Prestigiada fábrica de vidro artesanal, que funcionou durante cerca de um século, na Marinha Grande, a Ivima encerrou há 25 anos. O JORNAL DE LEIRIA foi ao encontro de quem nela trabalhou e de quem por ela se bateu, até ao final.
Recordam o espaço dinâmico, berço de conhecimento para várias gerações de operários e lamentam o contexto de crise que lhe pôs fim. Reconhecem que é preciso preservar o edifício emblemático, enobrecido com causas sociais, como é o caso da creche, que está prestes a acolher.
Alfredo Poeiras conheceu a Ivima aos 19 anos. Fez parte do grupo de trabalhadores da Crisal que, em meados dos anos 70, foi integrado na fábrica. Nessa época, a Ivima empregava acima de um milhar de funcionários. Era uma fábrica de [LER_MAIS]grandes dimensões, dedicada ao fabrico tradicional de vidro, onde chegavam a trabalhar famílias inteiras, recorda o antigo colaborador.
“A minha mãe também lá trabalhou no refeitório, assim como o meu padrasto, que era ajudante de motorista”, relata o mestre vidreiro. Alfredo começou a trabalhar junto do forno que à época “era topo de gama”. Mais tarde passou para outra zona, onde fazia cálices. “Eram artigos de valor acrescentado”, salienta.
“As aptidões profissionais que tenho devem-se aos grandes vidreiros com quem aprendi”, reconhece Alfredo, que actualmente, no seu estúdio, Poeiras Glass, continua a reproduzir algumas peças com design da Ivima.
Além da evolução profissional, o vidreiro recorda o crescimento humano que teve na fábrica, enquanto porta-voz da comissão de trabalhadores. Quando as lutas entre patrões e operários endureceram, “fui muitas vezes o elo de ligação entre a família Magalhães e os trabalhadores”, lembra Alfredo Poeiras, que acabou por sair da fábrica em 1986. Nessa fase, já se sentia uma grande crise e saíram largas centenas de trabalhadores, conta o mestre.
Sérgio Moiteiro coordenou a direcção do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira entre 1993 e 2005 e viveu de perto os últimos anos da Ivima. Esteve sempre do lado dos trabalhadores “organizando-os sindicalmente, acertando com eles as suas reivindicações e promovendo a sua defesa no que tocava aos seus direitos e interesses”.
O antigo dirigente recorda que “a fábrica tinha uma importância enorme para o tecido económico e social da Marinha Grande, pois chegou a albergar nos seus quadros cerca de 1.200 trabalhadores”. “Foi sempre uma empresa fortemente exportadora, como eram todas as empresas no subsector da cristalaria. Em média, a Ivima exportava cerca de 70% da sua produção”, nota Sérgio Moiteiro.
No entanto, contextualiza o antigo dirigente, “a indústria vidreira, no subsector da cristalaria, teve várias crises ao longo da sua história. A Ivima, como uma unidade deste subsector foi, naturalmente, também atingida. A partir da década de 80 com os efeitos da globalização, a introdução do automático na grande parte dos artigos até ali produzidos manualmente, a facilitação/liberalização da entrada no nosso País dos mesmos produtos dos mercados internacionais, nomeadamente de Leste, a falta de eficazes programas de apoio ao subsector e a notória falta de capacidade de boa gestão ou impreparação dos empresários, levou a Ivima e o restante subsector à derrocada final nos anos 90”.
De fábrica a creche
A Ivima foi fundada em 1894 através da sociedade Empresa da Nova Fábrica de Vidros da Marinha Grande, para laborar na área do cristal e da vidraça. Funcionou mais de um século até encerrar em 1999. Desactivada, foi espaço de tráfico e consumo de droga, até o edifício ser recuperado e doado pela BA Vidros ao município. Em 2013, a autarquia cedeu parte do imóvel a associações do concelho, em regime de comodato, que ali desenvolvem actividades no domínio da saúde, da educação e da intervenção social. O município reservou desde logo parte do espaço para nele criar uma creche social. Depois de avanços e recuos no projecto, a obra está em curso. O investimento de cerca de um milhão de euros, comparticipado em cerca de 800 mil euros por fundos comunitários, permitirá criar seis salas para 84 crianças, dos 0 aos 3 anos. “Neste momento, já ninguém espera que aquelas instalações possam voltar a ter uma vida fabril como a que a Ivima ali proporcionou”, reconhece Sérgio Moiteiro. “Penso que a preservação da fachada da empresa (classificada) deve merecer continuamente a maior atenção dos responsáveis autárquicos e os fins dos melhoramentos em instalações que ali possam ser desenvolvidos devem servir a causa social da Marinha Grande e dos marinhenses.” Também Alfredo Poeiras entende que “a futura creche é uma mais-valia”.