O que moveu a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) a realizar uma jornada sobre Comércio, Serviços e Competitividade em Leiria?
A CCP resolveu nestas jornadas, que se iniciaram este ano e que terão continuidade no futuro, não centralizar tudo em Lisboa e por isso vamos para outras zonas do País. Até porque hoje há a flexibilidade de se poder assistir por video-conferência ou de modo presencial, que continua a ser fundamental. Vamos procurar fazer em zonas que tenham desenvolvimento económico, por um lado, e por outro, também naquelas que tenham comércio a progredir. E noutra fase faremos também nas zonas mais deprimidas. Pensamos que convém à confederação, que tem associações por todo o País, entre associações sectoriais, serviços etc., fazer uma cobertura ampla e não restringir ao que muitas vezes é tradicional, que é Lisboa e Porto.
E Leiria insere-se entre as zonas de desenvolvimento económico pujante?
Exactamente, até porque as estatísticas o mostram. Não só em termos de comércio concretamente, mas da sua economia geral, Leiria tem progredido. Inclusivamente, o comércio de Leiria até progrediu mais do que a média nacional. Isso é significativo. É um indicador que mostra a vitalidade da região.
São várias as cidades na região de Leiria que se batem, aliás, como noutros pontos do País, com o envelhecimento dos centros históricos, o desaparecimento do comércio de rua mais tradicional. Há futuro para este tipo de comércio?
O período da pandemia foi relativamente importante, porque voltou a valorizar bastante o comércio de proximidade. É um aspecto fundamental neste momento para a própria revitalização de muitas zonas, para o turismo também. E o envelhecimento traz problemas de mobilidade para alguns segmentos da população. Isto tudo, no seu conjunto, significa que há aqui uma oportunidade para o comércio de proximidade. O comércio é para nós um elemento estruturante da vida dos centros urbanos, como a história demonstra.
Mas é uma oportunidade que ainda não foi explorada nalguns centros urbanos desta região, onde o comércio tradicional definhou. Nesses casos, por onde se pode começar?
Eu não gosto muito de colocar o comércio só na óptica tradicional, porque isso dá uma ideia de algum envelhecimento. E de facto temos que reconhecer que há vários segmentos de comércio que tiveram uma lentidão grande em evoluir, mas hoje em dia, felizmente, temos cada vez mais um alargamento de mentalidades. E, nesse aspecto, projectos como os Bairros Digitais podem ajudar todas as zonas. E penso que os municípios têm também aqui um papel a desempenhar. Para a vida das pessoas, para a atracção de elementos externos, sejam turistas, sejam residentes, que venham colmatar a falta de mão-de-obra que se sente por todo o País, é preciso que haja um conjunto de serviços, de apoio directo às populações, e o comércio é dos aspectos mais estruturantes.
Há espaço para o comércio de rua e para as lojas dos centros comerciais? Podem coabitar?
Nós nunca partilhamos a ideia de que os segmentos do comércio novos matam completamente os antigos. E a história tem-no demonstrado claramente. As cidades começaram com as feiras e ainda hoje existem feiras. Mas cada vez que aparecem segmentos novos, de facto reparte-se o mercado. Em Portugal há uma ideia um bocado maximalista de dizer “agora vêm hipermercados e desaparece tudo, vêm aí centros comerciais e desaparece tudo”. Isso não é assim. Evidentemente que os diversos formatos têm que coexistir, porque correspondem a interesses diferentes, diferentes intenções de compra da população. Por isso, para nós é inevitável que todos esses formatos coexistam. Agora, a lógica municipal em muitas zonas nem sempre tem conseguido gerir este equilíbrio, criando condições de urbanismo comercial adequadas. Nesse aspecto, também a mobilidade dentro das cidades, o modo como é gerido o trânsito, os estacionamentos, são elementos estruturantes. Os centros comerciais têm o seu espaço, todos os formatos têm o seu espaço e até o digital tem hoje o seu espaço. E também ele altera muitas vezes o funcionamento do comércio. No comércio em Portugal trabalham praticamente 800 mil pessoas. É o sector que, em termos globais, ocupa mais população activa. Mas, ao contrário do que muita gente pensa, as grandes unidades empregam neste momento 140 mil pessoas. Ou seja, o comércio de pequena dimensão, seja mais tradicional, seja mais moderno, representa uma força económica e social extremamente importante. E isso é muitas vezes subestimado.
E o digital tem sido uma mais-valia ou um constrangimento para a maioria dos comerciantes?
É mais um formato que chegou. É simultaneamente um concorrente, porque pode desviar algumas compras das lojas físicas. Mas, em contrapartida, também é um complemento que pode ser misturado. E hoje a tendência é haver cada vez mais entidades em situações mistas. É simultaneamente uma dificuldade mas também uma oportunidade. Por exemplo, uma loja local que tem um produto local, neste momento, com um site, pode até vender para o resto do mundo. Há muitas oportunidades e não podemos estar sempre na lógica de que este prejudica aquele. Temos é que ver como cada um se adapta a estar em diversos canais, conforme o tipo de negócio que se tem. É isso que tentamos incentivar.
Em que medida a qualificação dos serviços e dos recursos humanos pode contribuir para revitalizar o comércio?
Isso é um aspecto fundamental não só para o comércio, mas para toda a economia. Aliás, na CCP abrange mos também muitos serviços, desde transportes a informática, toda uma série de áreas, porque hoje a operação comercial é uma operação mais complexa. Muitas vezes não se vende só um produto, também se vende assistência pós-venda, vendem-se condições financeiras, vende-se marketing e possibilidades de troca, etc. Isso significa que precisamos de diversificar a qualificação das pessoas em todas estas áreas. Reconhecemos que, historicamente, tem-se investido com regularidade na qualificação de uma série de trabalhadores e de empresas. Mas estas jornadas também reflectem uma preocupação nossa, de que é preciso melhorar também a qualidade de gestão de todas as PME, microempresas e em particular, das comerciais. Porque só esta melhoria da qualidade lhes permite ter uma maior produtividade e competir de uma forma mais próxima, mesmo com operadoras de outras dimensões.
E os empresários do sector estão dispostos a pagar por essa valorização dos recursos humanos e do serviço?
Não se pode definir aqui uma ideia geral, mas nós sabemos que culturalmente em Portugal, infelizmente, ainda há muitos empresários que consideram o investimento em formação como um custo e não um investimento. No entanto, tem havido felizmente uma melhoria significativa nessa percepção. Nós, em termos globais, pensamos que a qualificação das pessoas é o elemento-chave para um país com as características de Portugal poder, nesta revolução tecnológica, acompanhar o que se faz no mundo, na primeira divisão, ao invés de entrar tardiamente, como entrou em todas as outras. Nesta evolução, em particular na área digital, a qualificação é fundamental.
Minimizar as taxas, as licenças, os impostos, poderia libertar os empresários de alguns encargos para poderem remunerar melhor os colaboradores?
A nossa carga fiscal é alta, quer em termos das pessoas, quer em termos das empresas, nomeadamente as comerciais. E nós não ficamos satisfeitos quando se fazem comparações com médias europeias, referindo que estamos na média. É evidente que, por exemplo, em relação ao cidadão, o rendimento disponível não é o mesmo. É muito diferente pagar 36%, 37% ou 38% de impostos com os salários em Portugal, do que pagar 40% ou 50% com os salários da Suécia. Por isso, essas percentagens são um bocado perigosas. Nós pensamos que é preciso caminhar em duas direcções. Uma é trabalharmos para baixar a carga fiscal. Outra, é racionalizar. Porque surge o problema das taxas, taxinhas e taxolas, com as quais o comércio é bastante atingido. Porque há taxas municipais, das freguesias, toda uma série de taxas, que além de trazerem custos financeiros ainda custam tempo às empresas. Tendo em conta a dimensão média das empresas, é uma agravante, um bloqueio.
Na nossa região, a Nazaré é um dos casos onde o alojamento local tem muita dinâmica, mas onde já escasseia habitação para os locais. E as casas disponíveis no mercado atingem preços muito elevados para a generalidade dos portugueses. De que forma se podem equilibrar as necessidades do comércio e as necessidades habitacionais?
Há um papel importante dos municípios. Não pode haver limitações formais em termos de licenciamentos, mas pode haver um planeamento urbano que favoreça precisamente esse equilíbrio. Não se pode deixar funcionar simplesmente o mercado sem qualquer tentativa de influenciar, planear e dar prioridades e dar incentivos. Isso são questões que, quer em termos de Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, quer em termos de municípios, de comunidades intermunicipais, têm que ser tidas em conta. Felizmente, hoje em dia no País estamos a evoluir bastante bem, mas, durante muitos anos, muitas das políticas locais eram simplesmente fazer infra-estruturas. Isso é pouco, precisamente pelo tipo de desequilíbrios que referiu.
O programa Mais Habitação vem atenuar esses desequilíbrios?
Temos na CCP algumas associações ligadas precisamente a essa temática, desde materiais de construção, à gestão de condomínios, empresas de imobiliário, etc. E a sensibilidade que temos é que o problema fundamental neste momento é o da oferta. O conjunto de medidas, umas são melhores, outras piores, umas mais profundas, outras menos profundas, enfim, suscitam sempre opiniões diversas. Mas o ponto fraco fundamental deste pacote do Governo é que não incentiva a oferta de habitação a preços acessíveis, em particular às classes médias, que são a estrutura base das cidades. Durante a primeira década deste século havia uma oferta de habitação nova acima de 100 mil fogos/ano. Durante a pandemia baixou bastante, para 7 ou 8 mil. E neste momento não chega aos 50 mil, portanto, é natural que haja falta. O alojamento local tem algum peso, mas não é a questão decisiva. Tem sentido regulamentar, até para permitir que haja situações mistas em várias zonas e o alojamento local não esvazie completamente a parte habitacional. Mas a questão de fundo, que nos preocupa, é que neste pacote não vemos como é claramente incentivada a oferta. E depois há toda uma burocracia, que entrava projectos que demoram anos a serem licenciados e o período de construção também demora tempo.
Demora que acaba por desmotivar os investidores.
Tem que se criar incentivo. Os investidores vão para onde é normalmente mais fácil e onde têm garantias de que vão para investimentos seguros. Neste momento, nós não conseguimos resolver o problema sem termos um investimento dinâmico, que permite aumentar significativamente a oferta, que é uma das coisas que também contribui para baixar os preços.
Dos estudos de mercado ao comércio