Os olhos de Miguel Santos, engenheiro florestal, e de Inês Frazão, geógrafa, ambos ‘filhos’ de Alqueidão da Serra, brilham quando chegam ao topo do Cabeço de Chãos Nogueira e admiram o trabalho de limpeza da floresta já efectuado ao abrigo da Operação de Gestão Integrada da Paisagem (OGIP) em curso nesta freguesia de Porto de Mós. “Acho que todas as pessoas de Alqueidão deviam vir aqui. É a prova de que é possível”, desafia Inês, antiga professora de Geografia que, juntamente com Miguel, integra a equipa técnica da Área de Gestão Integrada da Paisagem (AIGP) – da qual resultou a OIGP -, liderada pela Junta de Freguesia.
Os trabalhos no terreno começaram em Outubro, uns executados por empresas contratadas, outros pelos proprietários das parcelas, que são remunerados para tal. Os primeiros pagamentos foram feitos em meados de Fevereiro, na véspera da reportagem do JORNAL DE LEIRIA, com Miguel Santos a falar de “um momento histórico”. “Vem credibilizar o processo. As pessoas percebem que é mesmo a sério, que podem receber para limpar e gerir os seus terrenos”, sustenta o técnico, frisando que a intervenção nas parcelas obedece a um plano previamente aprovado.
“Já podei as oliveiras e limpei o grosso, mas mantive certas árvores e arbustos para que os animais se possam abrigar”, descreve Carlos Bártolo, um dos mais de 220 proprietários envolvidos no projecto. Antigo funcionário da Câmara de Porto de Mós, conta que tem cerca de “uma dúzia” de parcelas na freguesia, que herdou do sogro, muitas das quais “não eram limpas há mais de 50 anos”, e que viu neste modelo de gestão da paisagem a oportunidade para alterar a situação. “É de aproveitar. Vão-me pagar para limpar os meus terrenos”, assinala o proprietário, ressalvando, no entanto, que quem entra no projecto “não pode pensar apenas no dinheiro que vai receber”, mas tem de assumir a manutenção ao longo do tempo.
Esse é, aliás, um dos grandes desafios, assume Miguel Santos. O contrato da OIGP prevê que um apoio de 3,8 milhões de euros (ME) para manutenção – mais 2,6 ME para as intervenções iniciais, que incluem limpezas, plantações e reactivação de povoamentos florestais ao abandono -, verba que o engenheiro florestal admite ser insuficiente, obrigando a encontrar fontes de financiamento alternativas. O mercado de carbono é uma possibilidade, tirando proveito das vastas manchas de carvalhal existentes na freguesia, que funcionam como “grandes sumidouros de carbono”, pelo que podem ser “apetecíveis” para as empresas que tenham de fazer compensações pelas emissões poluentes.
Do trabalho que está a ser feito ao nível da gestão da paisagem também se esperam frutos no futuro. É disso exemplo a recuperação de olivais e de pinhais, que permitirá arrecadar receitas, pela via do azeite, da madeira e da resina. “Estamos a pegar nos recursos endógenos para acrescentar valor”, alega Miguel Santos, enquanto sobe ao Cabeço do Zambujeiro, uma área com cerca de 100 hectares onde a transformação já é bem visível.
Rebanho dá uma ajuda
O pinhal e eucaliptal desordenado, onde havia mato “da altura de um adulto”, está a dar lugar a uma área florestal diversificada. Há terreno em preparação para a plantação de 16 hectares de medronheiro, que ficarão entre parcelas de pinheiro (bravo e manso) e de folhosas típicas do maciço calcário, como carrascos, azinheiras, carvalhos e zambujeiros. Será ainda deixada uma área de mato para “abrigo da fauna”. O objectivo é “diversificar o tipo de ocupação florestal”, assinala Miguel Santos, salientando que, no caso do medronheiro, a sua principal função naquele local “não é a produção”, para aguardente ou outros fins, mas reforçar a resiliência da paisagem.
Já no Cabeço de Chãos Nogueira, onde foram intervencionados cerca de 80 hectares, os trabalhos centraram-se na limpeza, com a criação de mosaicos de gestão de combustível. “Pelo histórico e pelas simulações de fogo que fizemos, este foi identificado como um ponto crítico para a passagem do fogo. Aqui, a opção foi criar uma mancha estratégica de protecção às aldeias de Casais dos Vales, Covão de Oles e Alqueidão da Serra”, expõe o engenheiro florestal, que não esconde o orgulho pelo trabalho já executado.
“Agora, é manter”, assinala Inês Frazão. Nessa tarefa, será envolvido o rebanho de um morador da freguesia, com cerca de 100 cabras. Segundo Miguel Santos, está previsto um apoio inicial para a construção e alargamento do cercado, para que o pastor possa aumentar o efectivo, e há ainda a possibilidade do pagamento de uma renda anual. “O rebanho será um agente importante na manutenção dos mosaicos”, assume o técnico, revelando que a OIGP contempla ainda a constituição de uma equipa de sapadores florestais.
Para Miguel Santos, nesta fase, a palavra-chave é “confiança”. “É importante que as pessoas de Alqueidão da Serra acreditem no processo, que sintam que podemos levar o barco a bom porto, e que o País olhe para nós e veja que estamos a fazer e a avançar”, afirma, frisando que esta OGIP “só terá sucesso se o mesmo acontecer com outras”.
Região garante apoio de 10,4 ME com três novas AIGP
Há três novas Áreas de Gestão Integrada da Paisagem (AIGP) aprovadas para a região – Serras Norte de Ourém, Aguda (Figueiró dos Vinho) e Ribeira de Mega (Pedrógão Grande) -, que prevêem um investimento de 10,4 milhões de euros (ME) com vista à redução do risco de incêndios, conservação dos ecossistemas e desenvolvimento socio-económico sustentável. No caso de Ourém, a AIGP abrange territórios de Espite, Urqueira, Rio de Couros e Casal dos Bernardos, totalizando 2.931,20 hectares, nos quais está previsto um investimento de 4,5 ME. A entidade gestora é a Associação de Desenvolvimento das Serras do Norte de Ourém. Já em Figueiró dos Vinhos, a AIGP de Aguda assegurou um financiamento de 1,9 ME e abarca 943 hectares, a gerir pela FlorestGal – Empresa de Gestão e Desenvolvimento Florestal, que assume também a AIGP de Ribeira de Mega, que tem 1.950,4 hectares e um investimento validado de 4 ME. A nível nacional estão aprovadas 62 AIGP.