“No 9.º ano não tinha bem a ideia de qual via de ensino ia escolher. Era um aluno razoavelmente bom. Sabia que iria para Ciências e Tecnologias ou para programação informática no ensino profissional. Tentei perceber qual das duas me iria dar uma melhor preparação para prosseguir estudos no ensino superior, que foi sempre um objectivo.”
As palavras são de André Mártires, aluno que concluiu o curso profissional de Técnico de Gestão e Programação de Sistemas informáticos na Escola Secundária Domingos Sequeira, em Leiria, com média de 14 valores. A opção do jovem foi por um ensino menos teórico, que lhe dará mais bases na licenciatura de Engenharia Informática, a que vai concorrer este ano.
“No ensino profissional falta Matemática a sério. Em Ciências e Tecnologias… não há tecnologia. Só no 12.º ano, existe uma disciplina de Aplicações Informáticas, mas que não tem nada a ver com programação nem com arquitectura de computador”, revela André Mártires.
Foi por isso que seguiu a via profissional e não duvida de que foi uma aposta ganha. “Sinto que estou mais preparado que qualquer aluno que tenha seguido o ensino regular. Como o meu objectivo era o ensino superior desde o 10.º ano que tenho explicações de Matemática A, porque tenho de fazer esse exame.”
Manuel Bento, director do Centro de Estudos de Fátima (CEF), que tem esta via de ensino desde que foi lançada, concorda que, sobretudo, nos cursos de Informática, “os jovens que optam por seguir um curso superior sentem-se mais bem preparados, porque passaram pelas áreas técnicas”.
“Mesmo alunos do ensino regular reconhecem que os colegas do profissional estão mais bem preparados no ensino superior”, reforça. Por isso, André Mártires aconselha os futuros estudantes que queiram licenciar- se na área de Informática a optar pelo ensino profissional, porque os prepara melhor. Como tem a lacuna da Matemática A, terão de ter trabalho extra.
“Julgo que deveriam ser as escolas a proporcionar esse apoio aos alunos que estão no profissional, mas que querem seguir o ensino superior”, aponta, ao afirmar que quem concorre ao ensino superior pela via profissional “parte em desvantagem” com os colegas do ensino regular. “Mas sei que depois compensa no ensino superior”, reforça.
É precisamente esta medida que já foi adoptada pelo Instituto Educativo do Juncal (IEJ), em Porto de Mós. Tânia Galeão, directora pedagógica, revela que nas disciplinas em comum com o ensino regular – Português (com um currículo idêntico) e Matemática (com um currículo diferente), são disponibilizados os mesmos apoios e os alunos das diferentes vias de ensino são prepararmos da mesma forma para os exames.
Cesário Silva, director do Agrupamento de Escolas Marinha Grande Poente, acrescenta que uma das preocupações são precisamente “os alunos que querem ter acesso ao ensino superior para ingressarem em licenciaturas, que são sujeitos aos mesmos exames dos jovens que estão em científico-humanísticos”, mas cujos “conteúdos são trabalhados de forma diferente, sobretudo na Matemática, o que é um obstáculo grande”.
Desde que surgiram os Cursos Técnico Superior Profissional (CTeSP) “vários alunos optaram por prosseguir estudos”, revela Cesário Silva, referindo que, no último ano, dos 54 alunos que terminaram o 12.º ano na Escola Secundária Calazans Duarte, 16 ingressaram nos CTeSP. “Para muitos é uma via de entrada no ensino superior.”
Segundo dados do Infoescolas, cujos últimos resultados publicados são de 2015/16, o distrito de Leiria tinha 36 escolas com alunos matriculados em cursos profissionais, num total de 5415 estudantes, dos quais 59% eram rapazes e 41% raparigas.
“O ensino profissional tem vindo a melhorar. No contexto em que estamos inseridos sempre trabalhamos no mesmo patamar de exigência, porque entendemos que quem vai para esta área tem de ter qualidade”, sublinha Tânia Galeão. Também André Mártires reconhece que a exigência é alta.
[LER_MAIS] “São 40 horas por semana em que a presença é obrigatória.” As faltas não podem simplesmente ser justificadas. “Normalmente temos de repor as horas com um exercício ou trabalhos extras”. O estudante acrescenta que os próprios professores “estão muito bem” preparados.“Alguns são os mesmos que dão aulas ao ensino regular e os mais técnicos são muito qualificados.”
horas é o total do currículo dos cursos profissionais. Estes cursos têm uma estrutura curricular organizada por módulos, o que permite maior flexibilidade e respeito pelos ritmos de aprendizagem. O plano de estudos inclui formação sociocultural, científica e técnica.
Segundo Tânia Galeão, o ensino profissional “tem recebido muitos bons alunos ao contrário do que sucedia antigamente”. Por isso, esta via também se tem tornado “mais exigente e mais rigorosa” na forma de avaliar os alunos e os estágios.
“O meu curso é super difícil e complexo. Começamos logo no 10.º ano a introduzir conceitos de programação. O estigma de ser visto como um ensino para quem tem menos capacidades surgiu porque muitos alunos vieram do ensino vocacional depois do prolongamento do ensino obrigatório até ao 12.º ano”, constata André Mártires.
Apesar de ainda existir algum preconceito sobre os jovens que preferem o ensino profissional, as saídas para o mercado de trabalho e os elogios traçados pelos empresários que recebem colaboradores com esta formação têm vindo a fazer cair a imagem de “patinho feio” e esta via tem-se vindo a transformar num belo “cisne”.
Cesário Silva adianta que a imagem negativa “tem-se vindo a reduzir”, sobretudo, porque o trabalho que as escolas têm vindo a desenvolver tem” tentado dignificar esta modalidade formativa”. Por parte dos pais é que, por vezes, ainda há alguma hesitação.
Tânia Galeão considera que esta dúvida surge apenas por “desconhecimento”. “Quando lhes explicamos melhor acabam por perceber. Quase todos os alunos reconhecem que ficam mais habilitados seguindo por esta via de ensino, porque ficam com a vertente de contexto de trabalho, de apresentações públicas e da prática. Ganham outro tipo de competências que não são trabalhadas no ensino regular.”
Este ensino, frisa a directora pedagógica do IEJ, “dá acesso ao ensino superior e tem muita empregabilidade”. “No nosso caso é superior a 90%.” O director da Escola Secundária Calazans Duarte acrescenta que tem sido transmitido aos pais que a opção pelo ensino profissional não inviabiliza o acesso ao ensino superior.
“Hoje, ao fazerem esta opção, os alunos têm a possibilidade de entrar no mercado de trabalho com qualificação, mas também podem prosseguir estudos. Temos demonstrado que há vários estudantes que seguiram esta via de ensino e que hoje são adultos bem formados e com sucesso profissional.”
Segundo Cesário Silva, “numa sociedade como a de hoje não se pode pensar que as opções feitas aos 15 anos são para sempre”, até porque “a formação é fundamental ao longo de toda a vida”.
Constando que “os alunos que não têm apetência tão grande pelo estudo podem optar por um ensino mais prático”, Manuel Bento sublinha que “muitos bons alunos que podiam seguir o ensino regular sem problemas estão a optar pelo profissional com bastante sucesso”.
A imagem negativa “ainda não está totalmente eliminada mas houve uma evolução”, até porque a “entrada de outros alunos também elevou a qualidade”. Aliás, segundo o director do CEF, se o ensino profissional for levado a sério não é fácil. “No CEF preocupamo- nos que os alunos tenham sucesso nos exames nacionais para terem a possibilidade de prosseguir estudos e também têm que estar preparados para o mercado de trabalho.”
Para Manuel Bento, uma das vantagens do ensino profissional é “ser mais fácil de adaptar a alguns alunos que tenham mais dificuldades, pois é possível respeitar os tempos de aprendizagem”. “É permitido ao longo do percurso repetir o módulo com trabalho de pesquisa ou portfólio de investigação. No ensino profissional existem mais mecanismos para aliar às competências que o aluno adquiriu ao longo do percurso.”
Cursos respondem ao mercado de trabalho
O interesse pelos cursos profissionais tem vindo a aumentar, mesmo que o número de alunos diminua em alguns concelhos, o que é reflexo da queda da natalidade. O reconhecimento da qualidade dos cursos e a possibilidade de prosseguir estudos é uma mais-valia, mas também o facto da empregabilidade ser elevada.
As escolas profissionais e secundárias, públicas ou privadas, têm a preocupação de disponibilizar cursos de acordo com as necessidades do mercado laboral e vão adaptando a oferta formativa às flutuações do emprego.
“Começamos a perceber que começa a existir um interesse pelos cursos profissionais, porque vão ao encontro dos interesses dos alunos. Há um trabalho que é feito ao nível da formação e orientação dos alunos no 9.º ano, onde é possível ajustar os interesses dos alunos para que possam tomar opções mais conscientes e motivadoras, pois assim serão alunos mais empenhados e concluirão os estudos com maior sucesso”, entende Cesário Silva.
Manuel Bento considera ainda que as escolas trabalham “relativamente bem o ensino profissional e os jovens saem hoje mais bem preparados”. O director do CEF, que tem ensino profissional desde que foi criado, lamenta, contudo, que nem sempre os jovens tenham interesse pelas áreas em que há mais necessidades no mercado de trabalho.
“O ensino profissional está já relativamente bem visto e há muita oferta, mas ainda há falta de técnicos em determinados sectores, porque os alunos não têm tanto interesse”, constata, exemplificando com o curso Técnico de Electricidade, que é explorado pelo CEF ou técnicos na área de logística e do comércio, necessidades prementes em Fátima.
“O CEF diversifica, mas tem pena que nem sempre os jovens correspondam a essa oferta, porque não serão áreas tão apelativas.” Segundo Manuel Bento, os indicadores de empregabilidade “são muito bons”, verificando-se casos em que os jovens são convidados a ficar nas empresas onde realizaram o seu estágio.
Apesar das saídas para o mercado de trabalho, o director afirma que a recomendação é que os jovens prossigam, sempre que possível, estudos no ensino superior, nomeadamente através dos CTeSP. “Temos formadores que hoje são engenheiros e que passaram pelo ensino profissional.”
Na Calazans Duarte, a procura tem sido proporcional à oferta. “Passámos de uma realidade de três turmas com um ou dois referenciais de saída, para quatro turmas no ano 10.º ano com oito referenciais de saída. Estamos a preparar para o ano lectivo 2018/19 uma proposta para abrir cinco turmas que terão dez referenciais de saída. O objectivo é responder às expectativas dos alunos. Mas há sempre articulação em função das necessidades do mercado de trabalho, o que é fundamental”, diz Cesário Silva.
Com 235 alunos no ensino profissional, a Escola Secundária Calazans Duarte vai manter a oferta de Curso Profissional de Técnico de Massagem de Estética e Bem-Estar para 2018/19, único no distrito, e vai voltar a ter Técnico de Programação e Maquinação de CNC e Técnico de Apoio à Gestão. Os restantes cursos são técnicos de Acção Educativa, Auxiliar Protésico Dentário, Auxiliar de Saúde, Cozinha e Pastelaria, Multimédia, Design Industrial e Planeamento Industrial de Metalurgia e Metalomecânica.
O CEF tem 140 alunos no ensino profissional distribuídos pelos cursos Comercial, Multimédia, Electrónica e Automação e Computadores. A novidade deste ano é a opção de Técnico de Apoio Psicossocial, porque “esta era uma das áreas carenciadas na zona do Médio Tejo.” Na Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo, em Leiria, os três cursos de Técnico de Análise Laboratorial, Técnico de Turismo e Técnico de Design, Interiores e Exteriores têm “sempre muita procura” e estão preenchidos com cerca de 200 alunos.
“A escola não pode aumentar a oferta, porque não tem capacidade para receber mais alunos. Já está no limite máximo”, garante a directora Isabel Oliveira. Segundo a docente, Turismo é o curso “com maior procura e tem registado um número elevado de alunos” o que, por vezes, obriga a que nem todos possam ser aceites e acabam por ser seriados de acordo com o regulamento e das prioridades estabelecidas.
No IEJ os sete cursos são frequentados por cerca de 130 alunos. Quatro novos cursos vão integrar a oferta formativa para 2018/19. Além da tradição do Desporto, Design Industrial e Análise Laboratorial, a escola tem ainda abertas as inscrições para Turismo Ambiental e Rural, Manutenção Industrial – Mecatrónica, Maquinação e Programação CNC e Produção e Montagem de Moldes. Outra novidade inédita na escola será a “parceria total” com as indústrias, onde decorrerão “as aulas práticas desde o 1.º ano nos cursos mais técnicos”, revela Tânia Galeão.
“Sabemos que há outras necessidades no mercado, como na área das pedreiras, que vamos tentar colmatar no futuro.”