“Os transtornos de personalidade são algo a que os psiquiatras e psicólogos fogem, pois são difíceis de trabalhar.” A constatação de Rui Abrunhosa Gonçalves, psicólogo forense e actual director-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, foi feita em jeito de elogio à organização do Encontro de Saúde Mental do Centro Hospitalar de Leiria, que dedicou um dia à discussão sobre perturbações mentais como a borderline.
Estes transtornos são característicos da maioria dos homicidas, psicopatas ou serial killers. Recordando John Haigh, conhecido como o vampiro de Londres, David Berkowitz, apelidado de Filho de Sam ou Assassino da 44, e até, bem mais perto, a máfia de Braga, que matou um empresário e dissolveu-o em ácido, Rui Abrunhosa Gonçalves afirmou que “muitas vezes a realidade excede a ficção”.
“Quando nos interrogamos sobre o que se passará na cabeça destas pessoas, é evidente que uma primeira ideia é que têm uma gravíssima perturbação mental, mas tem a ver, sobretudo, com desordem de personalidade, ou seja, personalidades muito mal formadas”, explicou.
Segundo o psicólogo forense, nos últimos tempos tem-se assistido a “uma comorbilidade nestas situações”, com “desordens antissociais”, que progridem para “sintomatologia de perturbação mental, às vezes dissociativa, depressiva e que tem muito a ver, geralmente, com o estilo de vida destas pessoas, nomeadamente consumos de substâncias”.
Rui Abrunhosa Gonçalves insistiu ao JORNAL DE LEIRIA que estes criminosos sofrem de “graves perturbações da personalidade”.
“Nos psicopatas, antissociais ou borderlines, a probabilidade de repetição dos crimes é muitíssimo grande. Para estes indivíduos, as estratégias, mesmo em meio prisional, são de grande contenção porque também agridem outros companheiros de prisão. A parte boa é que os psicopatas correspondem a uma percentagem relativamente baixa”, frisou. Entre as características gerais estão as distorções cognitivas, frieza, insensibilidade, egocentrismo e ausência de empatia, relacionamento impessoal, agressividade, impulsividade, manipulação ou comportamentos de risco. O próprio cérebro dos assassinos apresenta alterações.
O psicólogo forense adiantou que perante slides de pessoas ensanguentadas num acidente verifica-se que a zona frontal de homicidas não é activada, ou seja, “a pessoa não processa emocionalmente”. Para o psicólogo forense, um bom serial killer é apanhado não por eficácia da polícia, mas por praticar crimes seguidos.
“Se cometer dois ou três assassinos agora e repetir só daqui a 20 anos pode ser difícil identificá-lo, porque uma das características dos serial killers é que não há nada que os liga às vítimas, ao contrário do que sucede nos homicídios em geral.”
Estudar eficácia da reabilitação
Rui Abrunhosa Gonçalves defende a reabilitação e a reinserção dos criminosos, mas considera imprescindível a realização de estudos “sérios” sobre as taxas de reincidência, após a realização de alguns programas para aferir da sua eficácia.
“Há muitos indivíduos que dificilmente serão reabilitáveis, porque têm um conjunto de variáveis que trazem da sua história pessoal e da sua história actual. E, nas prisões, temos agora cada vez mais casos sociais. Indivíduos que não têm sequer para onde ir e que, mesmo no final da pena, alguns vêm bater novamente à porta da prisão, porque ao menos ali têm cama, mesa e roupa lavada”, revelou à margem do evento.
O psicólogo forense não afasta totalmente a possibilidade de reabilitação, mas admite que ela é “muito complexa”, “dado o facto de muitos dos reclusos já não conseguirem ter o mínimo de competências para poderem fazer qualquer coisa de útil para a sociedade ou não a desejarem”.
“Não vamos desistir nem vamos dar como perdido um indivíduo que comete, por exemplo, um assassinato aos 20 anos e que, na pior das hipóteses, em Portugal, estará 21 anos preso. Será ainda válido? Estou convencido que sim. Temos de perceber que um dos melhores preditores da actividade criminosa futura é a actividade criminosa passada. Quando alguém até teve um percurso na juventude mais ou menos normativo e que comete um crime grave no início da idade adulta, tem muito melhor prognóstico do que aquele que começou aos 12 anos e está rotinado na vida do crime”, assume.