A Matemática é um problema para a maioria dos alunos. Porquê?
A razão é complexa. A matemática requer trabalho e é construtiva, ou seja, é preciso construir bases sólidas e melhorá-las. Isto por si, contradiz o que a nossa sociedade moderna está habituada, ou seja, a informação de acesso rápido com pouco esforço. Naturalmente, é expectável que a nova geração tenha dificuldades. No entanto, as anteriores gerações também as tinham. Portanto, podemos dizer que é intrínseco à matemática a necessidade de trabalho e de a construir progressivamente. Quem tem competências deve facilitar este processo para garantir a aprendizagem dos estudantes, o que não é fácil, pois ninguém aprende ao mesmo ritmo e estão envolvidos muitos factores: económicos, sociais, conhecimento prévio, sistema educativo, entre outros. Mesmo assim, há muitos casos de sucesso no País.
As bases são realmente essenciais?
Sem dúvida nenhuma, as bases são fundamentais. A matemática pode ser vista como uma linguagem nova. Esta é o suporte de muitas áreas da engenharia que modelam muitos dos fenómenos reais e da natureza. E a natureza, per si, não é simples. Portanto, não poderíamos ter uma matemática fácil a representar fenómenos reais complexos. Quereria dizer que a nossa realidade é muito simples. E não é.
A importância das bases significa que as aprendizagens no 1.º ciclo são essenciais para o sucesso na matemática?
Há vários estudos que apontam para que as crianças até aos 3 anos têm uma grande capacidade de aprendizagem e absorvem muito rapidamente o bom e o mau do seu ambiente nas escolas, no contexto familiar ou na sociedade em geral. Como passam muito tempo na escola, esta tem um papel importante neste processo. Isso não invalida que uma criança com dificuldades, no 1ª ciclo, não possa vir a ser um óptimo estudante. Resumindo, devemos perceber que a capacidade de absorção nessas idades é elevada, e uma boa educação facilita e prepara etapas posteriores.
E os currículos são adaptados às necessidades dos alunos?
A SPM tem realizado vários pareceres e nestes defendemos que deveriam existir ajustes e mudanças. Claro que poderão haver muitas perspectivas diferentes para uma mudança. Temos uma perspectiva de rigor e consciência que é necessário melhor o ensino.
Que propostas são?
Não vou enumerá-las, porque são várias. Por exemplo, no último parecer emitido pela SPM sobre aprendizagens essenciais, anexamos uma súmula relembrando propostas anteriores, porque continuam a ser válidas no contexto actual de educação.
Há quem diga que o problema da matemática também tem muito a ver com o português.
A comunicação é fundamental em tudo, mas não concordo a 100%, porque existem outras áreas científicas onde a interpretação pode ser ainda mais relevante, uma vez que não há uma forma alternativa de transmitir essa informação. Na matemática temos muitos símbolos, a tal “linguagem”, e estes têm significados muito precisos e compreendidos em qualquer parte do mundo. Mas se formos para os primeiros níveis de ensino, onde é tudo mais verbal, poderá ser mais notório. Existem também diferenças entre a lógica matemática e o português. Um exemplo muito simples: na Ásia, as respostas correspondem ao valor lógico da afirmação. Para uma pergunta negativa como “Não chove?”, poderão responder ”sim, é verdade”. Nós, em português, usaríamos uma negação da forma: ‘não, não chove’. Logo, perguntas negativas em português devem ser evitadas para não criarem confusão. Em geral, é preciso formular adequadamente as afirmações, para que não apareçam dúvidas de interpretação, evitando que sejam ambíguas ou imprecisas, pois criam-se inúmeros problemas de aprendizagem e na avaliação de conhecimentos.
Refere-se que o ensino da matemática em Portugal é muito abstracto, o que dificulta a aprendizagem. A matemática devia ser ensinada de forma mais prática?
Se compararmos com países asiáticos, é precisamente o inverso, ou seja, depende do ponto de comparação. Defendo que temos de aprender os conceitos para perceber as suas aplicações, mas concordo com a introdução de mais exemplos validados de aplicações que façam ponte com o dia-a-dia, mas as bases matemáticas rigorosas têm de lá estar para compreender devidamente essas aplicações.
Os imigrantes são melhores do que nós a matemática?
Não há dados significativos sobre o assunto, sendo também uma questão do tamanho da amostra. Neste momento, não creio que se possa inferir que os estudantes que vêm de um certo país são melhores ou piores, porque não teremos todo o espectro representativo desses países nas nossas escolas. De forma inversa, quando vamos ao estrangeiro haverá estudantes com muito boas prestações, como nas Olimpíadas Interncionais de Matemática, e outros noutras situações com dificuldades.
Como é que se podem aplicar as ferramentas digitais na matemática?
Isso é muito importante. As gerações mais novas têm mais facilidade em se adaptar à tecnologia. Usam ferramentas que, muitas vezes, até os professores desconhecem. É fundamental prepará-los para a sua utilização. Existem países que já estão a introduzir a inteligência artificial. A China obriga, por exemplo, que tenham contacto oito horas por ano com estas ferramentas logo no 1.º ciclo, para perceberem o seu uso e benefícios. Estas novas ferramentas têm um impacto muito grande na sociedade, pelo que não nos podemos abstrair delas. Por isso, temos de capacitar os pais e professores. Tal como, adaptar os currículos após perceber seus benefícios e impactos, garantindo a qualidade de um ensino moderno. Embora, estas ferramentas possam ajudar os estudantes, os conceitos têm de estar sólidos para se ter sentido crítico e perceber as respostas.
Portugal introduziu a robótica e a programação no 1.º ciclo. Isso é importante?
A diversificação e a adaptação dos currículos mais clássicos à modernidade do nosso tempo é importante. Claro que essas introduções têm um preço, que é o tempo que consomem, ou seja, tem de existir um equilíbrio para que as bases não sejam resuzidas ou eliminadas. Podemos chegar ao extremo de substituir tudo e agora só termos inteligência artificial [IA] ou robótica; o que não faz sentido. Refira-se que há algumas sinergias de pensamento, por exemplo as bases da programação potenciam um capacidade de abstração muito útil para a matemática e vice-versa.
A matemática ganha uma nova dimensão com a IA?
Depende de que ciclo estamos a falar, pois podemos ter várias utilizações da IA. Por exemplo, usando IA generativa, onde um texto pode gerar uma imagem. Podemos utilizar tal como uma forma de criatividade para o 1.º ciclo e de ligar som, texto e imagens de uma facilitada. Quando estamos a falar do secundário e em algumas situações, pode ser utilizada como apoio ao estudo individual, pois permite aos alunos terem informação sobre o problema rapidamente, permitindo não ficarem completamente bloqueados num exercício ou questão. Portanto, se a IA for introduzida correctamente, pode ser útil aos alunos mas terão de ser capazes de uma avaliação crítica das respostas do sistema. No contexto geral, poderá ser adequadamente mais uma ferramenta para fazê-los pensar e isso é óptimo.
Ainda faz sentido os alunos decorarem a tabuada?
É uma boa questão. O acto de raciocinar resulta de ligações entre conceitos e objectos mentais. Ninguém consegue pensar se não tiver algo de suporte e um contexto. Portanto, é fundamental aprender determinados conceitos e regras em certas fases da sua educação, para permitir desenvolver o raciocínio. Duvido que se mantenha essa informação toda a vida, mas foi relevante para o processo de aprendizagem. Portanto, é necessário memorizar algumas coisas, para poder raciocinar sobre elas. Caso contrário, é um raciocínio no vazio.
Os alunos questionam-se por vezes qual o sentido de aprender, por exemplo, a raiz quadrada. De que forma é que a matemática está presente no nosso dia-a-dia?
Posso arranjar mil e um exemplos. Pensar na probabilidade de algo acontecer é matemática. Na aprendizagem da matemática não apenas fulcral saber fazer uma raiz quadrada, relevante é comprender que existe um conjunto de regras e ferramentas matemáticas que permitem resolver problemas. Ferramentas mentais como a dedução, indução, contradição, exclusão ou lógica são eventualmente aprendidas na matemática pelos alunos e podem ser usadas em decisões de situações reais. A matemática ajuda também o nosso raciocínio e a uniformizar culturas. Existem estudos que mostram que países e culturas diferentes têm noções diferentes de tempo. É curioso a forma como fazemos a percepção e as palavras que usamos para medir tempo. O tempo pode ser medido por peso, quantidade ou volume. Não só a forma como falamos das coisas, mas como raciocinamos, afecta a percepção que temos dos acontecimentos da nossa visa.
Como é que a matemática pode contribuir para a resolução de problemas como alterações climáticas, ou até prever pandemias?
Muito. Por exemplo, na pandemia tivemos modelos para perceber o contágio da doença ou de uma população a uma vacina. A matemática representa muitos desses casos quer seja da saúde, quer de outra área que permita ser modelada. Estou envolvido em vários projectos de manufatura e logística, onde a matemática é crucial. Actualmente, há um esforço conjunto, de que o mundo académico e o mundo empresarial não sejam disjuntos e que exista uma transferência e aplicação efectiva do conhecimento a produtos e contributos na sociedade. Há muitos anos, um artigo da matemática poderia demorar 100 anos a ser implementado em produto. Hoje, esse tempo é muito mais reduzido, sendo fruto do investimento que se tem realizado na investigação e desenvolvimento. Sem conhecimento, não há inovação. Se não houver inovação, não há competitividade. Felizmente, ao nível superior, os nossos estudantes são de grande qualidade, mas se economicamente o País não for atractivo, estamos a formar pessoas com muitas competências para irem para fora.
Como reage aos pais que desvalorizam as más notas a matemática, dizendo que também eles eram maus alunos à disciplina?
A sociedade é muito relevante, em particular, e é inegável a importância da componente familiar. No entanto, qualquer alteração é dificil de ser evidenciada pois é uma questão também cultural. Em algumas culturas, independentemente da formação dos pais é quase uma obrigação social, os pais levarem os filhos a serem os melhores mesmo que tal crie uma carga psicológica. Existem todos os tipos de comportamento social. Portanto, a problemática tem de ser vista de forma global e entender que não existem falhas centradas nas escolas ou nos pais. Todos temos a responsabilidade fazer o que é melhor, embora tais tentativas estejam por vezes desalinhas por falta de diálogo construtivo.
Da engenharia informática para a matemática