O pôr-do-sol aproxima-se e o calor, insuportável durante a tarde, diminui de intensidade. A rapaziada sai da toca, porque está na hora de dar o corpo ao manifesto. A um ringue perdido na Corredoura, no concelho de Porto de Mós, começam as chegar, paulatinamente, uns matulões.
Sapatilhas bota, calções compridos, camisola de alças, bola laranja na mão e várias alusões à NBA na indumentária. E chega outro rapaz, ainda mais matulão, com perfil de desportista profissional. “Então, Yao, estava a ver que não vinhas…”
Yao é João Grosso. Um rapaz de 24 anos do Juncal que é, apenas e só, um dos melhores basquetebolistas portugueses. Depois de ter estado no Centro de Alto Rendimento, de uma aventura na Galiza e de representar o FC Porto, joga agora na histórica Ovarense. E, por estes dias, está no lote de 14 eleitos que prepara, em estágio da selecção nacional, a segunda ronda de pré-qualificação para o Eurobasket de 2021.
Mas ali, naquele ringue de cimento exaurido pelo tempo, é apenas mais um entre pares. Em paixão está em pé de igualdade com o Daniel Matias, com o Francisco Jordão e com o Nuno Agostinho, os colegas de ocasião, mas também de uma vida. São, acima de tudo, grandes amigos com uma paixão em comum.
Em algum ponto do processo formativo, alinharam juntos nas equipas do Iejota – Instituto Educativo do Juncal. Depois, cada um seguiu a sua vida, mas a paixão pela bola ao cesto manteve-se inalterada.
Depois, os talentos de João Grosso permitiram-lhe uma carreira ao mais alto nível. Os outros, uns melhor, outros pior, uns com mais pontaria, outros com consideravelmente menos, vão fazendo as suas jogadas, porque o basquetebol tem isso de único: basta um cesto e duas pessoas para se fazer a bola saltar.
As equipas fazem-se rapidamente e sem discussões. O objectivo é proporcionar o maior equilíbrio possível. Como quem sabe nunca esquece, o pessoal apresenta argumentos. Depois, as coisas hierarquizaram-se de forma natural.
“Agora é que vai ser. O Yao chateou-se!” Chega uma altura em que [LER_MAIS] João Grosso resolve tomar as rédeas. Dribles por entre as pernas, bolas por detrás das costas, afundanços, jogo de pés, lançamentos de longa distância, roubos de bola, ressaltos, houve show na Corredoura.
Quando a bola bate no ar e salta para fora, a desculpa do dia é o vento, que entretanto foi ganhando intensidade. Alguns vizinhos vão espreitando, pouco habituados a ver actividade naquele espaço. Entre os quatro rapazes, é hora de boa disposição, muito mais do que qualquer tipo de competitividade. Riem-se com os feitos, mas também com os falhanços.
A alegria é contagiante, sobretudo quando as coisas correm mesmo muito mal. Não é um jogo da NBA, não está a defrontar um qualquer norte-americano do nosso campeonato, mas Yao está feliz por estas jogatanas.
“Adoro estas brincadeiras e sempre que passo uns dias no Juncal tento jogar, até porque não gosto de passar muito tempo parado. Seja na Batalha, em Porto de Mós ou em Leiria, quero fazer uns lançamentos. E depois, claro, revejo velhos amigos, porque agora que vivo longe não é todos os dias que tenho essa possibilidade.”
A alcunha colocada pelo professor Xavier
Os amigos estão habituados aos talentos de João Grosso, até porque desde muito cedo que perceberam que ele era especial. E não era apenas devido à altura. “Hoje meço 1,97 metros, mas quando tirei o cartão do cidadão pela primeira vez já tinha 1,80 metros”, recorda o basquetebolista. “Desde cedo foi o nosso abono de família. Tinha mais um palmo do que todos os outros”, conta Daniel Matias. É precisamente daí que advém a alcunha, colocada pelo então treinador, Xavier Silva, que orientava uma equipa que surpreendeu o País e chegou a conquistar títulos nacionais. Yao, Yao Ming, é um exbasquetebolista chinês, de 2,29 metros, que brilhou na NBA ao serviço dos Houston Rockets e dominava o jogo nas alturas, como fazia então João Grosso. Hoje, o rapaz do Juncal, estudante na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, já não faz a diferença pela estatura, mas continua a ser especial. “Não havia muita gente que acreditasse que o basquetebol poderia ser uma profissão, mas fui teimoso e consegui o que sempre sonhei. Sou a prova de que lutando pelo que queremos conseguimos chegar mais longe. E agora, na Ovarense, encontrei o tipo de equipa com que me identifico. Por isso jogo mais e consigo jogar na selecção.”