Vai o Verão finalmente sair do armário? Os agricultores esperam que sim e suplicam por dias de céu limpo com mais horas de exposição solar. O tempo atípico dos últimos meses originou sementeiras tardias, atrasos na produção e custos extraordinários com o tratamento de doenças. No olival, as águas de Maio cortaram a produção pela metade. "Quando choveu, a azeitona manteve-se com a flor fechada", explica o presidente da direcção da Cooperativa de Olivicultores de Fátima. "Depois vieram oito dias de sol, a flor abriu e continuou a chover. E quando chove na flor, traz alguns problemas. O aparecimento de doenças, como o chamado algodão, e a própria chuva na flor fez com que ela vingasse pouco. Ou seja, neste momento, as oliveiras estão com uma quebra de produção na ordem dos 50%, em relação ao ano passado, aqui na nossa zona". Na campanha de 2017/2018, os 950 associados, distribuídos pelos concelhos de Ourém, Leiria, Batalha, Alcanena e Torres Novas, entregaram 5 milhões de quilos de azeitona, que permitiram obter 1 milhão e 200 mil litros de azeite. Mas, este ano, os impactos económicos provocados pelos humores da Natureza "são consideráveis", até porque o investimento necessário em mão-de-obra para a apanha, previsivelmente só em finais de Outubro, é o mesmo, dada a dimensão reduzida dos terrenos. "Agora precisávamos que não chovesse", afirma Pedro Gil.
Mais custos. O inverno seco, a primavera chuvosa e o início de Verão primaveril com temperaturas amenas para a época estão a trocar as voltas aos agricultores e a tornar inúteis os conselhos do calendário Borda d'Água. A combinação de calor e humidade cria condições favoráveis ao desenvolvimento de organismos indesejados, o que implica mais trabalho no campo e mais custos. "Nesta fase do ano, os fungos atacam muito a vinha. E este tempo é o ideal para eles", afirma António Marques da Cruz, produtor de vinhos com sede no concelho de Leiria. "O míldio ataca na folha, mas, às vezes, também vai ao cacho e aí é uma perda de produção muito grande. E sei que há produtores aqui da zona que já estão com esse problema".
Campanha atrasada. Dependendo dos casos, a campanha segue com duas a três semanas de atraso. As chuvas demoraram as sementeiras na Primavera, porque não era possível entrar nos campos, enquanto o principal efeito de um Verão envergonhado é o défice de exposição solar. "Costuma haver um bocadinho mais de luz. Na maturação das uvas, que se faz entre Março e Setembro, temos que ter xis horas de sol – e este ano estamos em falha com essas horas de sol e se calhar estamos com a maturação atrasada 15 dias, mais coisa menos coisa", explica António Marques da Cruz. "Maturação diferente", logo "vinhos diferentes", o que "até pode ser interessante". O receio prende-se com as condições metereológicas nas semanas que antecedem as vindimas. "Nesta zona do País, por volta do equinócio de Setembro, há sempre alguma chuva, o que para nós, um ou dois dias, é benéfico. Mas, por exemplo, em 2014, tivemos 18 dias de chuva. E foi um ano semelhante a este, com um Verão tímido, fresco. Se tivermos chuvas de Setembro muito compridas sem a uva maturada ainda, pode prejudicar-nos. A uva começa a apodrecer antes de ficar madura".
Outono quente, inverno seco, primavera com temperaturas baixas, Verão encoberto. "E portanto, aquilo que está a complicar bastante são realmente as baixas temperaturas e o céu constantemente nublado", salienta Carmo Martins, presidente da direcção da Cooperativa Agrícola de Alcobaça e secretária-geral do COTHN – Centro Operacional e Tecnológico Hortofrutícola Nacional. "Isso tem causado um atraso significativo no ciclo, estamos mais ou menos com 15 dias de atraso relativamente a uma campanha normal, quer da maçã quer da pêra".
Quantidade e qualidade são ainda uma incógnita, mas a dirigente antecipa implicações relevantes na frente comercial. "Pelo facto de termos características quer de temperaturas quer de luz que nos permitem campanhas mais antecipadas, entramos no mercado mais cedo, e este ano não estamos a conseguir". Daí que as melhores notícias, por esta data, seriam o regresso da normalidade metereológica. "Era São Pedro mandar-nos temperatura e céu limpo, era realmente aquilo que seria necessário agora. Dias mais quentes e horas de luz", esclarece Carmo Martins
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Menor calibre, melhor sabor? Mais optimista, o empresário e ex- -presidente da Associação Nacional dos Produtores de Pêra Rocha afasta o cenário de desvantagem comercial. "o mercado habitua-se e reage bem. E não somos só nós. A Espanha está igual, entre os nossos concorrentes ninguém está a ganhar vantagem". Com menos calor, a natureza responde mais devagar e as colheitas num sector que tem apostado na exportação – tal como a Maçã de Alcobaça – vão ocorrer mais tarde, mas Torres Paulo confia que a qualidade não está em causa, pelo contrário. "Estou convencido, por anos anteriores, que quando isto acontece a fruta é boa, tem sabor, porque fez um amadurecimento calmo, a árvore trabalhou bem".
Num dos pomares do concelho de Alcobaça, na freguesia do Bárrio, Carlos Malhó mostra-se preocupado com o calibre das maçãs e pêras produzidos e comercializados pela empresa Fresh Border. Dias encobertos em excesso significam fruta com menor dimensão, logo menor valor, o que diminui o rendimento por hectare. "Quando não há luz, a fruta não cresce. Se não houver quilos, não há dinheiro", resume.
Na propriedade vizinha, Daniel Soares, um dos associados da Dona Horta, explica que as hortícolas "estão a ir bem", mas as forragens "não prestam". E as batatas, que "já deviam estar a amarelar", apresentam "um mês e tal" de atraso, e podem não sair da terra, "se chover cedo", lá para Setembro.
Alterações climáticas. Para o presidente da Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Lis, Uziel Carvalho, tudo depende do que o calendário reserva pela frente. "A generalidade das culturas de Primavera Verão devem ter uma fase de dias crescentes e depois a fase de maturação com os dias decrescentes. O que estamos a assistir é que a maior parte das culturas vão ter só os dias decrescentes. E isso é negativo", esclarece, porque "as plantas precisam de luz e de uma quantidade de horas por dia". Portanto, "o ciclo da planta é também alterado".
Quanto à qualidade, depende das culturas. "Em princípio, menos boa qualidade, nos frutos que têm de ter luz para terem melhor sabor", por exemplo, os tomateiros, que, "não tendo, ficam mais ácidos, com mais água e menos açúcar", afirma. No caso do arroz e do milho, "pode ser bom ou pode ser muito mau", em função do que acontecer nas próximas semanas. Mas já "para as hortícolas de folha", alfaces, couves e outras variedades, o tempo ameno "é o ideal", assinala. Também na produção de kiwi, o acréscimo de humidade, com temperaturas não muito altas, é favorável, explica Humberto Silva, produtor instalado em Pombal. Os problemas advêm, sim, das excepções cada vez mais frequentes. "Inverno extremamente frio e no Verão picos de calor muito elevados. No ano passado, na minha exploração, em Janeiro, detectei oito graus negativos. E no Verão, 45 graus".
Fonte da Direcção Regional de Agricultura do Centro avisa que as alterações climáticas, com estações menos definidas, e uma espécie de ocaso da Primavera e do Outono, forçam os agricultores a adaptarem processos e culturas. Para António Marques da Cruz, habituado aos constrastes do ano climatérico inscritos nos vinhos que produz, os últimos meses são sintoma de uma alteração estrutural. "Antigamente, nos anos 60, 70, até 80, numa década havia um ano diferente e nove anos parecidos. Se calhar na última década para encontrarmos dois anos iguais é difícil".