Gabriela Lopes Almeida, 74 anos, fez duas cirurgias, uma a cada pulmão, para eliminar os vários tumores. As operações não a impedem de caminhar 7,5 quilómetros por dia. A utente atribui esta qualidade de vida ao projecto de investigação OncoEnergy, que está a ser desenvolvido no ciTechCare – Centro de Inovação em Tecnologias e Cuidados de Saúde do Politécnico de Leiria, por Pedro Machado, no âmbito do seu doutoramento.
O investigador explica que o projecto visa pessoas que têm diagnóstico ou suspeita de cancro do pulmão e que vão fazer cirurgia. “O que fazemos é um programa de pré-habilitação, ou seja, optimizar a preparação dos pacientes para o tratamento cirúrgico que irão realizar”, avança Pedro Machado, ao constatar que após a cirurgia há uma perda de qualidade de vida.
“As pessoas às vezes sentem-se mais cansadas, com alguma falta de ar e com mais dor. O que estamos a tentar perceber é se este programa pré-cirúrgico se traduz numa melhor qualidade de vida e numa recuperação funcional mais rápida após a cirurgia”, acrescenta.
Os dados objectivos do estudo desenvolvido com Gabriela Lopes Almeida confirmam o impacto positivo que o exercício físico teve antes da cirurgia. “Fazemos um teste de caminhada após a cirurgia. A expectativa, segundo a investigação, é que as pessoas percam cerca de 30% [performance] nesse teste. A senhora Gabriela estava melhor do que antes de ter realizado a cirurgia ao pulmão”, revela Pedro Machado.
Segundo o investigador, licenciado em Fisioterapia, é a primeira vez que um estudo destes está a ser desenvolvido em vários hospitais, já que estas investigações habitualmente “fazem-se num único hospital, mesmo a nível mundial”, “o que diminui a validade dos próprios resultados”, na sua generalização.
Cerca de 30 pessoas – com o objectivo de chegar às 40 – foram recrutadas no Hospital de Santo André, do Centro Hospitalar de Leiria, no Instituto Português de Oncologia de Coimbra e nos hospitais distritais de Santarém e da Figueira da Foz. Após uma sessão educacional, o programa decorre no domicílio. É depois realizada uma supervisão telefónica semanal até à cirurgia.
“Depois medimos qual foi a adesão, os efeitos da intervenção na qualidade de vida e o desempenho físico, assim como possíveis eventos adversos da intervenção. Tudo isto já foi medido num estudo de viabilidade, que já concluímos. Voltamos a avaliar a pessoa um mês após a cirurgia”, diz.
A adesão é grande, como confirma Gabriela Lopes Almeida. “Quando aceitei entrar no projecto estava parada, porque deixei o ginásio devido à Covid. Pouco tempo depois, o objectivo era fazer três vezes por semana e eu fazia cinco. Fui fazendo sempre mais do que o prescrito. Um mês depois da cirurgia já fazia oito quilómetros. Quase nem notei que tinha tirado parte do pulmão”, revela.
As complicações que lhe trouxeram a segunda intervenção, obrigaram- na a abrandar o ritmo, mas a paciente garante que já está a retomar a forma física. “Este programa é de uma simplicidade incrível, mas de uma eficácia tremenda. Não é só em termos físicos, como psicológicos. Dá-nos uma preparação física e muda a nossa cabeça.”
Joana Cruz, investigadora no ciTechCare e docente na Escola Superior de Saúde, e orientadora do doutoramento de Pedro Machado, salienta que este programa de exercício físico pré-cirurgia tem também como objectivo apoiar as pessoas na promoção de estilos de vida saudáveis.
Pedro Machado é também autor do Manual de Exercício Físico para Pessoas com Cancro, que sintetiza a evidência científica mais actual sobre os benefícios do exercício físico após um diagnóstico de cancro, tendo por base as orientações de instituições internacionais de referência na área da oncologia médica e do exercício.
“Esta é também uma forma de desmistificar uma ideia que esteve enraizada durante muitos anos, que a pessoa que tem doença respiratória ou oncológica tem de estar quietinha”, diz Maria Guarino, coordenadora do ciTechCare.
O investigador destaca que para a concretização do projecto Oncoenergy “tem sido indispensável o apoio de alguns mecenas (Ovos Matinados, Imo Nazaré, Grupo H Saúde e Physioclem), cuja sensibilidade para a importância da melhoria dos cuidados de suporte em oncologia é de louvar”.