Descobrir o mundo tem sido a paixão de José Louro da Costa, natural de São Martinho do Porto. Aos 74 anos, aposentado da TAP, companhia aérea onde foi tripulante de cabine durante quatro décadas, José continua a ocupar o seu tempo livre com viagens.
Na sua autocaravana percorre quilómetros de terra “sem destino”. No mar, cruza ondas onde encontra o prazer da pesca.
“O mar foi a primeira rede social, quando, nos seus barcos, os navegadores ligaram povos de vários lugares”, salienta José. E é neste domínio que o septuagenário se tem focado nos últimos tempos, com a construção da sua xavasca.
Xavasca? E o que é isso afinal? Trata-se de uma pequena embarcação [LER_MAIS]feita de madeira, que já foi icónica em São Martinho do Porto, mas que desapareceu por completo da baía. Estes pequenos barcos, leves, de forma arredondada à poupa e à proa, eram usados na arte xávega, e possuíam tais características para navegar naquelas águas de fundo raso, recorda José.
“Com todo o tempo do mundo” e aproveitando que Agosto foi um mês de sol envergonhado, José resolveu colocar em prática tudo aquilo que aprendeu com o seu pai. Filho de carpinteiro, recorda-se ainda dos tempos da serração, onde chegou a ajudar os mais velhos, desde o apanhar das madeiras, na floresta, até ao corte das peças.
Agora, foi a sua vez de empregar todo esse saber na construção de uma xavasca. Serviram-lhe também de inspiração antigas fotografias, bem como alguns desenhos adquiridos junto do Museu da Marinha, conta José.
Após um mês de trabalho, os resultados agradam ao construtor. A embarcação tem 2,5 metros de comprimento, 1,15 metros de largura e 40 centímetros de pontal. Tem capacidade para transportar duas ou três pessoas, explica José.
Concluído o trabalho com as madeiras, a xavasca já esteve mergulhada no mar. “O sal impede que ganhe bicho. Aprendi com o meu pai.” Agora, a secar no jardim, o pequeno barco prepara-se para ser hidratado com óleo de linhaça. A pintura será o último passo do processo e José já escolheu os tons com os quais adornará a embarcação. Branco e azul. No próximo Verão, a xavasca estará pronta para assegurar o transporte entre um velho bote de 110 anos (também pertença de José), fazendo a ligação entre o mar e a praia de São Martinho do Porto.
Houve tempos em que a baía tinha muitas xavascas, que pescavam carapaus e robalotes que por ali se davam, recorda o septuagenário. Agora, talvez resistam alguns destes barcos, já degradados, fechados em armazéns. A sua nova embarcação devolverá um pouco de tradição a São Martinho do Porto, conta ao nosso jornal, com satisfação. “Portugal é um País de mar, de marinheiros e barcos. Esta é a minha forma de contribuir para a preservação da nossa memória.” “É uma pena que em Alcobaça o poder local não incentive a preservação deste tipo de embarcação. Poderia fazê-lo através de parcerias com clubes náuticos”, propõe.
“Os turistas não vêm só pelo mar e pelo sol. Vêm também pelo conforto, pelas paisagens e pelas actividades típicas”, salienta José, que dá como bom exemplo a prática de alguns territórios do distrito, como as Praias da Vieira (Marinha Grande) e do Pedrógão (Leiria), onde a arte xávega se mantém viva e dignificada.