A Incubadora D. Dinis, com a qual se fundiu a Startup Leiria, começou a ser delineada há precisamente 20 anos. O papel das incubadoras modificou-se ao longo destas décadas?
Sim, porque também o panorama em termos de empreendedorismo foi mudando. A nossa, em concreto, mudou e muito. Quando foi criada, há 20 anos, por três associados fundadores, que foram o Instituto Politécnico de Leiria, a Câmara Municipal de Leiria e a Nerlei, pretendia começar a estimular um espírito de empreendedorismo na região. Hoje, tendo em conta o rápido desenvolvimento das novas tecnologias, a Inteligência Artificial, etc., também o tipo de competências dentro das incubadoras é diferente. E precisamos de nos adaptar muito mais rapidamente do que acontecia no início da vida destas incubadoras.
Que ambiente diferenciador se respira hoje na Startup Leiria?
Eu diria que, para já, é a nossa equipa. É a melhor coisa, o melhor activo que nós temos. A equipa que temos, a liderança que temos, marca uma diferença muito grande. Fizemos a fusão há cerca de três anos, entre a IDD, que era uma incubadora, e a Startup Leiria 1.0, que era uma aceleradora. E, desde então, tivemos um crescimento acentuadíssimo. Temos uma dinâmica que é de registar. Eu diria que a característica diferenciadora é a equipa motivada que temos, trabalhadora. Gostamos de nos apelidar de givers. Ou seja, acabamos por incluir na nossa missão, no nosso plano de actividades, não só a questão da criação de valor, ajudar as empresas da região a criar valor, mas queremos dinamizar um ecossistema que ajuda a fomentar a felicidade. Não só da equipa, que gosta de trabalhar aqui, mas também dos nossos empreendedores, que querem crescer, querem criar valor, querem ter negócios com sucesso e, acima de tudo, felizes.
Esse sucesso traduz-se em números concretos?
Sim. Já apoiamos várias centenas de projectos, de empresas, de startups, desde que fomos criados. Por exemplo, 2023 foi o melhor de todos estes 20 anos. Tivemos crescimento bastante acentuado em termos de resultados financeiros. Mas, mais do que os resultados[LER_MAIS] financeiros – porque nós somos uma associação sem fins lucrativos – o que nos importa registar é a actividade que está por detrás desses números, desse volume de negócios. Terminamos o ano com 130 projectos incubados, entre incubação física, virtual, incubação de ideias. Neste momento, já temos mais. O sucesso também se traduz na qualidade dos projectos que temos vindo a ter no nosso ecossistema. Ao longo de 20 anos, é um volume de negócios de vários milhões de euros e várias centenas de postos de trabalho criados. Temos algumas empresas connosco que já têm várias dezenas de colaboradores, já são scale-ups. E, acima de tudo, são empresas com valor acrescentado, com trabalhadores altamente qualificados. Algumas delas com muitos doutorados a trabalhar. Portanto, estamos a falar de geração de valor e de criação de emprego qualificado. O que para a região é muito bom.
E quais são as áreas de negócios onde mais startups têm surgido?
Desde que fomos criados, temos como foco, sobretudo, as TICE, que vão desde a área da saúde, jogos… É o nosso foco e a maioria enquadra-se neste género, embora não recusemos nenhum tipo de negócio. A nossa postura é perceber se tem a capacidade de se afirmar como projecto inovador, que possamos apoiar. Temos aqui, por exemplo, a Cricket Farming, um negócio que é agroalimentar, mas também temos projectos na área do empreendedorismo social.
Por que a razão, à excepção de plásticos e moldes, não surgem mais clusters nesta região?
É um bocadinho a característica do tecido empresarial em Portugal. A palavra cooperação não está no ADN das empresas. De qualquer forma, a sensação que temos neste ecossistema que nós pretendemos dinamizar, se calhar é um bocadinho diferente. Estamos a falar, muitas vezes, de projectos ainda em fase muito embrionária, que depois vão crescendo – uns vão morrendo, como é natural – num ecossistema. Nas ciências naturais, quando falamos em ecossistema, falamos de diferentes agentes, bióticos e abióticos, que cooperam entre si e que formam um todo harmonioso, um equilíbrio. Quando isso é apropriado pela área do empreendedorismo, temos diferentes entidades, diferentes agentes, com diferentes interesses, mas que interagem entre si. E, dessa interacção, sai um resultado harmonioso, equilibrado. É o que tentamos fazer na Startup Leiria. Vão criando sinergias. Portanto, sinto aqui algo diferente.
Que obstáculos levam à morte de alguns destes projectos?
Há vários motivos pelos quais algumas ideias não são viáveis. Ou porque precisam de ser amadurecidas, ou porque precisam de ter parceiros. Às vezes temos uma ideia que até é espectacular, mas, só nós, não temos as competências para a desenvolver com sucesso. Por exemplo, aparece alguém que tem competências na área da programação ou noutra área técnica também específica, mas depois faltam-lhe valências comerciais. E, por vezes, as pessoas não têm a capacidade – aí está a cooperação que referíamos – de pensar que o seu negócio só vai ter sucesso se se aliar a alguém. Noutros casos, por exemplo, nas áreas tecnológicas, há gigantes que estão a fazer projectos, que envolvem montantes de investimento muito avultados, e alguns dos pequenos projectos que estão a ser desenvolvidos aqui são absorvidos ainda em fases muito iniciais. E às vezes há ideias sobre as quais tínhamos grandes expectativas, mas acontece qualquer coisa e o dono do projecto desinteressa- -se. Os motivos são vários. Mas é natural que também aconteça. Nós ajudamos os projectos a ultrapassar o “vale da morte”, que é natural acontecer no empreendedorismo. Também na incubadora neonatal, nos hospitais, cria-se um ambiente para ajudar o bebé que, por si só, não tem condições para sobreviver. Portanto, serve para aumentar a taxa de sobrevivência. Isso é o que nós fazemos aqui. Isso não significa que todos vão sobreviver. Mas sabemos que, muitos destes negócios, se não estivessem incubados connosco, não teriam sobrevivido.
Sustentabilidade, políticas de ESG, descarbonização, são todas máximas hoje muito utilizadas. Mas estão as nossas empresas efectivamente preparadas para estes desafios?
Sim. Muitas destas startups até surgem para dar resposta a esses desafios. A Cricket Farming, por exemplo, surge para resolver um problema relacionado com as alterações climáticas, com a necessidade de alimentar, de forma sustentável, um conjunto cada vez maior de pessoas. Na área das florestas, temos o Forest for All, que é também uma startup, que surge para ajudar a gerir a floresta e uma forma mais sustentável. E a InBfusion está a produzir escovas de dentes com cabeças de material biodegradável, etc. Temos muitos exemplos. E temos nós mesmos participado em projectos de incubação e aceleração de ideias nessa área, como foi o caso do projecto nacional Eco Startup, onde participámos no ano passado com a Nerlei.
Num contexto de progressiva adopção de sistemas de automatização, de inteligência artificial, que riscos correm os recursos humanos?
É um receio que todos temos, não é? Qual é o nosso futuro, quando nos dizem que a inteligência artificial e esta nova revolução industrial que estamos a viver têm estas valências de poder fazer aquilo que o ser humano faz, podendo fazê-lo de forma mais eficiente, mais rápida. A preocupação foi comum a todas as revoluções industriais. Mas, como disse, nós temos aqui necessidade de muitos programadores, muitos doutorados, muitos recursos humanos bastante qualificados. Por detrás desses robôs, por detrás dessas tecnologias, haverá sempre humanos. Vão ser criadas novas profissões, que nós hoje ainda não sabemos quais são. E outras tendem a desaparecer. Vamos precisar cada vez mais de nos adaptar, de nos irmos requalificando. E aqui, na Startup Leiria, neste ecossistema, sentimos o borbulhar de adaptações constantes. Temos que ter esta capacidade de estar abertos a novas formas de trabalhar, a novos modelos de negócios, novos produtos. Vamos ter que nos ajustar.
O futuro da alta tecnologia levará, na sua óptica, a maior democratização do conhecimento, ou servirá para agravar desigualdades sociais entre aqueles que dominam a tecnologia e aqueles que não têm acesso a ela?
Neste momento há esse risco de agravar as desigualdades. Quem mais depressa dominar, vai ganhar uma vantagem competitiva e vai conseguir ter sucesso mais depressa. A sociedade vai ter de conseguir capacitar as pessoas dessas competências que são necessárias, sob pena de fazermos essa clivagem. Espero que também possamos, nós, startup, contribuir para colmatar esses eventuais problemas. Temos essa área, de incubadora de inovação social, com um nicho de empreendedores que têm por preocupação resolver problemas sociais, de combater o isolamento social dos idosos, etc. Acredito que vão ser criados dispositivos muito simples e que, com um carregar de botão, possamos ter um holograma, um assistente social que está ali na sala e que fala com o idoso.
Continuam a ser poucas as mulheres em lugares de liderança nas empresas. Que olhar tem sobre o assunto?
Se olharmos para o nosso panorama das empresas que temos incubadas, para os nossos conselhos de administração, é uma realidade. Não sei se se deve a nós próprias, mulheres, porque definimos prioridades de forma diferente. Apesar de termos evoluído nos últimos 50 anos, estamos a comemorar Abril, a mulher continua, não sei se por culpa dela própria, a chamar para si uma série de papéis, que não partilha de forma igual com o homem. Eu sou casada, mãe de três filhos e reconheço que, de facto, para algumas coisas, apesar da divisão de tarefas, continuo muito apegada a querer fazer uma série de coisas, a querer acompanhar, a querer estar. E isso dificulta a compatibilização de trabalho, carreira profissional, família. E também porque a sociedade impõe. Aponta o dedo. E depois, eu não sei se para liderarmos, se há características intrínsecas. Talvez queiramos evitar o conflito, talvez não gostemos de sair da nossa zona de conforto, de nos expor.
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