Os crimes que cometeram podem ser graves, mas são encarados como um percalço na vida. Ao Estabelecimento Prisional de Leiria-Jovens (EPL-Jovens), conhecido como Prisão-escola, chegam presos preventivos ou condenados com idades entre os 16 e os 21 anos. A permanência nesta cadeia – única do País para jovens – pode estender-se até aos 25 anos se os reclusos estiverem a terminar um curso de formação e bem inseridos na comunidade prisional.
Há quem tenha cometido furtos qualificados, roubos ou até homicídios. O crime não importa entre os muros dos 93 hectares da Prisãoescola de Leiria. O principal objectivo é dar uma nova oportunidade aos jovens, depois do cumprimento da sua pena.
Joana Patuleia espera que vários jovens sigam um percurso de sucesso sempre que abandonam o estabelecimento prisional. No entanto, admite que se garantirem a integração total de um caso já é uma vitória. “Quando temos essas notícias fico muito satisfeita e realizada em termos profissionais”, afirma a directora do EPL-Jovens, ao revelar as notícia recentes que recebeu de um ex-recluso, que casou há uma semana, constituiu família e está integrado.
Na aula teórica de Actividade Física para Populações Especiais do Curso Técnico de Desporto, que dá equivalência ao 12.º ano e certificação profissional, 13 reclusos, a maioria com 22 anos, assiste atentamente às explicações da professora, requisitada à Escola Secundária Rodrigues Lobo.
“O curso é intenso. Nunca estive ligado ao desporto, mas é uma possibilidade para adquirir competências nesta área. É mais uma porta aberta”, afirma Dmytriy, 22 anos. Jogador de futebol, Silvério, 22 anos, admite estar a “ganhar competências” nesta formação para poder voltar à modalidade e vir a trabalhar enquanto personal trainer. “Vem ao encontro das necessidades que queremos colmatar. Praticamente todos praticávamos desporto na rua e por isso optámos por fazer este curso”, acrescenta Silvério.
Na sala em frente, outro grupo de oito jovens adquire competências para técnico instalador de sistemas solares e fotovoltaicos. “Este curso é muito importante, porque isto é o futuro. É um curso difícil, mas será muito útil com a passagem para outro tipo de energia”, sublinha Ruben, 22 anos.
Fábio, 22 anos, confessa que esta é também uma forma de completar o 12.º ano, adquirir uma certificação, aprender alguma coisa e de passar o tempo, nem sempre fácil para quem tem as movimentações condicionadas. Ana Lourenço, da Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo, está a estrear-se como professora na Prisão-escola.
O balanço destas primeiras semanas de aulas é positivo. “É bastante enriquecedor. Eles mostram interesse e curiosidade”, assume. Noutro pavilhão, meia dúzia de jovens estão na biblioteca, onde se procura promover a leitura e esclarecer dúvidas. Alguns já requisitam livros para ler na cela.
“Gosto de banda desenhada, romance…”, diz Fábio, 19 anos, ao confessar que ler contribui para “distrair mais a cabeça” e até pode pesar no seu ‘currículo’ quando for a tribunal. Neste espaço realizam-se ainda algumas actividades como ateliers de escrita ou de pintura.
Joana Patuleia admite que este é “um período difícil” na vida dos reclusos, mas “deve ser encarado como uma oportunidade para a mudança do estilo de vida e da atitude que tinham, para que possam ter êxito no futuro”.
Por isso, além da formação profissional, os jovens participam em diferentes programas de reabilitação psicossocial e de reestruturação cognitiva.
Joel Henriques, técnico de reinserção, e Célia Baptista, psicóloga, lideram o GPS – Gerar Percursos Sociais, onde dois grupos diferentes se reúnem uma vez por semana e falam de emoções, empatia, respeito pelo outro ou de relações interpessoais ao longo de 40 sessões. “Agora estou mais calmo. Já aprendi a gerir melhor as emoções. Antes era muito agressivo a falar.
Este programa tem-me ajudado a desenvolver algumas competências e a contar até 10 ou 20 antes de reagir”, conta Márcio, 23 anos. “Rumo à liberdade” é o grito de guerra escolhido por este grupo, que se tem vindo a auto-descobrir guiado pelos técnicos, que procuram criar um ambiente positivo e mudar comportamentos, com vista a uma melhor integração dentro e fora do estabelecimento prisional.
Gabriel, 17 anos, está a tirar o curso de operador de manutenção hoteleira, formando-se em tudo o que são pequenas reparações, que equivale ao 9.º ano. “Entrei com o 7.º ano e agora vou sair com o equivalente ao 9.º ano e tenho um curso, que me dá competências.
Entretanto vou fazer o estágio e posso vir a trabalhar nesta área. É também uma forma de ocupar o tempo, já que estou em regime aberto”, afirma. “Trabalhar aqui torna-se mais desafiante. Nem sempre é fácil, mas acabam por se envolver e vemos essa transformação ao longo do tempo”, refere Sandra Rocha, docente da Escola Básica 2, 3 D. Dinis.
O curso Freedom Crickets tem uma vertente teórica que procura dotar os jovens com competências para a vida, nomeadamente ao nível do empreendedorismo. Com a parceria da Associação Aproximar, as aulas trabalham o jovem de forma holística. São debatidos temas como a gestão de competências, inteligência emocional, assertividade, igualdade de género, os papéis da família ou a gestão financeira, explica a formadora Teresa Figueira.
A segunda parte deste curso envolve a produção de grilos para a alimentação humana, como “forma de erradicar a fome no mundo e reduzir a pegada ecológica”.
“Estou ansioso para iniciar a prática. Não tenho medo dos grilos. É um insecto, mas comer é que não. Só trabalhar para fazer farinha ou outras coisas”, afirma João, 22 anos.
Sete reclusos são os ‘mestres da culinária’ no curso de cozinheiro. Michael, 24 anos, confessa que gosta muito de cozinhar e já estava habituado a fazê-lo em casa.
“Desde pequeno que tinha curiosidade em aprender e punha-me ao lado da minha mãe a perguntar como se faziam alguns pratos e doces. Aqui estou a aprimorar os dotes”, afirma, referindo que gosta muito de fazer pizza e doces. Além da formação escolar e profissional, os jovens que quiserem também trabalham no EPL, recebendo um pequeno salário, nas brigadas da agricultura e das obras, na limpeza e manutenção, cozinha, lavandaria e nas pequenas reparações.
Estanislau Ramos é o responsável pela vinha e pela produção de vinho, cuja marca Inclusus foi criada recentemente, com o envolvimento dos jovens em todo o processo de produção. “As uvas são aqui produzidas, através de um protocolo com a AdegaMãe. Produzimos oito mil litros de vinho tinto e três mil de branco. Na última vindima estiveram envolvidos 60 reclusos”, adianta o engenheiro agrónomo, ao revelar que a produção de hortícolas resultou recentemente numa doação de 12 toneladas ao Banco Alimentar Contra a Fome.
Os produtos são ainda vendidos ao público em geral na loja, que se situa no exterior da cadeia. André, 24 anos, está a dias de regressar à liberdade condicional. Assume que o tempo que passou na Prisão-escola serviu para aprender a ser mais tolerante.
“Era muito impulsivo a responder às pessoas. Agora aprendi a ouvir as pessoas que sabem mais do que eu e a ser mais calmo comigo. Sinto que estou preparado para ter uma nova oportunidade. Até já tenho um emprego à minha espera”, revela.
O exemplo de André é o percurso que Joana Patuleia gostaria que todos os reclusos pudessem fazer, esperando que o futuro lhe seja risonho.
“Passou por diversas etapas, adquiriu competências em termos profissionais, pessoais e sociais. Esteve aqui a cumprir a sua pena de prisão e aproveitou as oportunidades que lhe foram dadas”, assume.
O EPL-Jovens tem, à data de 28 de Setembro, 204 reclusos, dos quais 86 presos preventivos, 23 a aguardar trânsito em julgado e 95 condenados. Destes últimos, 24 encontram- se em Regime Aberto no Interior. A grande maioria dos jovens (96) são do distrito de Lisboa e têm nacionalidade portuguesa (166).
A média de idades ronda os 20 anos. “Aquilo que me dá mais realização em termos profissionais é trabalhar com jovens. É realmente um desafio, mas também uma crença na capacidade de mudança do ser humano. Temos sempre esperança que possam ter uma vida diferente daquilo que tiveram até antes de aqui chegarem e que a integração seja um sucesso”, sublinha Joana Patuleia.