O antigo refeitório serve como sala de reuniões. É aí que, após o almoço, se concentram os voluntários que, nesse dia, ajudam nas pinturas, para tomarem contacto com os planos de trabalho para a tarde. Dentro de poucos minutos, haverão de se distribuir pelo primeiro piso do edifício para dar continuidade à pintura de paredes.
É mais uma fase das obras de transformação do antigo Seminário Dominicano de Aldeia Nova, em Ourém – onde também funcionou a Casa da Criança -, num centro de recuperação de feridos de guerra da Ucrânia.
Os primeiros 50, acompanhados de outros tantos familiares, chegarão no início de Junho. Até lá, há ainda muito trabalho a fazer, reconhece Romam Kurtysh, um dos fundadores da Ukrainian Refugees — UAPT, associação que está à frente do projecto, que não se cansa de elogiar o contributo dos voluntários na concretização do sonho. “Juntos, vamos criar aqui um paraíso”, dirá no final do dia de trabalhos, num momento de agradecimento onde a emoção transparece no olhar de dirigentes e voluntários.
“É impossível ficar indiferente a uma causa como esta”, confessa Cláudia Caçador, funcionária da loja de Castelo Branco da Leroy Maria Anabela Silva anabela.silva@jornaldeleiria.pt Merlin, à qual pertencem os voluntários que, passada quarta-feira, estiveram a trabalhar no futuro centro, orientados pela associação Just a Change. “Lixámos paredes e demos uma demão. Agora, uns pintam de novo, outros vão atrás, a tirar as protecções e a limpar. Saímos cansados, mas com o coração cheio”, afirma.
Ucraniano, a viver em Portugal desde 2003, Romam Kurtysh conta que a ideia de criar o centro – “único” na Europa – surgiu a partir da constatação das dificuldades existentes nos hospitais de retaguarda ucranianos, que acolhem os feridos depois de uma primeira intervenção das unidades médicas da frente de guerra.
“A recuperação demora tempo. É preciso aliviar os hospitais ucranianos, onde não páram de chegar feridos”, salienta Roman. Ora, é precisamente esse trabalho de reabilitação e fisioterapia que será feito no centro que está a nascer em Ourém, num edifício cedido pela proprietária, com a Leroy Merlin a doar os materiais. Os hospitais da CUF assegurarão alguma cirurgia que seja necessária.
Capacidade para 100 camas
Instalado numa propriedade com cerca de cinco hectares, o futuro centro de recuperação de feridos de guerra terá unidade de fisioterapia, ginásio, piscina para hidroterapia, passadiços próprios para o tratamento de traumas, gabinetes médicos e áreas de convívio (biblioteca e salas de jogo). O funcionamento será assegurado por uma dúzia de profissionais, entre médicos, enfermeiros, psicólogos e psiquiatras, portugueses e ucranianos. Alguns serviços poderão ser utilizados pela comunidade local.
Numa visita guiada ao espaço, Carlos Lagarto, arquitecto, revela que o centro terá capacidade para 100 camas e que o projecto contempla ainda a criação de uma quinta pedagógica e de um lago artificial, aproveitando as duas ribeiras que atravessam a propriedade, e a construção de 28 bungalows ecológicos, “sem usar um grão de cimento”. Numa fase posterior, há a intenção de recuperar o anfiteatro e a adega e de plantar vinha e árvores de fruto.
“O espaço tem enormes potencialidades”, frisa Carlos Lagarto. E “é muito parecido com a Ucrânia”, acrescenta Iryna Dadidovska, também da direcção da UAPT, que acredita que é o local “ideal” para ajudar a sarar as feridas da guerra, com o regresso à Ucrânia no pensamento. “Quem nasceu no país, tem sempre um cordão a ligá-lo à sua terra, como o cordão umbilical liga a mãe e o bebé”, diz a Iryna, enfermeira obstetra de formação que é auxiliar no Hospital de Santa Maria.