João Ângelo perdeu quatro familiares no 17 de Junho que ninguém esquece. Sogros e cunhados, presos dentro do carro na estrada 236-1. É o vice-presidente da Associação de Familiares das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (AVIPG) e está directamente envolvido no projecto Aldeias Resilientes, criado para ensinar a população a proteger-se dos fogos florestais.
Ele é o líder da iniciativa em Pobrais, onde morreram 11 pessoas. Ao todo, há 26 aldeias envolvidas. Fala com o JORNAL DE LEIRIA na sede da AVIPG, instalada num antiga escola primária. Na sala onde o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai juntar-se no próximo domingo a uma cerimónia privada pela memória dos que desapareceram há um ano.
Alguns deles continuariam vivos, num país com outro tipo de formação e informação, acredita João Ângelo. Para evitar que o pior se repita, a associação liderada por Nadia Piazza está a desenvolver o projecto Aldeias Resilientesnos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos.
Um projecto sem parceiro de financiamento, mas que avança mesmo assim. Para "que as pessoas saibam o que fazer antes, durante e depois" de um incêndio de tamanhas proporções, explica o dirigente. "Se devem sair, se devem ficar, o que fazer às casas, o que devem tirar da rua para meter dentro das habitações".
No 17 de Junho que ninguém esquece, o lume levou a electricidade, a água canalizada, a internet, os telefones fixos e os telemóveis, em determinadas zonas cercadas pelas chamas, que ficaram momentaneamente isoladas e sem socorro.
Quando tudo falha, o projecto Aldeias Resilientes preconiza a utilização de rádios do tipo amador, a pilhas ou com bateria, para difundir alertas e pedidos de auxílio que outros operadores podem escutar, incluindo a polícia, os bombeiros e a protecção civil.
Está previsto pelo menos um rádio em cada povoação, além da instalação de moto-bombas a gasóleo, da identificação de pontos de água e ferramentas úteis no combate ao fogo, da contagem do número de crianças, idosos e acamados entre a população residente, do levantamento do tipo de veículos disponíveis, da localização de possíveis abrigos colectivos e da nomeação de um líder na comunidade.
"Auto-protecção", resume João Ângelo. "As pessoas estarem preparadas". Porque não basta depender de terceiros, cujos meios são limitados. "Não podemos contar com mais ninguém a não ser connosco. E eu tenho que saber o que fazer para ajudar a minha família".
Numa das formações que a AVIPG já levou ao terreno, fala-se de decisões e do momento certo para as concretizar. Quando tudo está a acontecer, não adianta fugir. Pelo contrário. "É sempre [LER_MAIS] bom ficarmos em casa, principalmente se for uma casa moderna. É viável, é seguro", garante João Ângelo.
A informação que está a ser passada aos residentes dos três concelhos é que devem fechar as janelas e tapar as frestas com panos molhados, para não deixar entrar o fogo nem o fumo. E procurar refúgio no espaço mais resguardado do edifício, onde não existam materiais inflamáveis. "Porque o fogo demora entre 20 a 30 minutos a passar. Está estudado".
Na aldeia de Pobrais, os bombeiros só apareceram pelas três da manhã de domingo. "Não pararam, porque não tinham ordens superiores para gastar água", conta o vice-presidente da AVIPG.
Muitas horas antes, ao final da tarde de sábado, 17 de Junho, tomados pelo pânico, sem ajuda da protecção civil, com o lume enfiado entre hortas, quintais e habitações, já alguns populares tinham procurado escapar de carro, acabando por encontrar a morte apenas a centenas de metros, na estrada 236-1. Entre eles, os quatro familiares de João Ângelo.