Textos de Inês Quintas com JSD
Saborear um gelado é um dos grandes prazeres num dia quente de Verão. Em Portugal, durante o reinado de Filipe II, no século XVI, era já costume comer um sorvete ou beber uma bebida fresca quando o calor apertava.
Mas, sem electricidade ou congeladores, como era possível, em pleno Verão, encontrar gelo?
A resposta tem ligações ao distrito de Leiria.
Em Castanheira de Pera, num dos cumes da Serra da Lousã, mais precisamente, em Santo António das Neves, existia uma “fábrica de gelo”.
Todos os Invernos, as gentes serranas recolhiam a pura neve branca para dentro de “poços de neve”, que depois era compactada até formar o famoso ingrediente que, depois, encontrava caminho, em barcos à vela que percorriam os rios Zêzere e Tejo, até à Corte, em Lisboa.
Também nos montes que rodeiam o Cadaval havia uma verdadeira indústria do gelo, que satisfazia as necessidades de inúmeros clientes bem abastados da capital. Foi com o intuito de manter a ligação a este passado, que os dois municípios criaram a Rota dos Neveiros.
Paulo Silveira é um dos docentes que acompanhou uma turma do Agrupamento de Escolas Dr. Bissaya Barreto, de Castanheira de Pera, numa visita à fábrica de gelo do Cadaval que teve como fim destacar as sinergias possíveis entre os dois municípios.
“É importante criar consciência cívica nos alunos”, refere e explica que, no próximo ano lectivo, será a vez de os alunos do Cadaval visitarem o norte do distrito.
Um dos intuitos da criação da rota é a participação em candidaturas conjuntas a fundos comunitários para obras de reabilitação, estudos, trabalhos de pesquisa e de arqueologia.
Para o futuro, os dois municípios querem criar “novos produtos culturais” que se associem à marca e que permitam atrair turistas tanto a Castanheira de Pera como ao Cadaval.
Por exemplo, o Trilho do Neveiro, uma das propostas, dará a conhecer, no dia 29 de Outubro, através de um trajecto curto, outro longo (32 quilómetros) e de uma caminhada, o património paisagístico e histórico da Lousã (https://stopandgo.net/ events/trilho-do-neveiro-2023).
O gelo da Serra da Estrela que, a nal, era da Lousã A importância dos poços de neve, localizados no Cabeço do Pereiro, posteriormente chamado de Santo António das Neves, foi omitida dos livros de História, durante algum tempo, atribuindo o papel à Serra da Estrela, apesar de ter sido na serra da Lousã, que se desenvolveu a actividade.
A comercialização da neve ter-se-á desenvolvido durante o século XVIII, momento onde se oficializou o ofício de “neveiro” da Casa Real.
Julião Pereira de Castro, neveiro-mor do Reino entre meados do século XVIII e inícios do século XIX mandou construir ali uma capela dedicada a Santo António de Lisboa, para que as pessoas que ali trabalhavam, não perdessem tempo a descer ao Coentral, nos dias de missa.
Em Santo António das Neves existiram sete poços de neve, porém, actualmente restam apenas três, no concelho de Castanheira de Pera, sendo um circular e dois octogonais.
O processo do fabrico do gelo começava na recolha da neve, por homens, mulheres e crianças, em cestas, para dentro das cavidades de armazenamento.
À medida que esta ia sendo despejada, era calcada com maços de madeira.
Chegado o calor, era tempo de cortar o gelo em blocos, trazidos para fora dos poços com cordas e roldanas.
Para serem transportados, os blocos eram envolvidos em palha e serapilheira e acondicionados em caixotes, depois colocados em carros de bois, que os transportavam, cobertos de fetos, de forma a preservar o produto.
Actualmente, os poços da neve do Santo António das Neves são considerados Imóveis de Interesse Público, enquanto a Real Fábrica do Gelo da Serra de Montejunto foi classificada como Património Nacional.
Nova identidade promove História
A intenção de valorizar os poços de neve e a Real Fábrica de Gelo levou à criação de uma nova marca, a Rota do Neveiro, como homenagem ao ofício dos neveiros, e que foi alvo de um concurso de ideias.