Retratos de vários bispos, paisagens urbanas ou pinturas do Castelo de Leiria e da Torre Sineira fazem parte de um vasto portfólio de Saul Torcato, um agente da PSP de Leiria e pintor autodidacta.
A obra mais recente foi oferecida na semana passada, ao bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança, Sérgio Dinis: um retrato fiel do prelado.
Antes já tinham sido presenteados com a beleza do traço de Saul Torcato, o actual cardeal António Marto, o bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, e o agora Patriarca de Lisboa, Rui Valério. Todos foram retratados por Torcato, a pedido dos comandantes distritais da PSP de Leiria.
Com um papel e uma caneta – de preferência a sua mágica – por perto, Saul Torcato dá asas à imaginação e deixa os seus rabiscos por onde passa. As suas obras têm traço a óleo, guache, tinta da china ou pastel.
As cores quentes são as suas preferidas nos desenhos coloridos, que nascem da sua criação. A paixão pela arte começou em França, onde cumpriu parte da escolaridade.
“Sempre gostei das artes, de desenhar e pintar, mas nunca fui incentivado. Só há pouco tempo descobri um diário do meu tio [irmão da mãe falecido] com vários rabiscos. Mas nunca o conheci”, revela, ao afirmar que os pais nunca ligaram aos seus desenhos. Foi sempre autodidata. Chegou a inscrever-se em Belas Artes, mas os turnos na polícia, onde está há quase 37 anos, não eram compatíveis.
Recusa a palavra dom. Apenas aceita que a pintura lhe sai naturalmente. “A pintura esteve sempre dentro de mim. O aperfeiçoamento vem com a prática.” Ao longo da vida foi aprendendo com a experiência, mas também com vários artistas com quem se cruzou, entre os quais Hirondino Pedro, Salanga Ricardo ou Gama Diniz. Salvador, o artista que vagueia pelas ruas de Leiria, ensinou-lhe a técnica de pintar à mão livre, passando com café ou vinho.
Pelos restaurantes e cafés da região há muitos rabiscos, como lhes chama, espalhados. Entre o café e o pagamento da conta, Saul Torcato, 58 anos, começa a desenhar instintivamente no papel de mesa. Já aconteceu voltar ao estabelecimento e encontrar os seus desenhos emoldurados.
Sensibilidade de polícia
O seu lado artístico mostra que um polícia tem sensibilidade e sentimentos. Não é apenas aquele que leva preso e passa multas. “Vejo a sociedade de uma forma capaz de suavizar o mal. Nas abordagens às pessoas, tenho uma sensibilidade muito minha. Tive 18 anos no trânsito, vi muita coisa má em acidentes de viação. Tenho muitas mortes no meu palmarés e isso marca”, revela, sublinhando a importância que dá ao diálogo.
A arte ajuda-o a abstrair-se de tudo. “É fraccionante, cria ruptura e envolve-nos num turbilhão enorme de sentimentos. Faz renascer algo do caos. É uma liberdade, um desapego, uma abstração da realidade. É dar continuidade a nós próprios”, acrescenta, ao referir que é uma forma de perdurar vivo após a morte.
Saul Torcato nunca abordou o crime na sua arte, mas admite já lhe terem surgido ideias sobre como representar a “miséria humana” do seu ponto de vista, que considera diferente de outros, tendo em conta a sua profissão.
A arte pode também ajudar criminosos, porque “tira o foco de outras coisas e vai reestruturar a pessoa enquanto ser humano e construir uma sociedade melhor”.
Além de pintor, Saul Torcato é saxofone tenor na Sociedade Filarmónica Senhor dos Aflitos, no Soutocico. “O que gostava muito de fazer era juntar os artistas numa espécie de tertúlia, onde todos pintavam juntos e partilhavam ideias.” É uma meta a concretizar, talvez depois de se reformar…