Encontramo-nos ao fim da tarde no bar do Atlas Hostel, em plena rua direita. O grupo tinha acabado de chegar de uma volta pelas praias da Nazaré e de São Pedro de Moel. São rapazes que poderiam muito bem passar por um grupo de turistas que, por mero acaso, veio parar a Leiria.
Mas não são. Na realidade, trata-se de uma selecção nacional de hóquei em patins em vésperas de jogar um Campeonato da Europa. A realidade destes jovens é que é muito diferente da dos seus colegas lusos, todos eles absolutamente profissionais, todos eles ordenados milionários.
Em Portugal, como em algumas regiões de Espanha, Itália e pouco mais, esta é uma modalidade de privilégios. Tem, até, direitos de transmissão na RTP1, como não tem modalidades com muito mais praticantes, como o andebol, o voleibol ou o basquetebol.
Mas estes moços simpáticos, disponíveis e de sorriso tímido, que levam com orgulho a águia da Áustria ao peito, não foram parar ao centro histórico de Leiria por acaso. O local, está bom de ver, é agradável, mas está longe de apresentar a conjuntura habitual neste tipo de concentração.
Por amor ao hóquei, o Elias, o Roché, o Aurel, o Stefan, o Kilian, o Jonas, o Jean Carlos, o Thomas, o Sebastian e o Roman têm de largar o trabalho, abdicar de férias e desembolsar as verbas necessárias para que a preparação seja possível, à semelhança, de resto, do que acontece com os portugueses de algumas modalidades menos mediáticas.
Mas há um motivo para eles estarem ali, a tomar café e à espera de partir para Ourém para mais um treino. Leiria foi escolhida porque é a cidade de onde é natural o treinador em part-time da selecção austríaca. João Nuno Meireles, 39 anos, é filho de outro João Meireles, antigo seleccionador nacional da modalidade, com vários títulos internacionais do palmarés. Em Janeiro regressou à cidade, após vários anos a trabalhar em Espanha.
Quando este texto for publicado, a Áustria já saiu de Leiria, já viajou para a Corunha, na Galiza, e até já acumulou quatro derrotas, com a Suíça, com a França, com Portugal e com Andorra. Mas o facto de apresentar uma equipa que dignifica o país é, por si só, a maior das vitórias.
“As expectativas são sempre relativas e os objectivo, como sempre, são modestos. É uma equipa muito jovem. Um dos guarda-redes é juvenil e temos ainda três juniores. Há uma condicionante na convocatória, porque só posso escolher quem está disponível para vir”, explica o treinador, a orientar os austríacos pela quarta grande competição consecutiva [LER_MAIS] , depois do Mundial de 2015, o Europeu de 2016 e os Jogos Mundiais de 2017.
Dois clubes
Na verdade, o hóquei em patins está em retrocesso na Áustria. Clubes, há dois. “Antes ainda havia uma bolsa a Sul, que praticava com equipas italianas, mas hoje em dia joga-se apenas numa zona limite entre a Alemanha e a Suíça.
Os escalões jovens jogam num campeonato com equipas desses países, enquanto os seniores participam na competição suíça e depois, em Maio e Junho, fazem o campeonato nacional, em Maio e Junho.”
Dificuldades não faltam. Uma situação a que João Nuno está “habituado”, após quase uma década a orientar equipas de formação em Sevilha. “Trabalhei muitos anos no Sul de Espanha e era o deserto. Para fazermos alguns jogos com os miúdos tínhamos de fazer 250 quilómetros até Granada ou Málaga.” Mesmo assim, chegou a levar o clube Irlandesas ao pódio das principais provas espanholas.
É também do nosso país vizinho que chegam à Áustria treinadores e jogadores que permitem que a modalidade não feche de vez as portas. “Tem uma parte positiva, pois os jogadores austríacos melhoram na técnica e na intensidade de jogo, mas tem a parte negativa, pois na competição real sénior acabam por jogar pouco.”
Nos últimos meses da temporada passada, João Nuno acumulou a selecção austríaca com a equipa sénior do Leiria e Marrazes. Em 2018/19, vai mudar-se para a Juventude Ouriense, continuando a fazer estágios pontuais de observação naquele país da Europa Central.
“É um orgulho enorme representar uma selecção. Não é fácil sofrer goleadas, claro. Sei o que faço, o que trabalho e não gosto de perder, muito menos por muitos. Mas é um escaparate internacional, o auge para qualquer treinador estar nestas competições internacionais. Vou continuar a lutar por um futuro melhor.”