Quem tem uma mãe tem tudo, já diz o povo, e quem melhor para o confirmar do que o mais recente internacional do futebol português. Na semana passada, aos 17 anos, Leonardo Ferreira estreou-se com a camisola das quinas num particular frente à Hungria.
Foi, até ver, o ponto alto de uma carreira que ainda agora começou, que augura tudo de bom, mas que não está isenta de sacrifícios diários. Dele e de quem o deu à luz.
Todos o santo dia é a mesma coisa. Leonardo Ferreira acorda cedo, vai de autocarro para o Instituto D. João V, no Louriçal, onde frequenta o 11.º ano, e ao fim da tarde volta a casa, em Antões, perto da Guia, no concelho de Pombal.
Curiosamente, dista não mais do que cinco quilómetros de Biqueiras, a terra de Mika, outro guarda-redes internacional, agora com 26 anos, levado para a ribalta com o símbolo do castelo ao peito.
Leo lancha, faz a mala e ruma a Santa Eufémia para mais um treino da equipa de juniores da União de Leiria. É então que a progenitora entra em acção. Mais uma volta, mais uma viagem rumo ao concretizar do sonho do miúdo, que não é diferente da quimera de milhares e milhares de jovens deste País.
“Está tudo? Vamos embora!” Numa rua onde não se vê vivalma, três gatos despedem-se da comitiva, como se estivessem habituados àquela rotina diária. São 17:30 horas em ponto. O Toyota Yaris cinza, com 376.974 quilómetros, parte rumo à academia e nós vamos com eles.
Pela frente tem um percurso de 30 quilómetros em hora de ponta. Todos sabem o caminho de cor: os buracos, os locais de ultrapassagem, as curvas apertadas, os atalhos para fugir aos camiões.
“Vamos sempre pelas estraditas secundárias para ganhar tempo. Umas vezes apanhamos muito trânsito, outras vezes menos, depende do dia da semana. À sexta-feira é terrível”, explica a mãe de Leo, sempre stressado com as horas.
“Vamos com antecedência porque detesto chegar atrasado”, justifica-se. “Às vezes não consigo por causa dos camiões e até dou voltas maiores para ver se os consigo evitar, mas nem sempre tenho sorte”, completa a progenitora.
Angélica faz limpezas em vários locais e, por isso, tem um horário mais ou menos versátil. [LER_MAIS] É essa flexibilidade que lhe permite estar todos os dias a postos, de segunda a sábado, à hora certa, para levar o “querido filho” até ao treino.
Nem que para isso tenha de fazer horários loucos, acordar as cinco da manhã e deitar-se às tantas da noite. Muitas vezes chegam a casa vindos do treino já depois das dez da noite e ela ainda sai para fazer a faxina num ginásio.
A rotina semanal de trabalho é de domingo a domingo, sem folgas, para facilitar a tarefa de taxista do filho. Chegou a haver uma altura que em saía do trabalho, fazia os 30 quilómetros até à academia de Santa Eufémia, voltava para trás para ir acabar o trabalho e, passadas duas horas, ia buscar o miúdo.
“Agora já não o faço. Era muito desgastante. Prefiro ficar à espera, o que nem sempre foi fácil. O meu filho mais novo vinha connosco, mas não conseguia adormecer por causa do barulho e eu tinha de sair do bar, mesmo com muito frio. Outras vezes, com o cansaço, ficava no carro e adormecia”, até chegar a hora de voltar à terra.
A palavra desistir esteve por muitas vezes pronta a rebentar na garganta de Angélica, mas nunca a soletrou. Desiludir o filho mais velho? Não contribuir para o sonho de Leo? Estava fora de questão. “Foi muito sacrifício. Há dois anos divorciei-me e não foi fácil. O meu mais pequenino ainda era bebé quando estas viagens para Leiria começaram. E tinha dois trabalhos!”
Guia, Seixo, Moitas Brancas, Vale de Cima, Martim Godim, Cavadas da Bouça… o caminho vai-se fazendo. “Ouve lá, lanchaste?” As preocupações de mãe assumem protagonismo. Aqueles momentos na estrada são, de resto, dos poucos que têm em comum.
Servem para os carinhos e para os puxões de orelhas. Um dos temas dominantes é a escola. Leo já pensou em abandonar os estudos, queria ir viver para Leiria com os restantes colegas de fora da cidade, mas Angélica não deixou.
Terá, pelo menos, de completar o 12.º ano antes de embarcar em outras cavalgadas. “Anda cansado. É normal, com treinos, viagens e escola. Por ele já tinha parado, mas é o mínimo que admito. Se conseguir ir mais longe melhor, porque o futebol é muito inseguro. Quis estar de olho nele. É muito inteligente e se quisesse tirava dezanoves e vintes, mas ele estuda para o mínimo.” Angélica faz a parte dela, Leonardo terá de fazer a dele…
Almagreira, Guiense, União de Leiria, Portugal. O percurso tem sido sempre a subir. Até onde, ninguém sabe. O futebol é traiçoeiro, mas este patamar que alcançou não está ao alcance de todos. “Consegui ir à selecção por mérito próprio”, salienta o guardião.
Na escola, todos sabem do feito do miúdo ruivo. Mãe galinha: “ele é muito conhecido”, dispara. “Deram-me os parabéns”, diz Leonardo, que não esquece a importância de colegas, treinadores e dirigentes neste feito.
Entrar em campo com as cores nacionais, durante aqueles 45 minutos com a Hungria, já valeram por todos os sacrifícios. “Foi fantástico, um orgulho imenso”, diz o rapaz, que só esta temporada acreditou que poderia ser uma meta e não uma utopia. “De juvenis para juniores melhorei muito e notei diferença. Os jogos iam correndo bem, quando fomos a Alcochete o mister Filipe Ramos estava lá e fiquei com aquela esperança. Em Outubro fui chamado para o primeiro estágio.”
A mãe foi apanhada de surpresa. “Nunca pensei, apesar de saber que era bonzinho. Mas ele é humilde e com humildade chega-se a todo o lado. Trabalha muito, é esforçado e também não pode dizer que a minha mãe não se esforçou.”
O campo de Santa Eufémia está à vista. Passou meia hora. O trânsito não complicou. Ainda o carro não estacou e Leonardo já retira o cinto de segurança. Chegámos cedo, mas parece ter pressa. Despede-se, pega no “malote” e vai para os balneários, rumo a mais um treino. A mãe entra no bar e compra um croissant para o filho.