Família e amigos ao redor de um parque de merendas, com boa comida e bebida, bom tempo e a perspectiva de uma vida nova parecia o cenário perfeito para João Silvestre, que estava há cerca de um mês na Suíça, em 2014, após cinco anos no exército.
Queria entrar para os quadros e passou a todos os testes – físicos, escritos e psicológicos – mas quando chegou aos médicos e lhe perguntaram se já tinha sido operado, deu uma resposta que ainda hoje se arrepende: “sim”. A vida de futebolista amador provocou-lhe uma lesão no ligamento cruzado anterior, no joelho, onde teve de levar um parafuso. Este é logo um dos critérios para não ser aceite nos quadros do exército.
“Estava com cinco anos de tropa, tinha mais um pela frente e vi que não estava lá a fazer nada, vim-me embora”, recorda. Tinha o irmão na Suíça e mudou-se de malas e bagagens para aquele país, onde arranjou trabalho numa empresa de construções modulares. Ao fim de um mês à experiência, o patrão gostou da forma como trabalhava e conseguiu assinar contrato.
Tudo corria de feição e, com amigos e família próximos, houve um dia que se juntaram para fazer um churrasco, num parque de merendas embelezado com um lago.
“Bebemos umas cervejas e comemos uns frangos. No meio de 100 mergulhos, aquele, às cinco e tal da tarde, correu mal”, disse, com pesar na voz.
A profundidade do lago tinha diminuído e, quando mergulhou, distava 1,30 metros do fundo. Em vez de se atirar para a frente, atirou-se para baixo e bateu com a cabeça no chão. “Parti logo a cervical, a C5 e a C6”. Ficou imediatamente sem movimentos e percebeu logo que as consequências eram graves.
Ao lembrar este episódio, João Silvestre escolhe ver o lado positivo e, dentro da água, estava alguém que se apercebeu das dificuldades, uma vez que ficou a boiar de barriga para baixo, sem se conseguir virar para respirar.
“Foram ter comigo, levantaram-me e eu disse: tirem-me de dentro de água que não sinto o corpo. (…) A partir daí, foi uma luta.”
A lesão afectou o movimento dos quatro membros e João Silvestre ficou tetraplégico. “Tive uma recuperação de oito meses, onde não foi nada fácil saber que tinha de lidar com a minha condição física e estar noutro país, foram dois factores nada bons. A parte positiva nisto tudo é que foi na Suíça, tinha umas condições brutais”.
Os primeiros dois anos, admite, foram de aceitação. A mente demora mais a adaptar-se que o corpo, e João Silvestre considera que, para melhorar, também contribuiu a sua tenra idade. Aos 28 anos, continuou a sair com amigos, o que ainda acontece, já com 39. “Se fosse aos 60 ou aos 70, era muito pior.” É mesmo “fundamental” sair de casa e espairecer a mente, para lidar melhor com a nova realidade em cadeira de rodas.
João Silvestre tem actividades todos os dias, com três sessões semanais de fisioterapia e duas idas ao ginásio. “Às vezes, vou para Leiria e não tenho qualquer motivação para ir à fisioterapia. Mas tenho de sair de casa, é fundamental.”
Esta condição, contudo, não lhe retirou a vontade de partir em aventuras. Na garagem de casa, no Juncal (Porto de Mós), tem um buggie sempre pronto para arrancar, e também não perde um fim-de-semana fora com amigos.
Numa destas saídas, também já viu um amigo a mergulhar numa piscina e a bater com a cabeça no chão, mas, felizmente, só ficou com “a marca na testa”.
“Acredito que [as pessoas] se lembrem dos perigos, têm de ter essa preocupação, mas quando lá estão, acontece só aos outros. Penso que funciona um bocado assim. Já há muito mais alertas para este tipo de situações, as pessoas estão mais informadas, mas isto é num piscar de olhos”, observa.
Foi também num milésimo de segundo que Pedro Freitas viu a sua vida a mudar. Em 1995, era um “estudante normal” com 20 anos, a frequentar o curso de Informática de Gestão no antigo ISLA (Escola Superior de Leiria).
Em pleno mês de Agosto, foi à praia de Água de Madeiros, no concelho de Alcobaça, que na altura ainda não era vigiada.
“Foi menos de um milésimo de segundo e, embora nunca tenha perdido os sentidos e tenha ficado a boiar de cabeça para baixo, não consigo saber se bati na areia, se foi da onda”, explica este leiriense.
Imediatamente, deixou de conseguir movimentar o corpo do pescoço para baixo e ficou a boiar dentro de água, enquanto ninguém percebeu que estava em apuros.
“O meu pior dia não foi a 6 de Agosto, quando dei o mergulho, porque ainda não sabia o que tinha acontecido. O mais infeliz foi o 7 de Agosto, o dia a seguir”, lembra, quando percebeu que nunca mais voltaria a andar.
A lesão aconteceu na vértebra C4 e C5 e, após o acidente, seguiram-se dois meses no Hospital dos Covões, de onde saiu para passar um ano em recuperação no Hospital Nacional de Paraplégicos, em Toledo.
No regresso a casa, passou mais 15 anos com idas frequentes à fisioterapia, que não serve para melhorar, mas sim para não piorar. “Se não mexermos, ficamos piores”.
Convidado a deixar uma mensagem para quem não presta atenção aos cuidados a ter nos mergulhos, Pedro Freitas, hoje com 50 anos, é pragmático. “Divirtam-se ao máximo. Só vivemos esta vez e, se é para viver, que seja ao máximo. Se não for para nos divertirmos e aproveitarmos o melhor que isto tem, não vale a pena.”