Praticamente todas as creches e jardins de infância na região estão lotados e a lista de espera para a entrada de novas crianças é extensa em muitos dos estabelecimentos. Os pais desesperam sem respostas para quem cuide dos filhos na hora de regressar ao trabalho.
A licença parental chegou ao fim. Seis meses depois de ser mãe pela segunda vez, Ana Graça tem de regressar ao trabalho. No entanto, arranjar vaga numa creche revelou-se uma tarefa verdadeiramente impossível.
Esta mãe contactou todas as creches da zona de Leiria e até da Marinha Grande, públicas e privadas. A resposta foi sempre a mesma: não há lugares disponíveis.
O filho mais velho está num infantário perto de casa, mas nem essa situação beneficiou a jovem mãe, que há meses procura uma solução. “Todos me disseram que as salas já estavam fechadas e remeteram para o início do ano lectivo.
Na aplicação Creche Feliz só encontrei uma vaga na freguesia da Caranguejeira, mas não me fazia sentido, tendo em conta que moro em Regueira de Pontes e trabalho em Leiria”, revela.
Ana Graça procurou alternativa junto das quatro amas credenciadas pela Segurança Social, em Leiria. A resposta foi a mesma: todas as vagas ocupadas. “Só para Setembro, eventualmente”, adianta.
Sem desistir, esta mãe contactou ainda outras amas inscritas na Segurança Social, mas sem sucesso. A solução provisória acabou por surgir junto de uma amiga da sua mãe. “Confesso que é difícil deixar a minha filha com alguém que não conheço bem.”
A criança está inscrita no mesmo estabelecimento do irmão desde que Ana Graça engravidou. No entanto, chegado o momento de entrar na creche, só em Setembro poderá ter vaga. E sem garantias. Em 2020, quando o filho mais velho nasceu, esta mãe não teve qualquer problema em encontrar uma vaga numa creche em Regueira de Pontes.
Por isso, admite que a gratuitidade disponível para todos através do programa Creche Feliz veio ocupar muitas vagas que antes estariam disponíveis para quem realmente precisava.
O mesmo tormento tem passado Bruna, 28 anos. Esta brasileira a viver em Leiria, tem a seu cargo uma criança de 10 meses, depois de se ter separado do pai da criança. Apenas tem por perto uma irmã, que também trabalha.
“Já me inscrevi em todas as creches, contactei-as directamente e na aplicação Creche Feliz não há vagas. Preciso de trabalhar e não sei onde deixar a criança”, desespera a jovem.
Esta mãe já recorreu à Segurança Social e à junta de freguesia da sua residência, mas sem sucesso. “A minha irmã está de momento de férias e é ela que tem ficado com meu filho. Quando ela voltar ao trabalho não sei como vai ser. Não posso pagar 400 euros numa ama”, lamenta.
Empregada numa loja, Bruna trabalha por turnos, com folgas rotativas. “Preciso de trabalhar, mas sem solução terei de deixar o trabalho. Estou a viver uma situação mesmo muito complicada.”
Vagas não chegam para a procura
Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (não cooperativo) (ACPEEP), incluindo Jardins de Infância e os primeiros ciclos do Ensino Básico, confirma ao JORNAL DE LEIRIA a falta de vagas na região de Leiria, que acompanha a dificuldade no País.
“As renovações que abriram para Setembro estão preenchidas. Já há novas lista de espera. A falta de vagas tem sido um problema para os pais”, constata, ao reconhecer que a falta de vagas se agudizou com o aumento da chegada de estrangeiros. “Os imigrantes também têm filhos e necessitam de creche para eles, aumentando a procura. Este é um reflexo que também se verifica no pré-escolar e 1.º ciclo.”
Também Susana Batista admite que a gratuitidade da creche contribuiu para a limitação das vagas. “Metade de algumas crianças não estavam na creche, porque não havia capacidade financeira para pagar no privado e agora estão”, afirma.
A presidente da ACPEEP considera que é injusto não haver vagas a meio do ano lectivo, mas os lugares ficam preenchidos em Setembro e só em caso de alguma desistência, habitualmente, por mudança de residência, é que podem surgir vagas a meio do ano.
Susana Batista adianta que há pais que se predispõem a pagar um valor para reservar a vaga até à criança entrar na creche. No entanto, com a Creche Feliz não é possível manter uma vaga aberta sem a criança a frequentar. “O que tem acontecido é as famílias tentarem encontrar alguém que possa ficar com a criança até ter vaga na creche. Temos já inscrições para Setembro de 2025.”
Para dar resposta ao incremento da procura, o Governo publicou uma portaria que prevê o aumento de duas crianças por sala, nos infantários que reúnam as condições para tal, nomeadamente uma área suficiente por criança que garanta a qualidade da resposta.
Outra medida anunciada visa “facilitar a reconversão automática de espaços previamente dedicados à área de infância para salas de creche, desde que salvaguardadas naturalmente as questões de segurança e de conforto das crianças, bastando uma comunicação ao Instituto de Segurança Social para o efeito”. Susana Batista considera que esta medida foi “uma ajuda” pois aumentou o número de vagas”, mas não a solução do problema.
Segundo a presidente da Associação, há duas soluções prementes que poderiam ajudar, como a reformulação dos contratos de desenvolvimento aplicados à rede privada, “de forma a ser exequível a todos os pais terem as crianças no infantário”.
Nascimentos aumentam
O distrito de Leiria registou 3.308 nascimentos em 2023, mais 128 recém-nascidos do que no ano anterior, segundo dados do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, com base no número de testes do pezinho. Em 2021, tinham nascido 2.964 bebés, um valor muito abaixo dos 3.361 nascimentos em 2016, o maior número registado nos últimos dez anos.
De acordo com o Diagnóstico Social 2022-2025 da Câmara de Leiria, elaborado em 2022, era já apontada a insuficiência de resposta Creche da Rede Solidária no concelho, registando-se uma lista de espera de 338 crianças em creches da rede solidária e 173 no privado, em 2021, últimos dados divulgados no referido relatório social.
Em 2023, o Município de Leiria informou ao JORNAL DE LEIRIA que apoiou 83 crianças no âmbito do programa Creche para Todos, num total de 74.026 euros.
O Governo socialista de António Costa lançou o programa Creche Feliz, que permitiu o acesso gratuito a todas as crianças a partir de 2022. Neste primeiro ano, a medida aplicou-se apenas às crianças nascidas desde 1 de Setembro de 2021.
Em 2023, a gratuitidade alargou-se a todas as crianças. Inicialmente, também estava previsto que as vagas gratuitas fossem apenas em instituições dos sectores social e solidário, mas posteriormente o Governo alargou a medida às creches do sector lucrativo.
Com esta medida, “o Estado deixa de apoiar exclusivamente as famílias de mais baixos rendimentos, que estavam no primeiro e no segundo escalão – que já tinham as creches gratuitas no sector social desde o ano passado –, mas passa a abranger todas as crianças independentemente do rendimento das famílias e, portanto, passa a ser uma medida de natureza universal”, referiu o primeiro-ministro ao Público, em 2022.
Para Susana Batista, os estabelecimentos têm as vagas estranguladas, pelo que defende que o PARES – Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais seja alargado ao sector privado, permitindo assim financiar a construção de novas salas ou até novas creches.
“Alguns estabelecimentos ainda estão a recuperar da pandemia de Covid. E não temos capacidade financeira, se não houver um financiamento pelo Estado, para avançar com remodelações ou novas construções”, assegura a presidente da ACPEEP.
Susana Batista assume a preocupação com as crianças a partir dos 3 anos, que perdem a gratuitidade no programa Creche Feliz. Ou seja, entre os 3 e os 5 anos não há qualquer apoio do Governo para a frequência das crianças no pré-escolar, onde apenas a rede pública é gratuita, mas sem vagas que respondam à procura. Muitas são as famílias que terão sérias dificuldade em conseguir pagar uma mensalidade que ronda, muitas vezes, os 300 euros.
“Preocupa-nos a falta de continuidade do projecto educativo dessas crianças. Há 20 anos existia o contrato de desenvolvimento que o Estado celebrava com todos os jardins de infância do sector público e privado, para apoiar as famílias de baixo rendimento, reduzindo a mensalidade, de acordo com os rendimentos do agregado familiar. No entanto, esse acordo terminou em quase todos os estabelecimentos.”
Creche Feliz
Prioridades no acesso