Maria de Lurdes Lopes Abreu nasceu no mesmo ano em que foi criado o Clube Atlético Ouriense, em 1949. Aos nove meses, ingressou na Casa da Criança de Ourém, contíguo às actuais instalações do clube de futebol, onde brincou durante a juventude.
Parece que estava destinada a ficar ligada ao Ouriense, algo que veio a acontecer sem intenção e que já perdura há 34 anos.
“Sempre gostei muito de bola. Já ia ver a bola em pequenita quando o campo era lá em baixo no Lagarinho. Ia lá ver a bola porque não tínhamos mais nada para fazer. Também era um escândalo uma mulher estar lá, mas nunca me importei”, conta, durante uma pausa nas arrumações da cozinha do clube, após regressar de férias.
No coração, tem dois clubes: o Atlético Ouriense e o Sporting CP. Quando tem de escolher entre um e outro, opta sempre pelo da terra, visto que foi nos ‘bastidores’ de toda a actividade desportiva que até criou filhos e netos.
Em 1990, Lurdes Abreu começou por dar uma mãozinha ao clube em dias de jogos. Na altura, as instalações não eram as mesmas, e os almoços aos jogadores eram dados em casa do então presidente do clube. Foi lá que a adepta começou por ajudar a preparar as refeições e lavar a loiça.
Ajudava com gosto e, entretanto, também já estava a tratar dos equipamentos dos atletas.
Nos primeiros anos, até folgava à quarta-feira. Agora, já reformada, diz que “não dá”. O trabalho ocupa-lhe grande parte do dia e, muitas vezes, nem vê “a cor da camisola dos jogadores” que entram em campo.
Mas engane-se quem pensa que o trabalho só existe ao fim-de-semana. Além dos jogos, Lurdes Abreu também está atrás do balcão todos os dias da semana. As portas do bar abrem por volta das 16 horas para fecharem já perto das 21 horas. Aos fins-de-semana, as horas de serviço começam logo pela manhã.
Com toda a azáfama que um jogo de futebol cria, Lurdes Abreu lamenta já não ser tão assídua no apoio aos jovens atletas. “Antigamente, como eram menos equipas, fazia o almoço para os seniores e os iniciados estavam a jogar. Ouvia barulho e ia a correr para ver o que era. Agora não dá, é muito trabalho”, afirma.
Mesmo assim, conhece os jogadores pelo nome e as suas famílias. Em tempos, era mesmo apelidada de ‘mãe’ dos atletas. Agora, é a ‘avó’, já que acompanha os filhos de antigos atletas que já pisaram aquele relvado e sentiram o apoio desta adepta fervorosa. “Agora já não é tanto, mas antes até chorava, com as derrotas e as vitórias.”
A paixão por este clube convive lado a lado com a dissidência. Ao longo dos 34 anos de apoio ao clube, já abandonou as suas instalações diversas vezes, em desacordo com membros da direcção ou decisões tomadas. Ainda assim, o amor pelo clube fê-la sempre regressar e agora diz que o plano é manter-se atrás do balcão até poder.
Sabe que é a “retaguarda” do Ouriense e conhece o clube de fio a pavio.
Chorou a pedir a reforma
Quando atingiu os 67 anos, Lurdes Abreu iniciou o processo da reforma, que não foi concluído. “A primeira vez que fui à Segurança Social para reformar-me, com 67 anos, chorei tanto”, recorda. Não queria ultrapassar um processo que, basicamente, dizia que já tinha terminado a sua vida de trabalho.
Não assinou os papéis, mas, dois anos depois, viu-se obrigada a concluir o processo. Aos 69, assinou os papéis, sabendo de antemão que iria manter-se no clube, visto haver já um acordo para a sua continuidade.
Ao longo de uma conversa, são várias as peripécias e histórias que Lurdes Abreu conta. “Agora a água para os banhos é a gás. Antigamente, era a lenha e tínhamos de acender a caldeira e andar sempre a correr para ver se estava acesa. Andávamos sempre a correr, mas fazia-se com gosto”, garante.
O gosto mantém-se, garante, e agora dedica-se mais à cozinha e ao bar. Nota grandes diferenças na personalidade das crianças, comparando com os primeiros anos no Atlético, e diz que são “mais respondões”. Contudo, não consegue ficar indiferente às crianças e jovens formados no Ouriense.
“Há muitos pais que dizem aos filhos: ‘se saíres de um treino e eu ainda não estiver aqui, vais ter com a dona Lurdes, ela toma conta de ti’”.
“Sou muito acarinhada por todos”, assume, tendo sido homenageada pelo clube diversas vezes.