As traseiras da Biblioteca Municipal da Marinha Grande, onde estão localizadas ruínas de fornos de vidraça do século XVIII, vão ser alvo de intervenção, anunciou Cidália Ferreira, presidente da Autarquia, na última Assembleia Municipal.
Junto da Câmara, o JORNAL DE LEIRIA apurou que o projecto de preservação, que está a ser feito por uma equipa técnica da própria Autarquia, "prevê a instalação de um equipamento de apoio ao Parque da Cerca que se traduzirá numa cafetaria/ restaurante/esplanada" bem como "a requalificação da própria Biblioteca Municipal e espaços públicos envolventes".
Segundo o Município, esta intervenção "faz parte dos projectos candidatados no âmbito do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano, no que respeita à regeneração urbana nos limites da Área Reabilitação Urbana". E a Câmara "espera poder dar início à sua execução antes do final do presente ano, de acordo com as regras próprias do financiamento".
Ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA, historiadores, arquitectos e arqueólogos são unânimes e recomendam prudência para manter a “herança da génese marinhense”.O historiador Gabriel Roldão realça que as ruínas em causa pertencem ao forno de vidraça mandado construir pelo irlandês John Beare, aquando da fundação da Real Fábrica de Vidros, em 1748.
Dada a relevância deste património para a história do concelho, "o local deveria ser realmente preservado e deveria fazer-se ali uma investigação arqueológica de modo a perceber-se o que pode estar soterrado", defende o investigador, para quem ainda é provável encontrar ali ferramentas e fragmentos de vidro.
O arquitecto Pedro Correia, que pesquisou sobre o assunto, explica que, depois de um período de desactivação, aquela fábrica, hoje em ruínas, retomou a laboração em 1769, pela mão de William Stephens. E a sua produção de vidraça, assegurada por 76 trabalhadores, destinava-se então à reconstrução de Lisboa, afectada pelo terramoto de 1755.
A ser feita qualquer intervenção no local, defende Pedro Correia, deve ser realizada com o maior tacto, no sentido de preservar este património de grande valor, sublinha o arquitecto da Marinha Grande.
Esta é a posição partilhada pela arquitecta urbanista Ana Bonifácio: "qualquer intervenção naquele lugar sensível deve atender, quanto às suas funções, a necessidades efectivas da população e, quanto à forma, ao facto de estarmos perante património da cidade que é testemunho de uma História singular de crescimento urbano no contexto nacional."
Embora não defenda normalmente "atitudes excessivamente conservadoras", a arquitecta entende que, "perante aquelas que são as heranças da génese marinhense se deverá acautelar uma intervenção justa, que faça jus ao território e que possa acrescentar algo a este espaço diferenciado da antiga fábrica".
[LER_MAIS] E "tudo se joga também com o que virá a acontecer nos restantes antigos terrenos adjacentes ainda expectantes", acrescenta Ana Bonifácio. "Se for o mercado municipal, fará todo o sentido promover a integração desse equipamento absolutamente fundamental para o metabolismo urbano que se quer avivar”, sugere a arquitecta. Quanto a “um café (e qualquer das suas variantes de consumo) pode ser feito num quiosque amovível no meio do jardim”.
“Por mais importância que tenha o café como lugar de encontro na história da socialização marinhense, será que se justifica fazê-lo sobre antigos fornos?", equaciona a arquitecta, para quem "é preciso estudar primeiro".
Centro interpretativo. Por que não?
Leonor Medeiros, presidente da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI), explica que quando uma zona deste tipo fica próxima de património classificado, como é o caso – a própria Biblioteca está instalada num edifício neoclássico considerado Imóvel de Interesse Público – os trabalhos a realizar exigem acompanhamento de um arqueólogo. O primeiro passo a encetar, aponta a presidente, é perceber se há valor patrimonial que tem de ser estudado. Como? Através de técnicas de campo (documentar a estrutura, avaliar os objectos, escavar e conhecer o que existe no subsolo) e através da investigação e recolha de documentos (que indiquem o tipo de produção, a dimensão da fábrica e o destino dos produtos). Depois, é preciso juntar autarcas, arqueólogos e arquitectos para definir a acção. E a estratégia pode passar pela criação de um centro museológico ou interpretativo, que funcione a par com a esplanada, exemplifica a presidente da associação, que se dispõe a cooperar com a Autarquia.