Na semana passada cumpriu-se mais uma greve de professores. Por que razão é tão difícil um entendimento entre docentes e Ministério da Educação (ME)?
O que está em causa é o Governo querer retirar tempo que os professores deram com o seu esforço, cerca de nove anos, e dar apenas dois anos e dez meses. É um roubo. Não sou muito a favor das greves, mas esta parece-me justa. O que directores, professores e pais querem é que o governo e os sindicatos se entendam. Os sindicatos dos professores são fortes, embora ache que eles tiveram uma actuação muito fraquinha no primeiro mandato deste Governo. Se calhar tiveram mais motivos de razão de greve nestes primeiros anos do que no tempo do Nuno Crato [anterior ministro da Educação] e da anterior ministra. Percebemos porquê: há uma ligação forte entre quem está no Governo e quem está à frente dos sindicatos, que não devia existir, porque os sindicatos não deviam ser politizados.
O sistema de colocação de professores parece ineficaz. Por que não se consegue eliminar este problema em definitivo?
A situação está a melhorar, mas o director devia, de acordo com alguns critérios aprovados em Conselho Pedagógico e em Conselho Geral, poder reconduzir o seu professor. Dizemnos que temos autonomia, mas não temos autonomia para nada, a não ser para fazer aquilo que nos mandam. Tenho alguns docentes que para o ano já não serão meus professores, mas vou continuar a precisar deles. Por que não posso reconduzi-los? Não me parece que haja confiança do ME nos seus 811 directores, apesar de sermos as pessoas que diariamente dão a cara pelo ME.
O Projecto de Autonomia e Flexibilidade Curricular já chegou a algumas escolas. Existe algum mal-estar entre os docentes, por ninguém querer perder horas das suas disciplinas?
É verdade que isso sucede em alguns locais e tem a ver com a profissão do professor. Por isso, o projecto deve ser aplicado sem ser feita com a perspectiva de roubar horas ao professor de Português para dar ao professor de Matemática. Este projecto aplica-se sobretudo às escolas do ensino básico, porque o secundário é um ciclo refém do ensino superior. É uma espécie de barriga de aluguer. No secundário, basicamente, preparamos os alunos para exame. É um ciclo perdido, porque durante três anos só preparamos os miúdos para uma prova de uma hora e meia. Deveríamos rever o modelo de acesso ao ensino superior.
Há quem defenda precisamente que deveriam ser as instituições de ensino superior a decidir a entrada dos alunos.
Essa é a nossa posição, mas não vejo a ser defendida por quem de direito. Deveria ser também o ensino superior a reivindicar. Deveria haver um debate público, porque isto é uma mudança estrutural entre quem está no ensino de grau não superior e as faculdades e, se calhar, a conclusão a que íamos chegar era que os alunos iriam melhor preparados para o ensino superior, porque não eram treinados só para os exames, mas teriam uma preparação para a vida, para aprender e para ter boas notas no ensino superior. Na minha opinião, o nosso secundário é um ciclo perdido.
Há exemplos de alunos que podem ser excelentes no secundário e péssimos no ensino superior e vice-versa.
Um aluno que brilhe – e muitos brilham – num exame do 12.º ano não dá garantias de vir a ser um futuro bom profissional. Entrou em Medicina ou Engenharia, porque tirou 19 ou 20, exactamente porque foi preparado para aquele exame. Temos muitos maus profissionais com boas notas de acesso ao superior. O acesso do ensino superior deveria depender muito mais da avaliação interna, porque durante os três anos não estamos a avaliar o aluno só pelos testes ou só pelos exames. É pelas aulas, pela forma dele participar e apresentar trabalhos. O que avalia o exame? Avalia se durante aquela hora e meia o aluno responde ou não àquelas perguntas de uma forma certeira. Damos muita importância às notas, mas é muito complicado desprezarmos um teste, que é uma coisa sagrada, embora já haja escolas pioneiras que estejam a avaliar os alunos para além dos testes, mas na nossa cabeça são os testes que contam. Se tiver um teste de Matemática ou de Português para nota 5 [ensino básico] há algum professor que vá dar um 4? Ninguém tem coragem. Este modelo da flexibilidade pode contrariar esse estigma que é a cultura que temos há muitos anos. Aliás, os pais gostam muito que os filhos sejam precoces e tenham boas notas.Até dão mais valor a isso do que às competências sociais e a valores e princípios como a solidariedade, equidade e justiça. O sistema também ajuda a que os pais [LER_MAIS] pensem dessa forma. Deveria haver mudança, mas primeiro é necessário um debate que envolva o Ministério da Educação, da Ciência, os directores, os reitores, a Confap [Confederação Nacional das Associações de Pais] e depois encontrar uma solução.
Apesar de muitos dizerem que os rankings valem o que valem, a verdade é que muitas escolas lutam por um lugar no pódio. Existe uma sobrevalorização das notas?
As escolas dão um valor relativo a esses rankings, que não são o ranking das escolas, mas dos alunos. Conseguiriam o corpo docente da escola que ficou em último lugar melhores resultados com os alunos das escolas que ficaram em primeiro lugar? Acredito que sim. E os professores da escola que ficou em primeiro lugar, conseguiria melhor com os alunos da escola em último lugar? Se calhar até fariam pior. São dados importantes, mas que devemos relativizar. É mais importante olhar para os dados dos percursos directos de sucesso. Ou seja, alunos que nunca repetiram e não têm exames negativos. Esse é o ranking das escolas e percebe-se que, escolas que estão no meio da tabela, conseguem chegar aos lugares cimeiros neste item. Os rankings significam o trabalho daqueles alunos, não o da escola ou dos professores. Muitas vezes é até o trabalho que fazem fora da escola, nas explicações, e o factor explicações nunca é tido em conta.
Muitos dos problemas que entram pelos portões são resultado da educação em casa e do que se passa na sociedade?
Quantas vezes estou aqui com um aluno a repreendê-lo ou a dar-lhe um voto de louvor – que também o fazemos – e percebo quem está lá em casa? Há miúdos que são verdadeiros heróis, porque lá em casa têm uma educação de rectaguarda que não é nada. Não há dúvida que nas escolas públicas se respira a sociedade. Aqui fala-se a verdade. A escola pública não mente. No privado isso não é tão evidente. Aqui está o miúdo que tem o pai preso, outro que se calhar não sabe o que vai jantar e até o filho do senhor doutor. Essa é a grande vantagem da escola pública, pois prepara muito melhor os alunos: prepara para os exames, para a faculdade e também muito para a vida.
A tutela tem defendido maior utilização das tecnologias em sala de aula. Como é possível os professores serem tecnológicos com computadores obsoletos e internet fraca?
É preciso haver um novo plano tecnológico da educação, ou seja, chegarem às escolas novos computadores, que estão obsoletos e, sobretudo, a rede da internet, que não funciona ou que cai constantemente. O professor tem de levar dois tipos de aula para a sala: a aula com recurso a novas tecnologias e o plano B, que é o tradicional, com folha, papel e lápis e, muitas vezes recorrem ao plano B, porque a internet falhou. O que peço ao ME é que aposte de uma forma definitiva no acesso da internet nas escolas.
A integração dos alunos deficientes, que antes não estavam na escola, ajudou na inclusão ou trouxe um problema, devido à falta de assistentes operacionais e de condições das escolas para os receber?
O nosso ME fez um trabalho interessante, que já tinha sido iniciado por Crato, que deixou 2822 funcionários. O actual ministro já vai em 2050 e prometeu mais 500 para o próximo ano. Não culpo tanto o ME pela escassez de funcionários, mas o Ministério das Finanças. O Dr. Mário Centeno não trata a sua Educação como a sua Economia, e eu acho que a trata bem, talvez por isso é que foi para o lugar importante na Europa, mas não pode ser à custa da Educação, que acho que despreza. O Dr. Mário Centeno deveria apostar de uma forma definitiva na sua Educação, disponibilizando mais funcionários, mais computadores e melhor internet. São três grandes investimentos que as escolas merecem e necessitam neste momento. Também psicólogos fazem falta, embora tenha havido um reforço, mas é preciso mais. Estamos com uma média de um psicólogo para 1200 alunos e a média europeia é de um psicólogo para mil alunos. Estamos a aproximar- nos da média europeia, embora estejamos ainda um pouco longe. É importante também o reforço de assistentes e educadores sociais.
Que problemas trouxe o alargamento da escola até aos 18 anos?
Um dos problemas é ao nível da (in)disciplina. É preciso motivar alunos e obrigá-los a estar onde não querem. Se calhar, queriam estar a trabalhar, mas não é um constrangimento, é positivo. As escolas souberam adaptar a sua realidade a esses alunos. O lugar deles, até aos 18 anos, é na escola, agora a escola tem que se motivar e acompanhá-los. Não admito que o telemóvel seja expressamente proibido nas salas de aula. Usado correctamente, o telemóvel é motivador para os alunos. A escola não pode estar sempre atrás da sociedade. O que lá fora é permitido nós proibimos aqui dentro? Não pode ser assim.
Como é que é possível ter escolas de topo de gama como as intervencionadas pela Parque Escolar e outras que encerram quando há um temporal?
Há essas escolas xpto que são fantásticas; há escolas do 1.º ciclo que estão bem conservadas, porque são as autarquias que tomam conta delas; e depois há escolas dos 2.º e 3.º ciclos a que nunca ninguém ligou. Finalmente, este governo lembrou- -se que havia escolas que não tinham intervenção há muitos anos e vai requalificá- las. Dou mais valor à parte humana das escolas, ao facto dos miúdos gostarem dos professores e aos pais confiarem na direcção e na cozinha. Mas, também é verdade, que um aluno está mais motivado numa escola onde tenha condições, onde existe um laboratório de ciências ou de físicoquímica, um auditório e uma biblioteca condigna. Isso também contribui para o sucesso escolar dos nossos alunos.
Boavisteiro dos sete costados
Licenciado em Direito, pós-graduado em Administração e Gestão Escolar e director do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, Filinto Lima chegou a exercer advocacia, tendo, neste momento, a inscrição na Ordem dos Advogados suspensa. “Metade do meu curso tirei-o a dar aulas.” O mestre desta escola, Costa Matos, convidou-o para o executivo. Quando saiu, Filinto Lima foi o sucessor natural. “É uma grande responsabilidade substituir alguém que era muito importante em Gaia e no País. Foi sem querer, mas estou aqui com muita convicção e gosto muito daquilo que faço.” Considera que ser professor é “a melhor profissão do mundo”. Além da Educação e do Direito, o Boavista é outra das suas paixões. A imagem do clube do Bessa faz parte do seu gabinete. “Não perco um jogo do Boavista em casa.” A escrita também faz parte do seu dia-a-dia, sendo colaborador assíduo em vários órgãos de comunicação social com artigos sobre Educação. É autor e co-autor dos livros Memórias de Um Presidente de Conselho Executivo e Movimento Associativo – Um Património de Oliveira do Douro.