Natural de Lisboa, tem 59 anos e uma longa carreira como jornalista. A generalidade do público reconhece Carlos Vaz Marques da função de moderador do Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer, anteriormente Governo Sombra. E das entrevistas diárias na TSF, noutro programa de sucesso, Pessoal… e transmissível, onde conversou, por exemplo, com Xanana Gusmão, Agustina Bessa-Luís, o Dalai Lama e Caetano Veloso.
Na TSF, onde trabalhou 30 anos, criou também o segmento O Livro do Dia.
Antigo director da revista literária Granta Portugal, além de jornalista, várias vezes premiado, é tradutor e editor. Dirige a colecção de viagens da Tinta da China e no ano passado fundou a sua própria editora, a Zigurate.
Fotografia de Ricardo Graça.
A equipa do programa cujo nome estão legalmente impedidos de dizer. Foi o Carlos que os escolheu para ministros? Eles responderam a algum questionário?
Fui. Não houve nenhum questionário prévio, mas… tenho medo que eles não passassem nalgumas perguntas. Eu estava na TSF, tinha um programa de entrevistas, chamado Pessoal… e transmissível, cinco dias por semana, e as entrevistas davam muito trabalho a preparar. E, a certa altura, pensei: se eu tiver um painel fixo, falamos da actualidade e isso poupa-me a preparação de uma entrevista, sempre a alguém diferente. Portanto, não é nada virtuoso.
Eles estão desde o início.
Devemos ser o governo há mais tempo em funções do mundo, porque isto é desde 2008. Estando o Ricardo, o tom não pode ser muito formal, mas os outros dois também não são muito formais, e eu próprio estava a precisar de alguma informalidade. Essa ideia de informalidade foi aquela que primeiro, e antes de tudo, constituiu assim uma espécie de ADN do programa.
O Ricardo Araújo Pereira tem recusado a ideia de que o programa dele ao domingo à noite influencia o eleitorado. E o vosso programa?
De todo, não. O Ricardo Araújo Pereira tem, no programa dos domingos à noite, mais de um milhão de espectadores, nós temos para aí 50 mil.
Mas ajudam a formar opinião.
Vou responder com um provérbio que foi uma vez, numa entrevista, o Lobo Antunes que me transmitiu, um provérbio húngaro. “Qualquer pinguinha acrescenta, disse o ratinho. E fez chichi no mar”. O que é que eu quero dizer com isto? Claro que havemos de ter alguma, pequena, influência, como a nossa conversa também tem, mas não me parece que seja uma influência que vá mudar drasticamente o que quer que seja. No espaço público, há uma carambola permanente que nós nem podemos avaliar. Não é possível sabermos, as intervenções no espaço público, e ainda menos intervenções em pequena escala, é uma escala televisiva é certo, mas é uma escala, apesar de tudo, relativamente localizada, para um nicho, que efeito é que têm.
O jogo político em Portugal está condicionado pelo impacto mediático?
Não só em Portugal. É uma característica dos nossos tempos. E, mais ainda, se acrescentarmos ao mediático a ideia de que também são media as redes sociais, que vieram alterar tudo. Portanto, cada vez mais, sim. O Luís Paixão Martins fala muito disso no livro dele [Como Perder uma Eleição, da editora Zigurate, de Carlos Vaz Marques]. Há 20 anos, quando eu era repórter político, andei uns quatro ou cinco anos no Parlamento, e depois a acompanhar as coisas do PSD. Nós tínhamos uma notícia e guardávamos a notícia para o dia seguinte de manhã, porque tinha mais efeito.
Para o prime time da rádio.
Sim. Hoje já não se podem guardar notícias, porque, se nós não dermos, sairá por outra via daqui a um bocadinho. Já não há prime time. A qualquer momento, qualquer coisa é posta a circular e pode-se tornar uma bola de neve, com facilidade. A qualquer hora do dia e às vezes da noite.
No sector do livro, também parece existir uma relação entre o mediatismo do autor e a quantidade de vendas.
Também, sem dúvida. O livro mais vendido neste momento é o do príncipe Harry. Acho que estamos num momento em que cada um terá de fazer a sua avaliação na ponderação entre quantidade e qualidade. Vou dizer uma banalidade, mas tem de ser. Por vezes, livros que passam completamente despercebidos são grandes livros e livros que estão no top durante semanas a fio são uma grande bosta, o que não quer dizer que os que estejam no top semanas a fio sejam necessariamente uma grande bosta nem que livros que passem despercebidos sejam todos excepcionais. A equação é tão complexa que há muito mais variáveis do que estas da relação quantidade qualidade.
Como é que um editor se posiciona perante essa realidade?
Posso me dar ao luxo, considero que é um luxo, de publicar o que quero sem ter de estar a fazer relatórios para a divisão de marketing, porque a divisão de marketing sou eu, na empresa. Portanto, presto contas a mim próprio e, se correr mal, sou o último responsável. Aliás, fiz uma editora, estando, e ainda estou, ligado a uma outra editora, que é a Tinta da China, porque percebo bem que para um editor médio pequeno, estamos a descontar aqui a Leya e os grandes grupos editoriais, para um pequeno editor, um livro é sempre um risco e tem de ser qualquer coisa em que acredita profundamente. Eu quando estava a propor livros à Bárbara Bulhosa da Tinta da China estava sempre a pensar: “se correr bem fico com os louros, se correr mal ela vai ao banco pagar o prejuízo”. E isso para mim era uma coisa quase moralmente problemática. Portanto, decidi correr eu o risco.
Vê condições para voltarmos a ter um português Nobel da Literatura?
Eu não sei quais são as linhas com que se cose a academia sueca. Nos últimos anos, fizeram umas experiências, ao premiar autores que não estavam nos géneros mais tradicionais da literatura – o Bob Dylan ou a Svetlana Alexievich, para me lembrar agora de dois. Se há condições, se haveria autores? Penso que sim. Bem, o Saramago nomeou de imediato o Gonçalo M. Tavares como um possível futuro Nobel. Mas, com o Nobel eu tenho uma relação que é também utilitária, ou seja, é preciso que esteja muito claro na cabeça das pessoas que o autor que ganha o Nobel não é o melhor escritor do mundo. É um escritor que é distinguido, entre muitos escritores. E, porque é que eu gosto, apesar de tudo, e apesar de algumas injustiças? O prémio tem uma utilidade: é muitas vezes revelar autores que tinham escapado ao radar das pessoas.
Dos escritores que descobriu mais recentemente, nomeadamente portugueses, quem é que lhe chamou mais a atenção?
Uma autora que eu suponho que vai ser uma excelente escritora. Já é. Que por acaso tive a sorte de poder editar. É uma repórter chamada Ana França e o livro dela é o mais recente livro da colecção de viagens da Tinta da China, que eu dirijo. E é fabuloso. Ali está o Taras Shevchenko com um tiro na cabeça. É um livro sobre a Ucrânia. Ela, de facto, tem um olhar cirúrgico extraordinário. Acho que a Ana França vai ser uma autora com muito reconhecimento.
Tem uma nova editora, a Zigurate. Que lugar vem ocupar?
Não quero ser nem modesto nem arrogante, portanto, para ficar numa terra de ninguém, direi que é uma editora que não fazia falta nenhuma, mas são livros que fazem falta. De facto, isto pode parecer um bocado assim a armar ao modesto, mas há tantos livros tão bons que se não houver mais uns quantos, não faz falta nenhuma. Mas quem ler os livros e os considerar bons, para essas pessoas eles ficam a ser um património e a valer a pena – e é nisso que eu aposto.
No ano passado, entraram mais de 12 mil títulos novos em circulação e venderam-se 13 milhões de livros em Portugal. Os portugueses lêem pouco?
Há poucos portugueses que lêem muito. O mercado português é pequeno, e, portanto, as margens de comercialização de um livro são irrisórias para toda a gente. Isto é fácil de compreender. Em Espanha, um livro pode custar o mesmo, os custos de papel, de impressão, são os mesmos, mas o mercado a que se destina é quatro vezes maior, para só fazer assim uma comparação básica e directa.
As receitas do mercado livreiro cresceram no ano passado e o preço médio do livro ficou, em 2022, nos 13,75 euros. No caso da não ficção é um bocadinho mais alto, 17,44 euros, também em média. O que é que estes números dizem?
Não sou um bom analista de mercado. Sei que, lá está, para os custos que estão implicados na estrutura de custos de um livro, as margens são residuais. O que me têm dito mais vezes é: “que coragem!”. O que eu pensei quando quis fazer a editora foi: “eu gostava de publicar uns livros, acho que sei escolher bons livros, não quero sobrecarregar a Tinta da China com as minhas escolhas sem eu assumir o risco e é uma coisa que me interessa porque estou ligado aos livros desde sempre”. Tenho umas poupanças e posso experimentar. Vim para isto com o mesmo princípio com que fui duas vezes, só fui duas vezes na vida, ao casino. Com uma quantia qualquer e quando acabasse, tchau. E aqui é mais ou menos isso. Há uma linha vermelha a partir da qual acaba a brincadeira.
Vai editar ensaios e história contemporânea. Precisamos de voltar a ouvir os especialistas com mais atenção?
Vou outra vez para a zona de uma certa modéstia. Há muito bons livros a serem editados em Portugal. Também porque o mercado não é assim tão grande, não acho é que esteja tudo, longe disso, editado, por exemplo, de coisas estrangeiras, nesta área da não ficção, de actualidade ou de história contemporânea. Há muitos livros que me interessavam conhecer e que acho que não chegam cá, mas não chegam cá, não é porque os outros editores estejam a trabalhar mal, é porque a capacidade de absorção do mercado é relativamente baixa. Sobretudo nesta área, que é uma área muito específica, que não interessa propriamente, assim, a multidões. São livros sobre questões pertinentes, actuais, e que podem contribuir para fomentar algum debate.
Um estudo da Universidade da Beira Interior a que responderam 485 jornalistas indica que metade deles considera que os jornalistas são agentes de desinformação. É um resultado que o surpreende?
Eu não faria essa afirmação, dessa forma. Há jornalistas que são agentes de desinformação, não quer dizer que os jornalistas sejam agentes de desinformação. Eu teria dificuldade em subscrever uma afirmação dessas. Os jornalistas debatem-se com muitos problemas, nomeadamente, com o facto de ser uma profissão que se proletarizou por completo, portanto, tornou-se uma profissão onde as condições para exercer a profissão são cada vez mais fracas, e, portanto, nesse sentido haverá, por vezes, incapacidade, de vária ordem. Agora, dizer que os jornalistas é que são agentes de desinformação… bem, essa metade, se calhar, está a ser.
Ao mesmo tempo que se assiste a uma valorização da importância da confirmação de factos e do combate a notícias falsas, vemos um esvaziamento das redacções.
Os meios digitais vieram alterar tudo. Em primeiro lugar, porque o cidadão comum, digamos assim, pouco interessado nas particularidades do jornalismo, assumiu, e acho que isso é algo que cada vez mais está enraizado, assumiu a ideia de que a informação é de borla, portanto, as coisas chegam, de uma forma ou de outra, e isso está a sugar recursos aos meios de comunicação social. Por outro lado, aquela ideia da partilha constante, da agilidade, que evidentemente é muito maior nas redes sociais, mesmo com todos os problemas, fake news, etc, que isso acarreta. Mas há uma agilidade que os meios de comunicação não podem acompanhar, e portanto a única estratégia que eles têm não é a de tentar ir a correr e dar logo e serem os primeiros, é a de, quando derem uma informação, ela ser verificada previamente e estar enquadrada. O problema é que, às vezes, perde-se o timing e estamos aqui num paradoxo que é o da necessidade de uma rapidez extrema ao mesmo tempo que a rapidez extrema é inimiga daquilo que pode ser distintivo no jornalismo que é a verificação dos factos. Há solução? Eu não tenho, mas é um problema grande. E, sobretudo, há uma pedagogia a fazer: que a informação não é de borla. Para alguém se dedicar a verificar factos, leva tempo e tem de exercer uma profissão que tem de ser remunerada. E isso faz com que tenha de haver um enquadramento nos meios de comunicação social em que eles tenham viabilidade comercial.