Uns foram entregues por particulares, outros chegam pelas mãos dos serviços municipais e das forças policiais e alguns são atirados para dentro das instalações do canil, como se de um simples saco se tratasse.
Cada cão e gato que ocupa os Centros de Recolha Oficial (CRO) municipal tem uma história. Nenhuma delas é simpática. Os veterinários responsáveis pelos espaços fazem o melhor que podem com as ferramentas que têm, mas as condições de trabalho não são as ideais para oferecer o melhor tratamento médico àquele que é considerado o melhor amigo do homem.
“Isto não é uma clínica”, alertam os veterinários dos CRO de Leiria e Marinha Grande. São os médicos que se responsabilizam por estes espaços, que consideram não ser a solução ideal para os animais, assim como a esterilização obrigatória de todos os animais que saem do canil adoptados. O JORNAL DE LEIRIA foi conhecer a realidade de Leiria e Marinha Grande.
Com menos de um ano, o CRO da Marinha Grande alberga 52 canídeos e sete gatos. Uma lotação acima do ideal. Cláudia Barrela, veterinária, afirma que os animais que preencheram as vagas iniciais eram os que se encontravam em piores condições no anterior canil e outros ficaram a cargo da Associação Protectora dos Animais da Marinha Grande, porque “infelizmente não houve espaço para todos”.
“Todos os dias aparecem cães na rua e rapidamente ficámos lotados. Teremos de aumentar o espaço, mas essa não é a solução”, afirma a médica, apontando o dedo aos donos dos animais que devem ser responsabilizados, pois “sempre que acontece um imprevisto, as pessoas querem deixar os cães nos canis”.
“Quanto mais espaço tivermos, mais animais teremos. A adopção não dá resposta aos abandonos, que são diários”, adianta Cláudia Barrela, alertando que os cães “também sofrem”, o que se manifesta pela perda de apetite e reacções de medo.
Todos têm um nome e todos têm uma história: desde aquele que estava amarrado a uma árvore, ao que foi maltratado ou ao que foi deixado à beira da estrada. No seu olhar está a tristeza de quem foi rejeitado por aquele que o deveria proteger e uma necessidade enorme de carinho e atenção.
No canil da Marinha Grande só é possível prestar os cuidados primários de saúde aos animais. Uma perna partida ou um tumor não podem ser tratados pelo veterinário municipal no canil, “pois não existem quaisquer materiais, meios de diagnóstico ou sala para cirurgia e de recobro”.
“Nunca foi uma exigência legal as câmaras municipais terem de cumprir com esses requisitos estruturais e funcionais”, refere Cláudia Barrela. “Temos medicamentos para tratar as patologias mais frequentes. Não há condições para fazer cirurgia. Os canis são locais de alojamento e quando um animal está em sofrimento a única coisa digna é a eutanásia”, resigna-se.
A solução alternativa será entregá-lo a uma instituição que assuma os custos com os tratamentos especializados. “O Estado não tem capacidade para pagar todas essas intervenções necessárias aos animais dos canis”, admite a veterinária.
[LER_MAIS] “Será que os próprios contribuintes aceitariam que se gastasse milhares de euros com os animais abandonados, quando há tantas famílias carenciadas a necessitarem de ajuda”, questiona também Ana Esperança, chefe de gabinete do presidente da Câmara de Leiria, sublinhando que os animais “não são maltratados no CRO e o veterinário está disponível “mesmo fora de horas”.
No entanto, alerta que o espaço “não é uma clínica”. Esta responsável revela ainda que a autarquia está à procura de um terreno para construir um novo canil. “Terá melhores condições, nomeadamente um espaço próprio para assistir os animais. Não incluindo o terreno, o investimento previsto é de 150 mil euros.”
O novo canil terá espaço para 60 animais, mas “não dará resposta”, assume Pedro Nogueira. O veterinário do CRO de Leiria afirma tendo em conta o número médio de entradas, seriam precisos 3500 lugares, “o que não é de todo viável”. O veterinário lamenta que haja pessoas que deixam o cão no canil, “porque lhe roeu o chinelo” ou “porquenão se dá com o filho”.
“Há muita gente que tem um cão como se fosse um porco, com a diferença que este quando cresce é comido. No caso do cão, quando não interessa é abandonado”, critica, constatando que “não há afectividade com o animal”.
Cláudia Barrela e Pedro Nogueira defendem uma “maior fiscalização”, sobretudo, na identificação dos animais. Apesar de a lei obrigar à colocação do chip, os médicos reconhecem que há muitos donos que não o fazem. “Se as pessoas soubessem que seriam responsabilizadas já pensariam duas vezes antes de abandonar”, salienta Pedro Nogueira.
As associações são as parceiras dos canis municipais. É para lá que vão alguns dos animais excedentes e os doentes. Sem capacidade para pagar cirurgias nem para intervir em termos médicos por falta de condições, algumas associações de protecção de animais ‘adoptam’ os cães e gatos aos canis e assumem os custos com cirurgias ou tratamentos mais específicos. “Nós fazemos o que podemos”, lamentam os veterinários.
Fim dos abates
A lei vai pôr fim aos abates a partir de 2018. Marinha Grande e Leiria já anteciparam a ordem e no CRO destes dois concelhos já não se pratica a eutanásia. A excepção, que está legislada, são os animais em sofrimento, com doenças incuráveis ou comportamento agressivo ou assilvestrado.
“Nenhum veterinário gosta de eutanasiar um animal, mas com esta lei não sei como vai ser possível gerir os canis, pois os mesmos vão passar a ser locais de alojamento permanente para um animal durante toda a sua vida, caso nunca seja adoptado, impossibilitando a recolha de outros que são diariamente abandonados”, admite Cláudia Barrela.
Também Pedro Nogueira considera que apostar apenas na adopção de animais, através de uma divulgação intensiva, não é solução, nem a obrigatoriedade de castração. “Com esta nova lei os animais entram e só saem quando morrem. Temos uma cadela que está aqui há sete anos e nunca foi adoptada”, exemplifica.
O veterinário destaca ainda o custo que o erário público terá com a esterilização. “Todos os animais do canil que forem doados têm de ser castrados. Terá de existir um protocolo com as clínicas, que terá custos. “Ainda não fizeram bem as contas. No dia em que o fizerem, a legislação vai mudar.”