A dias de terminar a discussão pública da proposta de alteração ao regulamento do Centro Histórico de Leiria, que finda na segunda-feira, dia 31, são várias as vozes a contestar as mudanças preconizadas. Há quem alegue que, a ser aprovado como está, o novo regulamento vai tornar as intervenções no edificado “mais permissivas”, contribuindo para “descaracterizar” a zona histórica. No tabuleiro político, a concelhia do PSD veio a público acusar a câmara de, com esta proposta, estar a “satisfazer interesses imobiliários”.
Entre os pontos mais criticados está a possibilidade de impermeabilizar logradouros, a permissão para a construção de caves e a abertura para, no caso de edifícios com menor grau de protecção (tipo C e D), se adoptarem “soluções distintas” que não as caixilharias originais. Passa também a ser possível utilizar todas as fracções de um edifício para comércio e serviços e a alterar fachadas para abertura ou alargamento de vãos para “garantir acesso automóvel ou estacionamento”.
“Está tudo dito, sem rodeios: o automóvel manda”, critica João Serejo, arquitecto, que defende que é preciso reflectir se o centro histórico “é um lugar próprio para a circulação e para o parqueamento” e, com isso, abrir espaço “à adulteração de fachadas”, inclusive em edifícios com “um dos mais elevados graus de protecção – tipo B”.
O técnico defende ainda a eliminação da alínea que permite alteração de alinhamentos “em situações de pormenor que visem melhorar as condições de acessibilidade e mobilidade, devidamente fundamentadas”, porque é “um abrir de portas ao que vulgarmente se chama de excepção que virou regra”. Mas, no seu entender, o ponto mais crítico, é a “falta de estratégia e de visão” para o centro histórico.
Por seu lado, Francisco Marques, arquitecto e presidente da mesa da Assembleia Geral da Adlei – Associação para o Desenvolvimento de Leiria, considera o novo regulamento “mais permissivo”, por “facilitar algumas operações, como aumento de pisos e alteração de sistemas construtivos”.
“O actual regulamento condiciona a utilização de materiais. O novo deixa abertura para a adopção de outras soluções que não as originais”, acrescenta o técnico, que contesta também a permissão de alteração de fachadas para abertura ou alargamento de vãos. “Abre-se caminho à descaracterização”, afirma.
Patrícia Selada, também arquitecta, tem uma visão menos crítica da proposta de regulamento. Entende, por exemplo, que acabar com restrições na escolha dos revestimentos das fachadas ou coberturas (antes condicionada ao uso da pedra e material cerâmico), “flexibiliza o exercício do projecto, mas, impõe uma crescente responsabilidade no exercício de aprovação” das propostas arquitectónicas.
Entre as alterações propostas, Patrícia Selada questiona a “proibição das mansardas, ainda que em edifícios de categoria A, B e C”, com maior grau de protecção. “Não raras vezes a ocupação do piso de cobertura possibilita a vivência destes espaços, rentabilizando também o investimento, pela possibilidade de oferecer maior área de ocupação”, alega, frisando que “é na discussão e partilha de argumentações entre arquitectos e município que o desenho se poderá aproximar de uma base consensual, nomeadamente nos temas em que o plano permite uma maior abertura”.
PSD contesta
No campo político, a concelhia do PSD considera que a proposta de alteração “não responde às exigências de protecção e reabilitação” do centro histórico, “ameaça acelerar a descaracterização urbana e arquitectónica” dessa zona da cidade e “visa, fundamentalmente, satisfazer interesses imobiliários”.
Numa nota de imprensa, os social- -democratas alegam que o “regulamento torna-se mais permissivo quanto à densidade construtiva admissível, com a possibilidade de aumento, na maioria dos casos, da cércea máxima e da área de construção em logradouros ou da sua impermeabilização para estacionamento”. É ainda contestado o facto de se “permitir a utilização de todas as fracções de um edifício para comércio e serviços, o que poderá acelerar a desertificação existente no centro histórico, enquanto local privilegiado de residência”.
Posição da câmara: Proteger o património e atrair investimento
A câmara, pela voz do vereador das Obras Particulares, Ricardo Santos, sai em defesa da proposta de regulamento, alegando que o documento “estabelece um equilíbrio” entre a salvaguarda do valor patrimonial e “a atractividade necessária para captar investimentoprivado para a sua reabilitação” e, dessa forma, “reverter a tendência de degradação, abandono e desertificação que se registou nas últimas décadas”.
O vereador refuta as críticas de que este é um regulamento mais permissivo, assegurando que a salvaguarda da “identidade arquitectónica, manutenção da imagem exterior, sistema construtivo e respectiva organização” sai “reforçada”. Em relação aos materiais a utilizar, Ricardo Santos defende que o regulamento “contribui de forma positiva para a sustentabilidade ambiental e energética, permitindo o uso de materiais mais eficientes, desde que os mesmos não contribuam para a descaracterização dos edifícios”.
Quanto à questão da mobilidade e estacionamento, o vereador alega que “foram incorporadas as normas actualmente previstas em PDM”, que são posteriores à redacção do regulamento, em vigor desde 2014.