Em Ansião, acontece este fim-de-semana, um festival que junta curiosidades naturais e científicas, património natural e cultura, numa pedreira abandonada, transformada em sala de concerto.
O Estratos resulta de um encontro e convergência de saberes entre dois homens da ciência e da música. João Forte é o geógrafo físico, e Paul Johnson é biólogo e músico, nascido em Liverpool, no Reino Unido. Ambos são residentes no concelho e querem partilhar a paixão pela arte e ciência, neste espectáculo comunitário.
Nos dias 11 e 12 de Julho, a partir das 19:30 horas, João Forte promete um “mergulho na história com alguns milhões de anos”, aproveitando a oportunidade proporcionada pela antiga exploração mineira, que se apresenta como uma janela para o passado do planeta Terra.
“Temos planeadas várias actividades, entre elas um storytelling, numa linguagem acessível, sobre alguns dos pontos mais importantes da pedreira, onde falaremos de fósseis e formações geológicas com milénios de existência, num cenário de muito interesse geológico.”
Estão previstas duas sessões por dia, cada uma com duas horas de duração. A lotação está limitada a 50 pessoas, na “pedreira da Britaltos”, que conta com alguns hectares de extensão, e fica situada no limite da Zona Industrial do Camporês, já no território da freguesia de Chão-de-Couce.
“O João acredita que, para que o público entenda bem a ciência, precisa de a entender como um conto. E é nisso que também creio. Temos de explicar a ciência de uma maneira que toque as pessoas e que lhes faça sentido”, diz Paul Johnson, que também é músico e trabalha com teatro, interessando-se pelo uso e integração destas disciplinas na paisagem, na arquitectura e exploração de espaços.
“Ao invés de a música ser algo que existe sozinha, no espaço, sem vínculos ao ambiente circundante. Também sou adepto da ideia de fazer música com as pessoas, de as convidar a participar, de as convidar a envolver-se e trabalhar em locais insólitos, fazendo coisas fora da sua zona de conforto, ajuda a atingir estes objectivos, pois torna o público mais aberto a estas experiências”, descreve, recordando que a separação entre arte e ciências é um fenómeno muito recente. “As grandes mentes dos séculos anteriores eram artistas e cientistas. São diferentes formas de explorar o mundo onde vivemos, mas não estão irremediavelmente separadas.”
Com esta ideia em mente, Paul tem testado estes conceitos em ambiente real. Tem levado grupos de pessoas a caminhar pela paisagem e, em simultâneo, apresenta-lhes “antigos” novos instrumentos e as formas de os tocar.
O acerto de ideias com João Forte foi, nas suas palavras, “um bom entrosamento de conhecimentos”. “Ele estava a trabalhar numa zona de pedreira abandonada aqui perto de Ansião, que o município autorizou a usar como espaço multidisciplinar educacional. Pareceu-nos um bom local para organizar um evento!”
Pedreira transforma-se em sala de concertos
João Forte recorda que propôs à autarquia recuperar a antiga pedreira de extracção de calcário, abandonada há 30 anos, pelo seu interesse geológico e potencial para acolher eventos de divulgação da ciência e cultura. E foi assim que se chegou a esta primeira “edição de teste e validação do conceito” do Estratos. O prazo para pôr tudo de pé foi curto, mas os organizadores abraçaram o desafio, apesar de também reconhecerem que têm um orçamento bastante pequeno para tudo aquilo que aspiram realizar.
Viagem ao centro da Terra
O músico dá-nos a mão e leva-nos, descrevendo a entrada no Estratos. Antes de se iniciar o percurso artístico, algumas medidas de segurança, necessários devido à natureza do local. “Partiremos da estrada de acesso e descemos, através de camadas e camadas de rocha. Basicamente, estaremos a mergulhar em história geológica. Culturalmente, faremos um percurso semelhante. Os visitantes descerão e nós estaremos a tocar alguns géneros de música tradicional portuguesa, em vários locais. Teremos música com instrumentos convencionais, que poderemos ver numa filarmónica e dança folclórica, mas, à medida que aprofundamos a caminhada para o passado, escutaremos música portuguesa muito antiga e que será uma novidade para a maioria.”
É o caso de alguns poemas e cantigas de amor e amigo escritas pelo rei D. Dinis ou das Cantigas de Santa Maria, uma das obras mais importantes e valiosas da Idade Média na Península Ibérica, especialmente em Portugal e Espanha, numa vasta colecção de mais de 400 composições poéticas e musicais, escritas em galaico-português.
Os instrumentos também acompanharão esta travessia temporal, à medida que a viagem no tempo se processa. Os metais darão lugar às cordas, às sanfonas, às gaitas, flautas de cana e bombos que, por sua vez, serão substituídas por cornetas feitas de corno de animais, conchas e outros instrumentos fabricados a partir de materiais simples, encontrados na natureza.
Ao chegar ao final do percurso, haverá uma artista que explorará diferentes tradições de emprego da voz, enquanto instrumento musical. “Esta cantora cria a sua própria linguagem e é como se estivéssemos a escutar algo muito antigo. Teremos as últimas peças musicais, que são muito antigas e muito luminosas, que reflectem a ideia de, culturalmente, olharmos para trás e para o passado, enquanto viajamos pelos estratos de rocha.
A participação no Estratos é gratuita, contudo, é necessário reservar um lugar, através do número de telefone 933 124 101.