O índice de envelhecimento tem vindo a aumentar um pouco por todo o mundo. Em 2017, as pessoas com 65 ou mais anos representavam 20,5% de toda a população residente em Portugal. Em termos comparativos esse valor posiciona-nos no quinto país da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) mais envelhecido do mundo, revela a investigadora Maria Irene de Carvalho.
A estimativa é que em 2050, em cada três habitantes, um seja idoso, segundo o cenário central das projecções demográficas. A esperança de vida à nascença foi estimada em 80,62 anos, por um estudo do Instituto Nacional de Estatística, que referia que os homens viveriam em média 77,61 anos e as mulheres 83,33 anos.
No entanto, uma investigação do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, divulgada na semana passada, mostra que, de cinco países europeus analisados, Portugal é aquele que apresenta a menor probabilidade de sobrevivência da população idosa para além dos 85 anos.
Este estudo da Unidade de Investigação em Epidemiologia sublinha a "importância de reduzir as desigualdades sócio-económicas existentes no território europeu para se conseguir aumentar a longevidade da população mais idosa", indicou a investigadora Ana Isabel Ribeiro, citada num comunicado.
Os resultados mostraram que os idosos que vivem em locais com maior privação sócio- económica têm menor probabilidade de atingirem idades mais avançadas. “O envelhecimento traduz-se não só pela alteração na base e no topo da pirâmide (diminuição dos nascimentos e aumento da longevidade), mas também com a alteração da população jovem activa decorrente da imigração”, salienta Maria Irene de Carvalho.
Este tipo de envelhecimento coloca desafios à sociedade e ao próprio Estado, nomeadamente, garantir maior qualidade de vida e começar desde cedo a preparar o futuro. “Os dados que existem, neste momento, indicam que as escolhas que fazemos durante a nossa vida e o ambiente no qual estamos enquadrados influenciam a qualidade do nosso envelhecimento”, afirma ao JORNAL DE LEIRIA João Passos, professor universitário e especialista em envelhecimento da Universidade de Newcastle no Reino Unido.
Maria Irene de Carvalho, doutorada em Serviço Social, acrescenta que se mantêm os antigos desafios como “a pobreza, invalidez, protecção e reforma”, associando- se agora a novos riscos, nomeadamente “novas dimensões de vulnerabilidade social (demências, pessoas deficientes, necessidade de cuidados altamente especializados), entrada das mulheres no mercado de trabalho e a necessidade de conciliação entre trabalho pago e não pago”.
Surge ainda a “instabilidade das estruturas sociais e alterações ocorridas no mercado de emprego/desemprego (precariedade, trabalho mal pago, discriminação face à idade), austeridade e desresponsabilização do Estado face à protecção social”.
Considerando a sociedade “altamente discriminatória face à idade, a investigadora desafia os Estados e as políticas a “pensarem como viver numa sociedade de adultos e adultos muito idosos, integrar todas as idades e criar sistemas de protecção social e de saúde sustentáveis”.
A docente aponta ainda a adopção de políticas que possam “modificar a estrutura da população”, de modo a “aumentar o número de crianças e de pessoas activas na estrutura da população através de imigrantes”.
Comemorar 100 anos é um fenómeno que começa a ser cada vez menos raro. João Passos revela que os principais factores para o aumento do número de centenários estão relacionados com as “melhores condições de vida, higiene e uma melhoria de cuidados médicos”. No entanto, “a contribuição genética” também poderá explicar alguns casos.
O aumento da idade traz doenças associadas ao envelhecimento como “alzheimer, parkinson, cancro ou doenças cardiovasculares”. “A medicina lida com este problema tratando uma doença de cada vez, o que é ineficaz e de certo modo tem contribuído para os problemas globais de manutenção do financiamento dos sistemas de saúde”, alerta o investigador, ao considerar o aumento da esperança de vida “um sucesso na história da humanidade".
Se a comunidade médica e científica tem preocupação em tratar e prevenir doenças neuro-degenerativas próprias do envelhecimento, há também uma franja que procura encontrar soluções para travar o envelhecimento e tentar garantir a juventude o maior tempo possível, o que pode levantar questões éticas.
João Passos garante que existe uma “obrigação sob ponto de vista ético em tentar evitar o sofrimento dos seres humanos”. “O envelhecimento da população mundial é um problema real e prevê-se que em 2050 haverá dois mil milhões de pessoas com mais de 60 anos. Com o aumento da esperança de vida a nível global, observamos um aumento da incidência de várias doenças associadas ao envelhecimento e uma degradação da qualidade de vida”, reforça João Passos.
[LER_MAIS] Nesse sentido, a comunidade científica procura respostas com medicamentos anti-envelhecimento, que “não têm como objectivo levar à vida eterna, mas adiar o surgimento de doenças associadas ao envelhecimento e melhorar a qualidade de vida das pessoas”, salienta, embora defenda que a prevenção é o caminho para viver mais e melhor.
“Se conseguirmos descobrir intervenções que evitem ou adiem o envelhecimento das células poderemos evitar que estas doenças surjam. É nisso que eu e a minha equipa de investigação apostamos.”
Os estudos estão a ser desenvolvidos no envelhecimento de ratos, para mais tarde passarem para humanos. “Primeiro tentamos compreender que alterações ocorrem a nível molecular e celular durante o envelhecimento. Depois testamos intervenções, que podem ser medicamentos, substâncias naturais ou alterações genéticas.”
No lar, só com wifi
Mesmo estando activos, há pessoas que optam por ir viver para um lar, onde estão acompanhadas e não precisam de se preocupar com os afazeres do dia-adia. Mas estarão os lares preparados para receber idosos mais autónomos e melhor formados?
Maria Irene de Carvalho entende que não e exemplifica: “no domingo fui visitar um familiar a um lar privado e uma pessoa idosa disse que queria ter o telemóvel, mas uma funcionária disse que não. Então, a filha do senhor (com cerca de 60 anos) referiu: quando eu for para um lar tenho de ter wifi senão como vou conseguir lá viver” A investigadora afirma que hoje as pessoas idosas são muito “heterogéneas nas suas vivências e trajectórias” e estas estruturas residenciais “têm de estar adaptadas às novas realidades” e “não descurar a dignidade das pessoas”.
“Não é aceitável que um lar não permita que a pessoa tenha o seu telefone, seja de que tipo for”, critica, admitindo que lares para pessoas com mais capacidade económica têm outro tipo de comodidades, mas que não estão acessíveis a todas as famílias.
Por isso, defende que é fundamental criar respostas alternativas e complementares para possibilitar que as pessoas idosas possam escolher o tipo de resposta onde querem envelhecer, inclusive em casa com apoio domiciliário. “É importante não esquecer que é necessário investir muito mais: alargando os serviços (mais horas por pessoas) e com profissionais de qualidade. As novas tecnologias possibilitam que as pessoas possam viver em casa com suporte tecnológico e profissional mais anos e com mais qualidade.”
Segundo João Passos existem várias razões que levam a este aumento da qualidade com que se vive os restantes anos de vida. “Vários estudos indicam que indivíduos que têm uma alimentação saudável, que fazem exercício regularmente, que não fumam ou consumam bebidas alcoólicas em moderação poderão esperar um envelhecimento com melhor qualidade e com menos doenças associadas ao envelhecimento”, constata o investigador.
Mas, o “estrato social e económico” também influencia a qualidade do envelhecimento. “As desigualdades sociais agravam a qualidade do envelhecimento e a esperança média de vida. Por exemplo, em Newcastle Upon Tyne, em Inglaterra, onde vivo, observamos diferenças de mais de dez anos de esperança de vida dependendo do código postal”.
Existe uma contribuição dos genes para o envelhecimento, mas este é apenas de 25%. O ambiente é o factor mais importante”, reforça João Passos, que dirige um laboratório de investigação, com uma equipa internacional, que estuda os mecanismos molecular envolvidos no envelhecimento.
Infantilização dos idosos
‘Velhos são os trapos’ já diz o ditado popular. Os idosos são um poço de sabedoria, muitas vezes ignorado até inconscientemente. Quando chega a reforma e as doenças, alguns filhos têm tendência a cuidar dos pais da mesma forma que tratam dos seus próprios filhos.
“Essa forma de tratar as pessoas mais velhas faz parte do desconhecimento que se tem acerca do processo de envelhecimento”, afirma Maria Irene de Carvalho.
A investigadora constata que “muitas vezes se chama ‘queridinha, fofinho, principezinho’ às pessoas idosas".
"Essa forma de tratar as pessoas parece ser carinhosa, mas efectivamente não o é. A pessoa tem um nome, uma história de vida, expectativa e um papel social a desempenhar.”
Para a docente, “ao tratar as pessoas idosas desta forma retira- se-lhes esse papel”. “Todas as pessoas são capazes, mesmo aparentando terem 1% de capacidade. Mas é isso mesmo que importa enfatizar: as capacidades e é com elas que temos de trabalhar para promover a mudança nesta área. Cuidar de uma pessoa idosa dependente não é a mesma coisa que cuidar de uma criança. Há toda uma história de vida que é preciso não esquecer, por vezes, com recordações boas e más, que interferem no relacionamento que as pessoas têm umas com as outras.”
81,24
anos era a média de esperança de vida à nascença para a região de Leiria, entre 2014-2016, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, que apontava ainda para o Oeste uma média de 80,13 anos.
20,5%
em 2017, as pessoas com 65 ou mais anos representavam 20,5% de toda a população residente em Portugal, posicionando-nos no quinto país da OCDE mais envelhecido do mundo