Dezenas de obras, muitas delas inéditas, vão contar um pouco da história do contexto fabril de Leiria e da Marinha Grande, no final da Segunda Guerra Mundial, numa exposição no m|i|mo -museu da imagem em movimento, que irá decorrer até ao dia 15 de Junho de 2025.
Manuel Filipe, Tereza Arriaga e Jorge de Oliveira são os protagonistas de Artistas na Fábrica, que reúne um conjunto de trabalhos, num evento idealizado pelo falecido historiador João Bonifácio Serra, que as comissárias Raquel Henriques da Silva e Emília Margarida Marques concretizam.
Com inauguração no próximo sábado, dia 15, trata-se de uma exposição de artes plásticas, que procura evidenciar os contextos sociais, laborais e industriais que interpelaram os artistas e que os transmitem através das suas obras, “sem esquecer a ligação destes elementos ao percurso biográfico de cada um dos autores documentados”, refere Emília Margarida Marques.
Raquel Henriques da Silva acrescenta que esta exposição tem uma particularidade: “normalmente no nosso neo-realismo, os heróis são sempre camponeses e, quanto muito, pescadores”, mas estas obras focam-se nos operários fabris.
“Este é um trabalho desenvolvido por iniciativa própria de dois artistas, então muitos jovens. A Tereza Arriaga, que interrompe o curso que estava a fazer em Belas Artes, em Lisboa, e vai trabalhar como professora de desenho industrial para a Marinha Grande. Impressiona-se muitíssimo com o trabalho das crianças operárias e faz um conjunto de desenhos”, começa por explicar Raquel Henriques da Silva.
A artista “andou pelas salas da fábrica e desenhou, de uma forma mais esboçada, uma série de atitudes e trabalho”. “Este conjunto de desenhos da Tereza, realizados em 1945, tem uma qualidade plástica extraordinária. São belíssimos do ponto de vista estético. Os retratos dos meninos são carvões e mostram a chaga social de então, que era o trabalho fabril de crianças”, destaca.
Jorge Oliveira, “que andava também muito incerto no curso de Belas Artes”, viria num Verão a Leiria, de onde é natural, e “vai durante uns meses para a fábrica Maceira-Liz, onde faz um conjunto de desenhos”, revela Raquel Henriques da Silva.
A obra de Jorge Oliveira é, “do ponto de vista plástico, muito moderna e inovadora, entre um futurismo e, às vezes, a roçar a abstração”. As comissárias entenderam acrescentar um terceiro artista. Manuel Filipe, que foi vice-reitor do Liceu de Leiria e era “um homem muito activo cultural e politicamente”.
“Faz uns célebres trípticos – vamos expor apenas um -, que representam operários na fábrica. Mas enquanto as fábricas da Tereza e do Jorge são concretas, a do Manuel Filipe é idealizada, que mostra a exploração, a dureza e a brutalidade do trabalho em fábrica. São desenhos mais de denúncia social do que os outros, mas não tão comprometidos com nenhuma situação concreta”, constata Raquel Henriques da Silva.
Esta é também uma “exposição documental”, reforça Emília Margarida Marques. “Houve a preocupação de se contextualizar o trabalho dos três artistas e as obras em si”. Esta investigadora revela que procuraram, “através de uma diversidade assinalável, materiais, imagens, documentação escrita, tanto transcrita como em áudio, e cinema documental da época”.
“A documentação escrita inclui desde epistolografia, (correspondência), artigos escolares, documentação da gestão industrial de 1944/45, arquivo e até alguns utensílios de trabalho”, precisa Emília Margarida Marques.
Exposição idealizada por Bonifácio Serra
Raquel Henriques da Silva explica que esta exposição surge na sequência de uma outra que decorreu no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira, em 2021, de que a historiadora era responsável. João Bonifácio Serra foi co-comissário da exposição Representações do Povo, para o núcleo de Tereza Arriaga.
“Decidimos que iríamos fazer uma exposição de desenvolvimento sobre o tema e juntando-lhe um outro artista, o Jorge Oliveira. O João começou a trabalhar a ideia, muito entusiasmado e teve um primeiro flash nessa exposição”, conta. Depois da morte de Bonifácio Serra, a Câmara de Leiria desafiou Raquel Henriques da Silva a assumir a exposição idealizada pelo historiador. “Portanto, esta exposição é uma homenagem ao João Serra. Foi um trabalho iniciado com ele.”
Para Emília Margarida Marques, “a exposição tem muita densidade, é muito rica e apresenta muitas narrativas, desde logo, as obras de arte extraordinárias”, sendo “a primeira vez que são expostos todos estes conjuntos, nomeadamente as obras de Tereza Arriaga”.
Por isso, será um evento para “ver e rever”. “Cada um terá de explorar ao seu ritmo. Espero que as pessoas vão e voltem. Aproveitem, fruem, que seja um espaço de promoção plástica e artística e também, por outro lado, um recurso educativo para as escolas e para todos nós.”
Nesse sentido, as comissárias tiveram a preocupação de ter “presente elementos de interpretação nos textos, com legendas” e há também elementos que podem ser explorados “de maneira mais interactiva”. Será uma “viagem no tempo” que permitirá conhecer um período da história da região.
“É uma circunstância histórica, com muitas características dos artistas, que eram jovens na altura, com a ligação às questões da liberdade e da justiça social, que os interpelavam.”