Após os EUA se mostrarem cada vez mais interessados em reduzir substancialmente a sua presença na NATO e com a presença de uma Rússia agressiva à sua porta, a União Europeia anunciou que investirá 800 mil milhões de euros nos próximos quatro anos para fortalecer a indústria de defesa, e Portugal deve posicionar-se para integrar as potenciais cadeias de valor.
Para já, a maioria dos Estados-membros terá de subir o orçamento da defesa para 3,5% do seu PIB… contudo, Portugal não se compromete com esse esforço, com o primeiro-ministro, Luís Montenegro, a anunciar que o País chegará a um investimento no sector de 2% do PIB, até 2029.
Em 2024, segundo estimativas do relatório anual da NATO, Portugal destinou cerca de 4,3 mil milhões de euros em defesa, o que representa cerca de 1,55% do PIB e a maior percentagem dos últimos dez anos.
Apesar deste valor, é o 7.º país da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) que menos investiu neste capítulo.
O anúncio do aumento de despesa militar acontece num momento onde o espaço europeu, apesar de descrente nas virtudes da guerra, após dois conflitos mundiais apocalípticos, se afirma, cada vez mais, como garante e defensor das democracias liberais e do Estado de Direito, após os EUA se terem demitido desse papel que ocupavam desde o início da Guerra Fria.
Por cá, talvez devido à distância que nos separa da frente de batalha na Ucrânia, sentimos que vivemos numa zona pacífica e a opinião pública parece distraída entre eleições, questões reais ou outras criadas por “percepções” e discursos populistas.[LER_MAIS]
“Quem quer a paz, prepara a guerra”
Embora a maioria da população se mantenha alheada, os empresários estão a sondar o terreno.
A defesa é um mercado muito protegido, que depende de grandes encomendas negociadas a nível diplomático entre Estados, com uma grande dose de políticas de aliança e com enormes players, que, certamente, não verão com bons olhos a chegada de outros protagonistas.
Apesar de tudo, há startups, empresas maduras e associações sectoriais, que estão a responder ao desafio colocado pelo velho provérbio romano si vis pacem, para bellum, isto é, “quem quer a paz, prepara a guerra”.
Implicações políticas e geo-estratégicas aparte, este cenário está a ser considerado uma oportunidade económica para a indústria nacional, que tem sido castigada com incertezas dos mercados tradicionais e tarifas pesadas, em especial dos EUA, mas os desafios são muitos.
O director-geral da Startup Leiria, que integra um “grupo de influência”, onde se encontra a Nerlei – Associação Empresarial da Região de Leiria e um grupo de empresas tecnológicas do grupo TICE.Leiria, que pretende explorar esta fileira, acredita que a região de Leiria se encontra numa “posição privilegiada” para transformar desafios globais em oportunidades de crescimento e inovação.
“A combinação de uma indústria tradicionalmente forte com a capacidade de adaptação a novas tecnologias pode ser a chave para um futuro próspero. No entanto, é imperativo que empresas e instituições locais trabalhem em conjunto e pensem o futuro, sem loucura, mas com estratégia e visão”, diz Vítor Hugo Ferreira.
Apesar da vontade em participar, a maioria dos esforços actuais são ainda no estabelecimento de contactos e de intenções e, provavelmente, as colaborações futuras, em vez da produção de aviões de caça de quarta ou quinta gerações ou de blindagens activas ou armas laser, serão em áreas não letais, como os serviços, embalagem, logística e tecnologia, com destaque para a Inteligência Artificial (IA).
O responsável explica que algumas empresas do ecossistema regional demonstram competências que podem ser aproveitadas na área.
“Pela primeira vez, fomos contactados pela NATO para desenvolver programas de aceleração junto das nossas startups”, revela Vítor Hugo Ferreira.
Foi também firmada uma parceria com a idD Portugal Defence, instituição cuja meta é tornar a empresas de base tecnológica e industrial de defesa em protagonistas internacionais relevantes no âmbito da Economia de Defesa, através do apoio à promoção dos sistemas qualificados em certames nacionais e internacionais.
Trabalho de “sapa”
Do lado da Cefamol – Associação Nacional da Indústria dos Moldes, a maior fatia do trabalho também tem sido no estabelecimento de bases e no conhecimento das várias cadeias de valor.
A noção é de que se trata de todo um “mundo novo”, já com parceiros estabelecidos e onde, pela sua natureza, é muito difícil entrar.
“Estamos a acompanhar e temos algumas acções previstas para realizar em breve, no âmbito do conhecimento e da abordagem ao mercado”, diz o secretário-geral da organização sectorial.
Manuel Oliveira sublinha que o restante trabalho terá de ser desenvolvido pelas empresas que, apesar do anúncio de vários milhões em investimento do Estado português, preferirão candidatar-se ao mercado comunitário.
Mas, para já, a prioridade é o trabalho de “sapa”.
“Temos previstas, no próximo mês e meio, uma visita a uma feira da área militar nos EUA e a outra na Alemanha, de aeronáutica”, adianta.
Empresas aceitam desafio da NATO
Aplicar tecnologia civil ao mundo militar
É frequentemente atribuída ao político francês Georges Clemenceau a frase “os generais preparam-se sempre para travar a última guerra, especialmente se a venceram” e, na mente do público, os campos de batalha na Ucrânia são um misto entre as trincheiras da I Guerra Mundial e a guerra de movimentos rápidos da II.
Mas o que se passa no terreno nada tem a ver com este cenário.
Na Ucrânia, quem domina são os mísseis e os drones.
A Inteligência Artificial (IA), a electrónica e os drones causam, diariamente, milhares de baixas nos dois lados.
O cenário obriga a inovar rapidamente para que a Europa tenha o poder de dissuasão necessário.
“Sabemos que há uma grande área de tecnologias em que é necessário investir porque não as dominamos”, alerta o director geral da Startup Leiria, Vítor Hugo Ferreira, recordando que a Tekever, fabricante português de drones, com instalações em Caldas da Rainha, é um dos maiores do mundo, em parte, devido à investigação que tem conduzido em cenário real, na Ucrânia, como refere o site ucraniano MilitarNYI.
A situação na linha de frente é considerada “a mais difícil da história, no campo da guerra electrónica”, facto que tem incentivado o desenvolvimento de soluções que aumentem a resistência dos drones num cenário, onde é usada interferência de GPS, bloqueio de sinal e falsificação de dados.
A região e a generalidade das empresas portuguesas foram convidadas a participar no programa de aceleração da NATO.
Embora a identidade seja matéria confidencial, sabe-se, no meio, que terão sido várias dezenas de empresas neste território.
A confidencialidade e a compliance obrigam ao sigilo, porém, um empresário que respondeu ao desafio e integra o grupo local de influência, admitiu ao JORNAL DE LEIRIA que o maior interesse é pelo trabalho das startups tecnológicas.
“Fomos também contactados pelo centro de investigação do Exército Português. O esforço não é só para fornecer a Ucrânia, mas também para o espaço europeu. Querem aplicar, se possível, as tecnologias civis, na área militar.”
A mesma fonte adianta que estão a ser realizados encontros, nas principais capitais europeias, para que as tecnologias sejam demonstradas, esperando-se que, daqui surjam encomendas.
“Temos potencial full stack [capacidade de liderar, de ponta a ponta, todo o desenvolvimento de uma solução], numa região onde há muita experiência no fabrico de moldes e de peças e componentes para a indústria automóvel. Dominamos as áreas do software e da metalomecânica”, acredita Vítor Hugo Ferreira.
Ao contrário do que aconteceu há alguns anos, quando soçobrou a intenção da região para descolar para a aeronáutica, afastando-se da indústria automóvel, desta vez, os responsáveis sectoriais afirmam que “as empresas mais clássicas” estão a envidar esforços para não perderem este comboio já em marcha.
“Estão a contactar entidades especializadas em lobby, em Bruxelas, para integrar as cadeias de valor, da mesma forma que acontece na indústria automóvel”, explica este responsável.
Embalagens para aviões
Um produto bem acondicionado por uma boa embalagem é como alguém que se apresenta com um fato feito à medida por um bom alfaiate.
Há 12 anos que o empresário da Marinha Grande Albérico Baptista é o responsável pela criação de embalagens para acondicionamento de componentes para a aeronáutica.
Na empresa que criou há 48 anos, todos sabem o segredo do sucesso.
“As oportunidades andam à nossa volta. Temos de as agarrar e trabalhar bem, trabalhar bem, trabalhar bem!”, diz, recordando que, desde que, aos 30 anos, quando fundou o seu próprio negócio, após 18 anos nos moldes, o seu modo de trabalhar e o respeito pelos clientes e pelas pessoas que emprega sempre se pautou pelo princípio de dar aos outros aquilo que também quer para si.