O Teatro Mendigal foi um dos colectivos que uniu pessoas para participar no Festival de Rua. Quase todos residentes na Mendiga e Arrimal, os elementos, com idades entre os 10 e os 75 anos, aceitaram o desafio. O seu objectivo é o convívio, a diversão e fazer rir os outros, assumem. “A primeira vez que nos juntámos correu tão bem que decidimos manter o grupo e foi surgindo mais gente”, contam. “Quando nos reunimos é uma forma de aliviar o stress da semana. Estamos aqui para nos divertir e para divertir os outros”, acrescentam.
Sem qualquer experiência de teatro, o colectivo procura ser o mais profissional possível e tem contado com a ajuda de um encenador do Leirena Teatro, que os prepara para a actuação. “Às vezes enganamo-nos, alguns são muito teimosos, ralhamos e chateamo-nos, mas somos muito unidos e [LER_MAIS]ajudamo-nos uns aos outros”, contam.
Frédéric Cruz Pires, director artístico do Leirena Teatro, explica que o objectivo do projecto é “que cada grupo possa ter um profissional das artes de teatro” e que crie com eles “uma dramaturgia e com isso depois poder fazer toda a encenação, mas sempre num processo de aprendizagem”.
Segundo adianta, o papel dos profissionais do Leirena Teatro não é só dar indicações, mas “levá-los a entender os processos criativos, várias abordagens estéticas e até de linguagem teatral”. “Procuramos capacitar cada grupo e os seus actores nesta área”, reforça.
A maioria do actores trabalha ou estuda. Reservam dois dias por semana para ensaiarem nos meses que antecedem o festival. “Este ano até correu muito bem. Ninguém se enganou e a interacção do público com o grupo foi muito boa. Foi uma das nossas melhores actuações.”
Os ensaios nem sempre saem como esperam, mas confessam que a peça sai bem no dia da estreia. “Ficamos nervosos até começarmos a actuação, mas assim que as pessoas começam a rir ficamos com o coração quentinho”, desabafam.
Apesar de todos já se conhecerem da zona, a amizade nasceu com a criação do colectivo. E isso nota-se. Entre todos a cumplicidade salta à vista e a brincadeira está sempre no meio da conversa. “Adorava conseguir vesti-lo de mulher ou pô-lo a dançar num varão”, brincam, referindo-se a Agostinho Santos.
O Teatro Mendigal junta-se apenas para participar no Festival de Rua e no Teatremos. A vida ocupada de cada um, com profissões como psicólogo, assistente social, solicitador ou empresário, impede- os de poderem fazer mais actuações.
Todos gostam de teatro, embora nenhum ambicione vir a ser profissional da representação. No entanto, Agostinho Santos já foi convidado para ir ao programa do comediante Fernando Rocha. Recusou.
Peripécias já viveram algumas. “No Arrimal, num dia de muito vento, os adereços voaram e uma árvore, onde estava preso um estendal de roupa, caiu ‘de emoção’. Lá tivemos de improvisar, mas como ninguém sabia que não era suposto a árvore cair, correu tudo bem”, relatam, ao salientar que uma das vantagens do teatro é que em muitas situações ou enganos o público não se apercebe se está no texto ou se algo correu mal.
Teatro das ambulâncias
Com gente entre os 11 e os 62 anos, o Teatr’ambu (teatro das ambulâncias) nasce na Associação Serviço e Socorro Voluntário de São Jorge. “Alguém da comunidade escreveu um livro e alguém o ilustrou. Foi levado a diversas escolas e instituições da região por um grupo de voluntários que representava a história. Posteriormente, alguns desses voluntários juntaram-se para escrever uma peça, tendo como base a história do João Pateta”, conta Susete Calado, uma das actrizes.
O “resultado foi tão positivo” que o Município de Porto de Mós convidou-os para participar no Festival Teatro de Rua. Desde então já entrou e saiu gente, mas a paixão pela representação de muitos dos elementos fá-los permanecer.
Marisa é o espelho do amor que tem ao teatro. As suas intervenções incluem sempre um tom de brincadeira. “O que nos faz estar aqui é o gosto pelo teatro e pela alegria de conviver e ‘desopilar’ (palavra que insistem que fique registada) do trabalho do dia-a-dia”, diz Marisa Santos. Marcar presença nos ensaios nem sempre é fácil. Mas, mesmo quem trabalha por turnos faz um esforço para conciliar os afazeres profissionais. O tempo para decorar o texto é que é curto. “Vamos sempre até à última. Mas no dia do espectáculo acaba por correr bem”, admitem.
As pessoas são o seu combustível. “Ter o público dá-nos a energia que não temos nos ensaios. Consoante é o público também nos entusiasmamos. Gostamos de sentir a proximidade das pessoas. Esse é também o objectivo do festival de rua”, asseguram.
Frédéric Cruz Pires elogia o profissionalismo de todos os grupos amadores, apesar dos percalços, como atrasos e texto por memorizar. “Nunca podemos esquecer que as pessoas que fazem teatro amador estão lá para se divertirem, para quebrar a rotina, poderem aprender e fazer um trabalho para a sua comunidade. Quando estamos com eles é para os pôr a sorrir e a divertir. Depois é dar alguma coisa em termos de conhecimento e aprendizagem. Estes grupos em si já são profissionais pelo trabalho que fazem nas suas comunidades”, destaca.
O director artístico salienta que não se pode exigir de quem trabalha o dia inteiro e ainda tem a vida familiar para tratar, mas destaca a sua “responsabilidade”. “Se há um encenador que diz que precisa de algo, os grupos arranjam. Fazem a sua cenografia, os seus figurinos, organizam- se nos ensaios, sabem trabalhar muito bem em conjunto e são pessoas que respeitam este trabalho e esta arte”, reforça ainda.
Inês Valinho, encenadora do Leirena, concorda que o Teatr’ambu, com quem está a trabalhar para apresentar a peça no Festival de Teatro de Rua, dia 5 de Agosto, “faz um trabalho profissional” e a “vontade é igual”. Os actores e actrizes dizem que Inês é “muito exigente”, mas admitem que só assim apresentam boas peças”. “Temos fama de sermos bons”, brincam.
Susete Calado afirma que o Teatr’ambu é o único do concelho que tem um festival próprio e convida outros grupos a participar. “É uma forma de partilhar ideias, nem que seja para rir.”
Também estes elementos já passaram por peripécias, que recordam a sorrir. “Já tivemos de ‘encher chouriços’ porque a pessoa que tinha de entrar se esqueceu ou porque alguém teve uma branca e não disse a sua deixa”, contam. Entrar meio vestido, porque não teve tempo de trocar de roupa, partir uma peça do cenário ou chegar ao espectáculo bastante alegre depois de um almoço bem regado também faz parte das estórias do grupo.