Meu caro Zé,
Um dos muito temas em discussão política é a chamada “crise” da habitação. As aspas são para evidenciar que não estamos perante uma crise mas sim em presença de uma doença prolongada que não tem sido tratada. Crise, segundo o “Grande Dicionário da Língua Portuguesa” da Sociedade Portuguesa de Autores, é “uma alteração para o melhor ou para o pior sobrevinda no curso de uma doença” e, no caso de ser, como é usualmente, para o “pior”, “conjuntura perigosa, situação anormal e grave”.
Sem embargo de reconhecer que a pandemia, a guerra na Ucrânia, os “vistos gold”, a imigração, podem configurar alguns sinais de crise, a realidade é que o problema da habitação é estrutural e não tem sido tratado com o peso que um direito fundamental, tal como a saúde, exige. Assim, a conjuntura, dado que não houve nenhum desastre natural devastador que alterasse o stock habitacional, o que fez foi evidenciar a falta de tratamento da doença, ou seja, a manifesta ausência de qualquer política consistente.
Mas agora é que vai! Assim diz o Governo que até lançou uma consulta pública para, alegadamente, ouvir a sociedade sobre o tema.
Olha Zé, não pude deixar de recordar a consulta pública sobre o PRR e o que nessa altura te escrevi: “Chama-se a isto “democracia participativa”. O “arremedo” foi uma “consulta pública vertiginosa, de que ninguém sabe os resultados porque era só, não para “inglês ver”, mas para a “União Europeia ver” (o inglês já nem está lá)”.
Só que esta nova “consulta pública” aumentou ainda a velocidade da vertigem referida para o PRR.
O prazo efetivo de resposta a esta “consulta pública” são 7 dias (!).
Embora, como cidadão, pensasse em responder, depressa desisti, pois percebi que não havia um mínimo de condições para qualquer contribuição séria e fundamentada.
Além disso, e não é uma questão menor, sabia que tal como me aconteceu no PRR, a que respondi e previ o que iria, infelizmente, suceder, não haveria qualquer resposta ou reação às opiniões que aí sejam expressas.
Ora uma consulta pública (sem aspas) é particularmente relevante num governo de maioria absoluta, com uma bancada parlamentar do partido da maioria, completamente subserviente aos ditames do Governo.
Para isso seriam precisas duas condições: uma proposta de consulta bem elaborada, incluindo um adequado tempo para resposta. A segunda, a apresentação à sociedade de um relatório com os resultado dessa consulta.
Ainda estou à espera desse relatório relativo ao PRR!!!
Claro que não virá, porque a lógica destas “consultas” é um “Pronto! Já te ouvi!”. E tudo segue na mesma.
Até sempre,