Afonso Sousa fala por vários moradores que se queixam do ruído provocado pelos clientes do café Neo Colonial, na Rua Comandante João Belo, em Leiria. "Andamos, entre aspas, a sofrer desde 2015". O alvo são sobretudo estudantes do ensino superior que se apresentam "embriagados e a cantar": o Neo Colonial fecha o acesso às quatro da manhã e serve até às seis, ou seja, o barulho nas ruas envolventes prolonga-se quase até ao amanhecer. "Ir trabalhar com uma hora de sono é muito complicado e quando isso se repete durante anos todas as terças e quintas…" Segundo conta, há garrafões com vinho atirados contra as fachadas dos edifícios, flexões no meio da estrada que obrigam os carros a parar, vómitos na via pública e concursos em que os alunos do Instituto Politécnico de Leiria trepam postes de videovigilância. Se alguém abre a janela e entra em diálogo, pior. "Já tive de expulsar quer rapazes quer raparigas por estarem a urinar aqui na porta". As cartas dirigidas à Câmara Municipal de Leiria resultaram em testes de acústica, que confirmam a violação do Regulamento Geral do Ruído, mas o problema mantém- se. O Município informa que os processos de contra-ordenação "deverão ser abertos em breve". Entretanto, a estratégia dos moradores passa por chamarem a polícia, várias vezes por noite, se necessário. Daí a sugestão de Afonso Sousa: encerramento à meianoite nos dias úteis e até às três da manhã nos fins-de-semana. A autarquia quer uma da manhã e duas da manhã, respectivamente, na proposta de regulamento de horários, que vai entrar em consulta pública.
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Hélder Fernandes é outro dos moradores em conflito com o Neo Colonial. Diz que os estudantes que frequentam o café "não acatam ordens" da polícia, isto é, "saem 10 minutos e depois voltam". A presença da PSP até à data "não surtiu efeito" e portanto é a Câmara Municipal que "tem de actuar e pôr cobro à situação", afirma, através de coimas ou de uma ordem de encerramento. E deixa uma pergunta: "Quem é que vem morar para o centro histórico?"
Também no casco antigo da cidade, mas na Rua Eça de Queiroz, perto da Rua Direita, Sandrina Querido diz que "o problema não são os bares", é sim "quem anda na rua" até altas horas. "Juntam-se no Centro Cívico e ali vomitam, urinam e cantam. E a gente não dorme". Concorda com o que a Câmara Municipal de Leiria propõe para os estabelecimentos de bebidas, no sentido de fecharem mais cedo, mas sublinha que faz falta a presença da PSP. "A partir de determinada hora devia haver polícia a mandar as pessoas embora". Com um filho de 12 anos em casa, a "falta de civismo" significa que "não é fácil" fechar os olhos antes do regresso à escola e ao trabalho. "Muitas vezes levanto-me e tenho de ir à janela pedir para não fazerem barulho". E que os danos em propriedade pública e privada – janelas partidas e portas destruídas – são uma excepção, mas acontecem. "Uma noite destas acordei com uma discussão entre um casal e a determinada altura ele começou aos murros e pontapés ao contentor do lixo. Isto é uma constante".
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Ali perto, José Anacleto Chenrim, 87 anos de idade, há mais de meio século a morar na Rua Direita, descreve um cenário semelhante. "Não sou contra os bares, sou é contra esta cambada que durante a madrugada faz para aqui uma barulheira desgraçada". O assunto arrasta-se. "Não quero exagerar, mas já lá vão mais de 20 anos". E as consequências também: "Ainda no outro dia rebentaram aqui com a porta de uma loja". Soluções? "Acho que isto é falta de policiamento".
Noutra zona, Luísa Ferreira luta "há três anos" contra o Class Bar, no Edifício 2000, que "não está isolado para que possa funcionar como um estabelecimento daquela natureza", assegura. "Eu e a minha vizinha ouvimos a música como se estivéssemos lá em baixo. É horrível. Ninguém consegue dormir". Quando a PSP actua, o volume baixa, temporariamente. E depois volta a subir. Há correspondência trocada com a Câmara Municipal de Leiria, a contestar a actividade "até às quatro da manhã", sem sucesso. "Uma inércia". Neste momento, admite, o objectivo é conseguir a ordem de encerramento. Segundo informação da autarquia, foi efectuada avaliação acústica em 2015 que conclui pelo cumprimento do Regulamento Geral do Ruído.