Inicia o mandato com dois terços do concelho para reconstruir. O incêndio no Pinhal de Leiria obrigou-a a mudar prioridades para a Marinha Grande?
Obrigou a ter ainda mais prioridades. O concelho não deixou de existir e de exigir uma governação normal. Temos de nos focar naquilo que é essencial e que já tínhamos definido como prioridades. Depois, temos o acréscimo relacionado com o que aconteceu ao Pinhal do Rei e à perda de dois terços do nosso território. O desafio é enorme, mas estou convicta de que somos capazes de nos unir e de que, quando for chamada a plantar as 38.600 árvores que queremos plantar, a população vai ajudar-nos. Sei que é um valor simbólico, tendo em conta que se queimaram 1,2 milhões de metros cúbicos de madeira. Mas acredito que o País está connosco. Durante séculos, a Marinha Grande deu tanto ao País e foi prejudicada pela circunstância de dois terços do seu território serem Mata Nacional. Agora, que seja o País a olhar com especial atenção para a Marinha Grande e que retribua o que o concelho já deu.
Reclamou um milhão de euros para o Instituto de Conservação da Natureza e das Floresta (ICNF) investir no Pinhal de Leiria. Depois de casa roubada trancas à porta?
Na Marinha Grande sempre se defendeu que não podia sair daqui praticamente tudo o que a mata dava, que era necessário investimento no pinhal e que o concelho devia ser compensado por dois terços do município ser Mata Nacional. Todos os partidos políticos que passaram pela Câmara fizeram essa reivindicação. Nos dois últimos mandatos, com o PS na governação da autarquia, levantámos insistentemente estas questões junto das secretarias de Estado envolvidas. Agora, quando estávamos a conseguir junto do Governo que fosse dado um olhar diferente ao pinhal, aconteceu esta catástrofe. Esperamos que os serviços florestais da Marinha Grande, aos quais ao longo dos anos foram retiradas competências, recursos humanos e financeiros, voltem a ter o mínimo para uma gestão de proximidade do pinhal.
Que mínimos são esses?
Os serviços florestais locais deviam ter, pelo menos, três técnicos, 15 guardas florestais e 50 operacionais no terreno e um orçamento alocado na ordem de um milhão de euros. Além disso, a Câmara precisa de ver reflectido nas transferências do Orçamento do Estado (OE) a circunstância de dois terços do seu território ser Mata Nacional. Não pode ser considerada uma câmara normal. Por outro lado, nos próximos 75 anos não voltaremos a ter as árvores que tínhamos e, pelo menos, durante 25 anos não teremos floresta. Por isso, os Governos têm de olhar para o concelho de maneira diferente, com verbas e transferências suplementares do OE. O incêndio trará impactos ao nível da saúde, do turismo, do ambiente e até da actividade física. Não temos ainda a noção exacta dos valores em causa, mas seguramente são problemas que não conseguiremos resolver sem verbas suplementares. O transporte da madeira queimada, por exemplo, também irá afectar as nossas estradas. Precisamos de um fundo para acudir aos problemas que vão surgindo. Não o podemos fazer com o orçamento actual, porque está vocacionado para o restante concelho.
A Mata era um dos atractivos turísticos do concelho. Que estratégias vai ter a Câmara para continuar a atrair visitantes?
O concelho está bem dotado de infra-estruturas culturais. Vamos vocacionar- nos também para a área da cultura. Além dos nossos museus, temos belíssimas praias e há ainda os recantos da Mata que o fogo poupou e que têm de ser olhados de uma maneira muito especial. Nesse domínio, será necessário tirarmos o melhor partido dos conhecimentos científicos existentes. Há um mundo a reconstruir, o que exige um trabalho de conjunto. Acredito que o País está connosco.
Quando diz “País” está também a incluir o Estado, dono da Mata que durante os últimos anos não cuidou bem dela?
O ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas] tem um problema em mãos para resolver e as mãos deles são as nossas mãos. Muitas vezes focalizamos os problemas em determinada entidade, mas essa entidade também teve as suas dificuldades. O ICNF teve falta de meios e de recursos para fazer mais pela mata. A Câmara quer ser um parceiro interventivo neste processo. Já foi pedido ao ICNF um estudo para a reflorestação da Mata. Em termos científicos, muita gente da Marinha Grande tem vindo à Câmara disponibilizar-se para colaborar.
A Câmara da Marinha Grande está disponível para assumir a gestão do Pinhal de Leiria?
Neste momento não é essa a intenção da Câmara. Se dotados dos meios necessários, os serviços florestais têm os conhecimentos para fazer uma boa gestão. A prioridade é reflorestar. Dos 11.080 hectares de mata, cuja exploração dava dinheiro para reinvestir – o que não foi feito -, temos agora pouco mais de 1.500 hectares. Vai a Câmara reflorestar? Com que meios e com que conhecimentos?
Afasta então a hipótese de uma gestão privada da Mata?
Afasto de todo. Para nós, marinhenses, a Mata não é pritivatizável. Deve continuar na esfera pública, a não ser que surjam estudos e dados que nos levem a repensar o assunto.
Será neste mandato que o novo mercado e a piscina municipal, projectos que se arrastam há anos, se tornarão realidade?
Esses projectos terão de avançar nestes quatro anos. Somos pioneiros em muita coisa. Temos o que há de melhor em termos de conhecimento e de trabalho no nosso concelho. As nossas empresas são de topo e temos uma zona industrial muito bem consolidada. Temos os melhores investidores e o melhor da tecnologia e da investigação ligada à indústria. Fomos também pioneiros com a piscina municipal. Há mais de 40 anos que temos, sem interrupção, aulas de natação para as crianças do concelho. Falta-nos agora uma estrutura maior, que dê outras condições. Estamos empenhados em pegar nesse assunto e em fazermos a nossa piscina municipal.
Noutro local?
[LER_MAIS] Não posso responder agora. Tenho a minha posição, mas irei discuti-la primeiro com as outras forças políticas. Somos sete vereadores e é com eles que quero trabalhar no sentido de colher as opiniões que possam consensualizar o local para construir a piscina. Quanto ao mercado municipal, fizemos um estudo sobre a localização. Esse estudo aponta para a sua construção na zona onde funciona actualmente. É mais um dos assuntos que temos de consensualizar, para que possamos avançar com o processo o mais rápido possível.
Chegou a ser anunciada uma variante à cidade da Marinha. É um projecto para retirar da gaveta?
Temos obras a fazer na zona industrial e, analisando o conjunto das circunstâncias, avaliaremos se há necessidade de avançar com essa variante. Temos de, em função do orçamento da Câmara e do programa eleitoral que apresentámos, priorizar as infra-estruturas. Há também que procurar consensualizar essas prioridades com as outras forças políticas e com o orçamento disponível.
A freguesia da Moita queixa-se de estar votada ao esquecimento. O que vai a Câmara fazer nesta freguesia nos próximos quatro anos?
Queremos dotar a Moita de algumas infra-estruturas que possam dar à freguesia um interesse de visita. Temos três freguesias muito distintas. A Vieira de Leiria está muito virada para o turismo, com o mar, a arte xávega, que queremos dinamizar ainda mais, e o rio Lis. A freguesia da Marinha Grande é toda em zona urbana e já está dotada de infra-estruturas culturais e de zonas industriais. Depois temos a Moita, com características de ruralidade mas também com condições para a indústria. Devemos olhar para a especificidade da ruralidade da freguesia e perceber o que nos pode trazer em termos turísticos, porque também queremos levar pessoas à Moita. Queremos criar um museu etnográfico. Há também a parte da gastronomia que pode ser potenciada.
Não faria sentido Leiria e Marinha Grande unirem-se em grandes projectos para bem da população?
Ao nível da comunidade intermunicipal, que junta dez concelhos, fazemos projectos e candidaturas comuns. Existe essa responsabilidade e vontade dos autarcas dos vários concelhos de nos unirmos em torno de projectos comuns, que possam elevar os nossos concelhos e que façam desta comunidade intermunicipal uma verdadeira região. O nosso País é pequeno de mais para pensarmos em cada concelho isoladamente.
Depois das difíceis condições de governabilidade criadas nos últimos quatro anos pela falta de maioria no executivo, o PS inicia este mandato sem acordo de coligação. O processo de negociação está fechado?
O processo de negociação manter-se-á aberto ao longo dos quatro anos de mandato. Na fase eleitoral, cada um defende as suas ideias e propostas como sendo as melhores para o concelho e, consequentemente, para ganhar as eleições, e considera-se o mais apto para gerir os destinos do município. Acabando-se as eleições, acabam-se as confusões. As pessoas que foram eleitas têm as suas responsabilidades políticas e de dignificação do cargo. Dentro do respeito institucional que devemos ter uns pelos outros, as negociações nunca podem estar fechadas. A distribuição de pelouros é uma responsabilidade do presidente da Câmara. Estou disponível para em qualquer altura fazer delegação de competências a qualquer dos vereadores, se houver ganhos para a gestão do município.
No último mandato, quando se acabou a coligação agravou-se a confusão.
Reconheço que seria mais confortável ter um acordo de coligação.
Com qual das forças políticas?
Com qualquer uma delas. Sou apologista da responsabilidade partilhada com todos. Estou disponível para entregar pelouros a qualquer força política que tiver este espírito de partilha de decisão, de colaboração e de percepção de que estamos aqui para trabalhar como um todo e não para continuar a fazer política ao longo dos quatro anos de mandato, pondo as questões partidárias acima dos interesses da Câmara e do concelho.
Foi isso que aconteceu no último mandato?
A população apercebeu-se do que se passou. As pessoas são inteligentes e perceberam as coisas. Isso reflectiu- -se nos resultados eleitorais. Estamos mandatados pelo voto popular e, democraticamente, temos de saber respeitar essa vontade.
Como viu o apoio do MpM à CDU, que garantiu aos comunistas a presidência da Assembleia Municipal, num momento em que decorriam negociações com o PS para a Câmara?
Com a noção da democracia e dos direitos das pessoas.
Essa atitude não não beliscou o processo negocial?
Essas são ilações para as pessoas retirarem. Enquanto presidente de Câmara, mantenho abertura para, em qualquer momento, fazer o melhor para o concelho e, se for esse o caso, redistribuir de pelouros.
O MpM entendeu a distribuição de pelouros pelos eleitos do PS como o encerramento das negociações.
Essa é a opinião do MpM, que eu respeito.
Nos próximos meses pretende distribuir pelouros pela oposição?
Naturalmente que sim. Tinha de haver delegação de competências pelos dois vereadores eleitos pelo PS para que a Câmara pudesse funcionar. Eles não poderiam trabalhar na autarquia sem essa delegação de competências. Mas o despacho refere no seu primeiro parágrafo que a qualquer altura poderá haver alteração na distribuição dos pelouros.
Está, então, disponível para uma nova união com a CDU depois do divórcio registado a meio do mandato anterior?
Repito: da minha parte haverá sempre abertura para acordos e com todos.
No executivo não há uma maioria política mas há uma maioria de género, com as mulheres a ocuparam cinco dos sete lugares no executivo. Esta é apenas uma mudança simbólica ou pode também trazer mudanças na forma de governação?
Só quando me vi sentada na primeira reunião de Câmara, onde tantas outras vezes me sentei rodeada quase só de homens, é que me apercebi realmente da alteração. Enquanto mulheres temos uma maneira diferente de governar, mas o cargo tem de ser desempenhado dentro das mesmas responsabilidades. A sensibilidade para determinadas áreas é diferente entre homens e mulheres. Pode haver equilíbrios diferentes em diversas áreas. Mas temos dois homens e também vamos contar com eles [risos]. Sou defensora da igualdade de género e isso implica respeito por cada um dos géneros e pela opinião de todos.
Primeira mulher presidente
Natural da Marinha Grande, Cidália Ferreira, 64 anos, fez carreira no ensino, como professora do 1.º ciclo. Era na docência que estava quando, em 2005, foi convidada para integrar a lista do PS à Câmara.
Os socialistas não ganharam, mas o presidente Barros Duarte (CDU) atribuiu pelouros aos vereadores da oposição, com Cidália Ferra a assumir, durante meio mandado, a tutela da protecção de menores e inserção social. Com a vitória do PS nas eleições de 2009, regressou à condição de vereadora com pelouros o que aconteceu, de novo em 2015.
Em Outubro último, venceu as eleições e tornou-se na primeira mulher a exercer o cargo de presidente da Câmara da Marinha Grande. Integra a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da Marinha Grande desde 2005.