de todas estas matérias.
Um caminho de aprendizagem.
De reflexão, de análise, de aprendizagem. Se quiser, de purificação. Que é aquilo que acho que vamos fazendo: aprender ao longo da nossa vida, no sentido de sermos cada vez melhores, cada um de nós e a sociedade em geral. Não é preciso criar uma fé ou uma religião em torno disto.
Mesmo quando escreve que somos seres espirituais a viver uma experiência humana e não seres humanos a viver uma experiência espiritual?
Esse é um patamar, um trajecto que cada um vai fazendo. Eu procuro fundamentar-me naquilo que tem sido feito. Este meu livro tem 301 referências bibliográficas porque acho que as pessoas devem perceber que não é o Luís Portela que está a falar, há uma comunidade científica internacional que está atenta e as coisas vão avançando. Agora, cada um tem o seu percurso para ser feito. E quando cada um de nós procura conhecer-se melhor, quando utiliza as técnicas de relaxamento que estão descritas, a mim não me importa muito qual é a técnica, desde que cada um aprenda a relaxar, a meditar, a reflectir, a ir ao encontro de si próprio, de forma séria e honesta, diariamente, vamos percebendo o que estamos a fazer na Terra, vamo-nos percebendo numa outra dimensão, que hoje se usa chamar holística.
A ciência e a espiritualidade estão condenadas a encontrarem-se algures no caminho, a procurar as mesmas respostas?
A ciência e a espiritualidade são duas vertentes que alguém dividiu lá atrás, mas que, de facto, não estão divididas, não estão afastadas, fazem parte de uma mesma realidade.