Como foram os últimos quatro anos de trabalho no Médio Oriente?
Foram quatro anos extremamente importantes para a minha carreira desportiva, porque fui trabalhar em contextos completamente diferentes da nossa cultura e costumes, o que nos obriga enquanto treinadores e líderes a tomar decisões um pouco diferentes daquelas que estamos habituados. Para mim, foi extremamente enriquecedor trabalhar no mundo árabe, numa cultura completamente diferente e foi muito importante também pelos desafios diários que nos são colocados. Isso, por vezes, dá-nos outra visão das coisas e, acima de tudo, ajuda-nos a tomar decisões muito mais difíceis.
Foi inesperada a decisão do Al-Nassr de fechar a secção de futsal?
Sim, apesar de, oficialmente, ainda não existir nada, é o que está em cima da mesa. É totalmente inesperado porque era um projecto para ter continuidade por vários anos. Prova disso são os elementos da estrutura com vários anos de contrato. Seria o ano zero para começar a trabalhar dentro da estrutura para evoluir o futsal. Foi-nos pedido que tentássemos ganhar o primeiro troféu e acabámos por ganhar dois e estar em todas as decisões. Ainda mais inesperado se torna quando a época acabou por ser de sucesso.
Este encerramento ditou o seu regresso a Portugal, para o FC Famalicão. É desafiante integrar uma equipa que se estreia na Liga Placard?
Tem sido um Verão extremamente intenso por várias razões. Sabemos que enquanto treinadores temos de ter o trolley preparado com pouca roupa e a máquina de café porque amanhã podemos estar noutro sítio do Mundo. O regresso a Portugal esteve sempre em cima da mesa. É o meu País, o meu futsal. Nunca se concretizou por várias razões e esta época acabou por acontecer, pela forma como surgiu o convite, como as pessoas demonstraram vontade em ter o meu trabalho no projecto. Após quatro anos fora, com quatro filhos, dois ainda crianças, e por ter sido avô agora, tudo isso pesou na decisão deste regresso, que acaba por deixar-me extremamente feliz.
Há objectivos claros a cumprir?
O trabalho tem sido intenso e o objectivo é claro, a manutenção. É a terceira vez que, em Portugal, passo pelas dores de crescimento de um clube que sai da 2.ª divisão para a 1.ª. Foi assim com o Burinhosa, foi assim com o Eléctrico e será agora com o Famalicão. Essas duas experiências ajudam-me também no trabalho, apesar do momento e o contexto serem diferentes. O objectivo é afirmar o Futebol Clube Famalicão no futsal, na Liga Placard, e dar continuidade a um projecto num clube que me surpreendeu pela positiva pelas condições e pessoas apresentadas. Foi uma surpresa grande e estes factores fizeram com que o regresso acontecesse neste momento.
O melhor jogador do Mundo de 2024, Dyego, defendeu alterações às regras do futsal para o tornar mais criativo. Acredita que as regras carecem de melhoria, por exemplo, quanto ao guarda-redes avançado?
Acredito. Tenho 26 anos de futsal e são discussões que, de vez em quando, ganham força. A verdade é que as coisas evoluíram, hoje o futsal é muito mais físico. Existe essa questão do guarda-redes jogar mais no sistema ofensivo, mas são situações que nos vão desafiando e cabe-nos a nós contornar. Há sempre alguns pontos onde se pode melhorar e, principalmente, se deve melhorar para que [o futsal] seja cada vez mais atractivo para o público enquanto espectáculo. Não esquecendo que uma das essências do futsal sempre foi a paixão com que é jogado.
Há algo em concreto que defende que deva ser melhorado?
O contacto físico, principalmente, a intensidade e a questão do guarda-redes. Estamos a falar de situações que não fogem às regras. Se o guarda-redes foi utilizado no sistema ofensivo para uma questão de posse de bola, obviamente que vai tirar beleza ao jogo. Quando é utilizado de forma a ajudar no sistema ofensivo com o objetivo de marcar golo, torna-se difícil. O que os números nos dizem é que muitas vezes torna-se difícil para quem defende, mas também torna-se difícil para quem ataca. É verdade que o campeonato acabou por ser decidido situação dessas, mas muitas outras tiveram efeitos contrários. Por vezes é importante olhar e ver o que é melhor em termos de paixão, de espetáculo para o público, mas perceber também que isto tem a ver com a criatividade dos treinadores, com a evolução do jogo. Se está a evoluir para melhor ou para pior, obviamente que é preciso analisar e ver, mas, normalmente, é sempre difícil para quem perde. Para quem ganha, é sempre melhor.
Teve um início de vida difícil, onde chegou a viver na rua, e através do desporto conseguiu criar uma carreira de sucesso. Acredita que as dificuldades que viveu o levam a tomar decisões diferentes?
Sim, essa é a realidade e não tenho dúvidas que foi o desporto que me ajudou a moldar e a ser aquilo que sou hoje. A formação na União de Leiria foi extremamente importante, vindo até do futebol de rua, no mítico Parque do Avião em Leiria. Tudo isso ajudou na formação do ser humano que sou hoje. Com passar dos anos, vamos olhando para as coisas um pouco de maneira diferente. É óbvio que ajuda a tomar decisões, ajuda no nosso dia-a-dia, mas se é condição exigente para que se tomem decisões correctas, penso que não. Isso terá a ver mais com a personalidade.
Até mesmo na escolha de alguém para o seu plantel, isso também contribui?
Claro que sim. Na minha atividade diária, faço questão de lembrar sempre às pessoas que continuamos a trabalhar com pessoas, que o futsal é movido por pessoas e que não podemos perder essa essência de trabalhar para as pessoas. É fundamental.
Ainda existe um bocadinho deste “padeiro voador” dentro de si?
Vai existir sempre. Era padeiro, na altura, na Panificadora Moderna de Leiria, que se situava na Guimarota. Vivia nos Marrazes e fazia todo esse trajecto a pé. Pelo meio, treinava na União de Leiria. Sendo guarda-redes, uma vez, num jogo em Alferrarede, um dos directores que estava no banco levantou-se e disse: “Pareces um padeiro voador”. A verdade é que ficou e ainda este ano fizemos um jantar dessa equipa dos juniores da União Leiria e essas histórias vêm sempre ao de cima. É com grande orgulho que vivi esses momentos, que tive o prazer de vestir essa camisola e ficam estas marcas que nos acompanham. Acima de tudo, ajudam a dizer quem somos.