É à sombra da antiga cerâmica da prisão, hoje devoluta, que os reclusos metem mãos à obra. Peça a peça, como se de uma construção de lego se tratasse, vão montando as torres, onde ao final do dia irão plantar alfaces, manjericão, coentros, couve frisada, entre outras hortícolas e ervas aromáticas.
“Só temos de apanhar o jeito”, constata Yanick, um dos reclusos, compenetrado na tarefa de apertar parafusos e encaixar as peças. “Já está mais uma”, atira um outro jovem que, com a ajuda de um colega, carrega a torre para a zona da horta, previamente preparada por colaboradores do estabelecimento prisional (o guarda Lestro e o senhor Elísio), com o apoio de alguns presos.
Numa competição saudável, os reclusos, com o apoio dos técnicos da empresa Upfarming, vão dando corpo há horta vertical, que funciona como o epicentro do projecto Horticultura Vertical, Solidariedade Horizontal.
Iniciado em Outubro do ano passado no Estabelecimento Prisional Leiria-Jovens (EPLJ), trata-se de um programa de “capacitação para a empregabilidade”, que tem também uma componente social, já que, parte das hortícolas produzidas serão doadas a famílias carenciadas da região, incorporando os cabazes distribuídos pelo Banco Alimentar, Cruz Vermelha e Cáritas, explica Margarida Villas Boas, co-fundadora da Upfarming, entidade promotora do projecto.
Financiado pelo Portugal Inovação Social e apoiado por investidores sociais (BPI e Fundação la Caixa, Fundação Vasco Vieira de Almeida, Race for Good e Câmara Municipal de Leiria), o programa vai envolver 90 reclusos ao longo de três anos – “à razão de 30 por ano” -, mas, segundo aquela responsável, o objectivo é criar know how para que perdure no tempo, dando continuidade à utilização das torres agora montadas, como aconteceu na prisão de Torres Novas, onde também foi introduzido um projecto semelhante.
No caso de Leiria, a iniciativa vai mais além da capacitação técnica dos jovens reclusos para o trabalho com hortas verticais, incidindo também na “promoção de competências pessoais e sociais”, assinala Joana Patuleia, directora do EPLJ, frisando que a iniciativa se insere na estratégia da instituição de “tentar, o mais possível, ter projectos de formação para complementar a oferta curricular” existente. “Procuramos ter um ensino um pouco diferente daquele que eles tiveram no exterior e que não resultou, associando a educação formal à educação não formal”, aponta a directora.
Cultivar sem terra
O projecto em curso no EPLJ – a antiga prisão escola – é composto por várias oficinas. Uma delas “anda muito à volta” da instalação e manutenção da horta vertical, que funciona através do sistema de aeroponia, no qual a produção acontece na ausência de terra. “As plantas são alimentadas por uma solução de água e nutrientes naturais em torres” de três metros de altura, que permitem “poupar cerca de 90% de água e 90% de espaço quando comparadas com os métodos convencionais”, descreve Margarida Villas Boas, revelando que a produção da horta deverá ultrapassar uma tonelada por ano.
A componente de sensibilização para uma alimentação saudável também faz parte do projecto, através da oficina Da horta para a mesa, dinamizada pela chef Marta Caras Lindas, que, uma vez por mês, vai ao estabelecimento prisional para sessões de literacia alimentar e show cooking, usando produtos da horta da cadeia.
“Aprendemos o que é bom para a nossa saúde, o que podemos comer e o que fazer com o que estamos a plantar”, conta Yanic, cujo raciocínio é complementado pela directora da prisão, que destaca o facto de o programa dar “ferramentas e informação” aos jovens reclusos para os “ensinar a comer” melhor.
Outra das áreas trabalhadas pelo projecto é o empreendedorismo, com uma oficina onde se discutem ideias de negócio. “Procuramos debater com eles como é que se pode pegar nesta horta e transformá-la num activo, pensado no produto, no preço, no packing [embalagem] e na promoção”, adianta Margarida Villas Boas, frisando que o projecto permite aos reclusos acesso a formação certificada em agronomia e agricultura sustentável, reconhecida pelo Centro Protocolar de Justiça.
O projecto intervém ainda ao nível das competências sociais e emocionais. “Desenvolvemos um programa de intervenção psicossocial, que trabalha aspectos como a auto-consciência e o auto-conhecimento, a relação com o outro e com a sociedade, por exemplo”, refere Ana Rita Vieira, psicóloga afecta a tempo inteiro ao projecto, assim como acontece com o engenheiro agrónomo José Tavares, responsável pela parte técnica da horta. É ele que, no dia da montagem das torres, que o JORNAL DE LEIRIA acompanhou, vai dando as instruções.
Ainda nesse dia, foi feita a plantação, com recurso a plantas previamente semeadas em tabuleiros de lã de rocha , instalados numa estrutura montada também com “a prata da casa” e com colaboração dos reclusos. “Só as cugertes não vingaram. Houve um problema com a rega no último fim-de-semana e não aguentaram o calor”, conta Margarida Villas Boas, explicando que, depois de transplantas para as torres, as plantas demoram entre quatro a seis semanas até poderem ser colhidas. No final do ciclo, as estruturas são desmontadas e lavadas, seguindo-se uma nova plantação.
Na zona envolvente à horta, haverá também intervenção, com a criação de canteiros. Os primeiros dois já se encontram a produzir, mas ideia é “multiplicá- los”. Já recuperada está uma área da antiga cerâmica, que após a retirada de entulho, limpeza e pintura de paredes, serve agora como espaço de formação. É mais um activo criado pelo projecto, destaca Margarida Villas Boas.