Chegou às farmácias portuguesas há 20 anos e alterou “definitivamente” a vida sexual de muitos casais. Hoje, o Viagra já não está sozinho no mercado e perdeu até o título de medicamento mais popular para a disfunção eréctil, por força da introdução de genéricos, que aconteceu em 2014.
Vendidos a 50%, ou menos, abaixo do preço do medicamento de marca, os genéricos fizeram disparar o consumo de sildenafil – a principal substância activa do Viagra -, que, em Portugal passou de 115 mil caixas vendidas em 2013, para 262 mil em 2014, segundo revelou recentemente o Diário de Notícias.
No distrito de Leiria, os dados do Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde) indicam que a introdução de genéricos mais do que duplicou a venda de fármacos para a disfunção eréctil.
Das cerca de cinco mil embalagens de sildenafil dispensadas em 2013 passou-se para 11.630 no ano seguinte, sendo que no último triénio o número estabilizou em torno das dez mil caixas dispensadas .
“Os genéricos vieram democratizar o uso deste tipo de medicamentos e, por isso, os números de venda subiram substancialmente”, reconhece a sexóloga Marta Crawford. Essa “democratização”, em resultado da diminuição do preço – uma embalagem de Viagra 50 mg, com quatro comprimidos custa 37,46 euros, enquanto a mesma quantidade mas em genérico, ronda os 18 euros – tem permitido “uma maior adesão à terapêutica porque os utentes já conseguem suportar os encargos”, acrescenta um farmacêutico de Leiria.
[LER_MAIS] A par da questão terapêutica, Marta Crawford considera que esta “democratização” contribuiu para “uma maior abertura” para se falar sobre este tipo de medicamentos e para os consumir.
“Muitos até os utilizam de forma lúdica e sem necessidade, o que não é o mais aconselhado”, adverte a sexóloga, que sublinha a importância de “consultar um médico e de evitar a auto-medicação”.
O mesmo alerta é feito por Pedro Antunes, urologista no Centro Hospitalar de Leiria e membro da Sociedade Portuguesa de Andrologia. O especialista nota que o aumento do consumo deste tipo de fármacos não significa que existam hoje mais casos de disfunção eréctil, mas reflecte “uma exigência diferente da sexualidade” e uma “maior facilidade na obtenção” destes medicamentos.
“Há hoje uma utilização mais frequente com o objectivo de melhorar a perfomance sexual, sobretudo entre os jovens, que procuram, desta forma, combater as suas inseguranças. Ou seja, a intenção é melhorar e não tratar”, diz o médico.
Viagra alterou “paradigma” da disfunção eréctil
Não sendo hoje o medicamento mais popular para a disfunção eréctil, o Viagra mantém, contudo, o estatuto de pioneiro. Foi lançado nos EUA em Abril de 1998, chegando ao mercado nacional em Outubro desse ano.
“A vida sexual dos casais alterou-se definitivamente. Se até ao aparecimento do Viagra, uma falha eréctil era considerada uma situação incapacitante (denominada de impotência) para uma vida sexual normal, que abalava qualquer homem no seu sentido de masculinidade e virilidade, a partir daí passou-se a falar de disfunção eréctil, ou seja, de dificuldades de erecção que podiam ser resolvidas”, realça Marta Crawford.
A sexóloga equipara o surgimento do Viagra ao aparecimento da pílula contraceptiva, permitindo “uma nova forma de olhar para a sexualidade, que facilitou a interacção médico-doente e o diálogo entre parceiros”. “O Viagra vem prolongar a vida sexual de muitos casais e alterar as dinâmicas criadas pela perda de erecção”, acrescenta.
O urologista Pedro Antunes destaca ainda a possibilidade dada pelo 'comprimido azul', como também é conhecido o Viagra, para alargar o tratamento da disfunção eréctil a um número “muito maior” de pessoas.
“Até então, as soluções disponibilizadas eram invasivas. Não estavam acessíveis a todos os doentes. A partir do momento em que temos um fármaco oral, com eficácia comprovada, alterou- se completamente o paradigma da disfunção sexual. Passámos a ter mais gente tratada, de forma cómoda e segura”, realça o urologista.
O especialista nota ainda que “a maior procura da medicação fez também com que se falasse mais das disfunções sexuais”.
Marta Crawford considera, contudo, que a “nova euforia sexual” que o Viagra representou para muitos casais “acomodados e com uma vida sexual pouca activa”, “nem sempre passou a trazer satisfação”.
“O Viagra não trouxe e não traz livro de instruções. Se por um lado permitiu aos homens manterem as suas erecções numa relação sexual com penetração, não os tornou mais habilidosos”, afirma a sexóloga, frisando que a sexualidade “é algo muito mais abrangente do que uma simples relação pénis- vagina (no caso dos casais heterossexuais)”.
E concluí: “Não existe medicamente do mundo que traga a habilidade/competência na relação interpessoal íntima, por arrasto. Terá de ser por tentativa e erro e através de um diálogo íntimo para que o casal encontre a melhor forma de dar e receber prazer.”