Não tem cura e o glúten é o grande inimigo. O único tratamento é eliminar totalmente aquela proteína da alimentação. Parece fácil mas não é. O doente celíaco não só tem de se preocupar em comer produtos isentos de glúten como tem de ter a garantia de que não há qualquer contaminação até serem consumidos. Um simples contacto pode causar graves problemas.
O silêncio da doença é outro dos grandes problemas. Segundo a Organização Mundial de Gastroenterologia (OMG), há pessoas que não sentem quaisquer sintomas, o que não impede de apresentarem danos por atrofia das vilosidades no intestino delgado. “Estudos mostram que, embora pensassem que não tinham sintomas, depois de seguirem uma dieta rigorosa sem glúten, relatam uma melhor saúde”, refere a OMG.
Ao contrário dos sintomas clássicos, que passam por má absorção, incluindo diarreia e perda de peso ou deficiência de crescimento em crianças, na doença celíaca não clássica, os pacientes podem apresentar sintomas gastrointestinais leves, sem sinais claros de má absorção ou até sintomas aparentemente não relacionados.
Casos sub-diagnosticados
Estima-se que em Portugal existam 100 mil celíacos, mas apenas 15 mil estarão diagnosticados, alerta ao JORNAL DE LEIRIA a presidente da Associação Portuguesa de Celíacos (APC), Susana Tavares. As causas para o sub-diagnóstico são várias, entre as quais aquelas que se confundem com problemas gastrointestinais e o facto da comunidade médica ainda não estar muito sensível, confessa Susana Tavares.
“Esta é uma doença que os médicos ainda não conhecem bem e, por isso, não pensam nela quando a apresentação de sintomas do doente não é a clássica, sendo que o padrão clássico já deixou de ser o mais comum, mas sim o atípico, e, por isso, cada vez mais faz sentido que o médico ponha esta hipótese de diagnóstico à cabeça perante algumas situações”, reforça Sónia Gonçalves Pereira, investigadora.
Esta é uma doença auto-imune, que pode não dar sintomas, mesmo tendo o gene. “Desconhece-se ainda o factor que espoleta a doença”, afirma a presidente da APC, que tem um filho celíaco e o marido com o gene, mas ainda sem manifestações.
Viver como celíaco
A vida social dos doentes celíacos é condicionada pela falta de restaurantes certificados em Portugal. Filipa Dinis, 19 anos, é celíaca desde os 4 anos. Estudante de Medicina e campeã nacional de salto com vara sub-20, confirma que não é fácil crescer com as restrições alimentares. “Ir a festas era complicado. Afecta-nos, sobretudo, esse lado da exclusão social. Em Lisboa, já encontro menus inclusivos, mas, quase sempre muito mais caros.”
O problema, salienta, não é só garantir que os produtos são isentos de glúten, pois um bife com arroz é uma refeição adequada para celíacos. “Há que ter em atenção a contaminação cruzada na confecção. Basta o uso do mesmo talher”, explica.
Por isso, vai menos vezes ao restaurante com amigos, apesar da compreensão dos que lhe são chegados, que tentam optar por locais onde possam ir todos. Joyce Zanker, nutricionista e doente celíaca diagnosticada desde os 17 anos, também enfrenta as mesmas dificuldades e aponta ainda a falta de informação e de compreensão.
“Há muito aquela ideia: come só um bocadinho que não te vai fazer mal ou pensam que estamos a fazer uma dieta da moda. Há jantares fora que não vou, porque não há muitos restaurantes que conheçam a doença e saibam os cuidados a ter para evitar a contaminação cruzada”, constata.
Os sintomas até podem não ser visíveis, mas o perigo escondido está lá. Não foi fácil gerir o problema na fase da adolescência. Quando os amigos iam almoçar fora, ela ficava na cantina, onde sabia que a refeição era realmente isenta de glúten.
Dieta menos saudável
A dieta celíaca é menos saudável, aponta, justificando com o processamento que é dado à maioria dos produtos. “A oferta, além de cara, é limitada e menos interessante do ponto de vista nutricional. Tem mais açúcar e gordura. Fazer uma alimentação saudável não é fácil.” Curiosamente, a maioria das cadeias fastfood têm alimentos validados pela APC. Não são certificados, porque, não é possível garantir que durante a confecção não há qualquer contaminação.
Como nutricionista, Joyce Zanker recomenda alimentos naturalmente isentos de glúten como a batata, o arroz, a carne (atenção à carne já picada, que pode estar contaminada) e o pescado frescos, frutas e hortícolas. A leitura dos rótulos é obrigatória em tudo o que é embalado, “mesmo em produtos inocentes”. Até uma simples bica pode conter glúten, pois “há estabelecimentos que juntam cevada ao café”.
Joyce Zanker apela a uma maior atenção à doença celíaca e à necessidade de serem disponibilizadas opções mais saudáveis sem glúten. A promoção da dieta mediterrânica pode vir a ser uma solução para os doentes celíacos, afirma, ao revelar que está a desenvolver um estudo com Sónia Gonçalves Pereira sobre o impacto desta dieta.
Susana Tavares garante que a APC vai continuar a lutar junto do Governo e Parlamento para que os produtos para celíacos sejam isentos de IVA e para que a doença seja considerada crónica.