A crise da inflação parece ser pior do que os tempos da troika. De que forma a câmara está a preparar o apoio às famílias com maiores necessidades?
Estamos a preparar um pacote de medidas transversais de apoio às famílias. Vamos propor a alteração de alguns regulamentos, para abranger mais famílias. Estamos a falar na área da saúde, da habitação ou da juventude. Queremos tomar algumas medidas para colmatar aquilo que são os problemas sociais e económicos que as famílias estão a vivenciar neste momento.
Que medidas concretas são essas?
Passa pelo reforço dos apoios que já estamos a atribuir, nomeadamente o programa de comparticipação ao arrendamento. Queremos criar uma medida específica para ajudar os jovens casais que estão em início de vida, por exemplo. Ao nível do nosso programa de comparticipação de medicamentos, pretendemos também alargar a outras áreas da saúde. No âmbito do Fundo de Emergência Social, pretendemos alargar e aumentar o apoio na habitação. No fundo, já temos os programas em curso, mas pretendemos alterar os regulamentos para reforçar os apoios às famílias. Temos noção de que os programas da câmara têm sido muito importantes para minimizar o impacto negativo que teve a questão da pandemia, e agora esta crise.
Há um aumento de pedidos de ajuda?
Sim, nomeadamente ao Fundo de Emergência Social, que é um programa muito importante porque abrange as componentes da saúde, da habitação e também da alimentação. Temos de alterar o regulamento relativamente aos plafonds dos valores das rendas do programa do arrendamento, porque estão completamente desactualizados. Aquilo que tentamos fazer e, obviamente, com os parceiros da rede social, é ir adaptando os nossos programas de apoio às necessidades das famílias e à conjuntura actual.
Com a subida das taxas de juro nos créditos à habitação, poderá haver famílias sem conseguir pagar as prestações. A autarquia conseguirá ajudar?
O Fundo de Emergência Social também prevê apoios para a questão dos empréstimos bancários. É um facto que são situações pontuais. Não podemos estar a dar apoio de continuidade nesta área. Portanto, as famílias têm de negociar os empréstimos bancários. Estamos a equacionar implementar, um gabinete de apoio às famílias sobre-endividadas, estabelecendo, por exemplo, uma parceria com a Deco, para criar um serviço de atendimento específico. Acredito que a determinada altura as famílias vão ficar estranguladas com as questões dos empréstimos bancários, por isso, é importante haver um serviço para apoiar estas famílias que muitas vezes se vêem numa situação de completa desprotecção na articulação com as entidades bancárias. E se estivermos a falar de famílias que não têm conhecimentos técnicos sobre esta matéria, torna-se ainda mais importante termos uma equipa que as possa ajudar.
A saúde mental dos portugueses piorou com a pandemia e a necessidade de apoio psicológico aumentou significativamente. Com a transferência de competências para as autarquias na Saúde, o que pode fazer o município para ajudar no acesso?
O que está previsto na transferência de competências é só a questão do edificado. É óbvio que os municípios também podem ter uma intervenção e um papel muito importante em alguns programas e políticas de saúde. De qualquer maneira, a saúde mental sempre nos preocupou desde o momento em que actualizámos o diagnóstico social, em 2017, pois vários parceiros assinalaram essa lacuna de respostas. Sabemos que uma família que não tenha capacidade financeira para recorrer ao privado, no Serviço Nacional de Saúde aguarda vários meses por uma consulta. E mesmo nas situações de alta clínica dos serviços de psiquiatria, que requerem um acompanhamento sistemático por parte de uma equipa, não há resposta para todas as situações. Aquilo que fazemos é a articulação com os vários serviços e a equipa do ACeS [Agrupamento de Centros de Saúde], no sentido de proporcionar algum acompanhamento a estas pessoas, por exemplo, na toma regular da medicação, que é um factor essencial para mantê-las estabilizadas e minimamente funcionais, até para poderem exercer a sua cidadania, nem que seja ao nível da colocação no mercado de trabalho. Esta é também uma falha muito grande. Estas pessoas vêem-se muitas vezes confrontadas com a não aceitação no mercado de trabalho. Foi-nos dito que estava previsto um reforço da verba na área da saúde mental para implementar equipas de apoio domiciliário. Espero que a curto prazo elas efectivamente venham para o terreno.
Muitas autarquias discordaram da transferência de competências precisamente na área social. Como é que encara Leiria mais esta competência?
Estamos a preparar todo o processo para que na próxima reunião da Assembleia Municipal, em Dezembro, possamos aceitar as competências. Vai transitar para o Município de Leiria uma equipa do Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social que decorre dos protocolos que a Segurança Social tem com as IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social], o que permitirá trabalhar em sintonia com a acção social, com circuitos bem definidos. Vai ser muito importante, porque as famílias ficam com um serviço centralizado. Há uma matéria sobre a qual tenho alguma reserva, que é o acompanhamento das famílias com RSI [Rendimento Social de Inserção]. Isto implica que a Segurança Social vá manter o deferimento ou indeferimento da prestação, mas o acompanhamento transita para os municípios. Para mim ou transitava tudo ou deixava-se ficar o RSI na Segurança Social, porque o que vai acontecer é que as famílias candidatam-se, têm uma equipa que avalia se têm ou não condições para obtenção da prestação e depois há outra equipa a fazer o acompanhamento, que até pode ter um entendimento completamente diferente da equipa anterior.
Hoje, de que forma a câmara conseguiria responder a uma família que ficasse na rua?
Estou cá quase há dez anos e nunca nenhuma família ficou na rua, pelo que também não há-de ser agora, mesmo com esta conjuntura tão difícil da habitação, até porque temos respostas de emergência, assim como a Segurança Social. Já chegámos a negociar com senhorios para manter as pessoas nas casas. Às vezes, tem de se fazer este tipo de abordagem, mas quer o programa do arrendamento quer o Fundo de Emergência Social têm minimizado muito a questão dos despejos e até mesmo a possibilidade das famílias arrendarem casa. Qual é a família com o salário mínimo nacional, quando faz um contrato de arrendamento, que consegue pagar dois ou três meses de renda adiantada? Portanto, disponibilizamos através do Fundo de Emergência o valor para ser feito o contrato de arrendamento. No que diz respeito à estratégia local de habitação, temos financiamento para reabilitar o edificado municipal e a possibilidade de construção de 50 fogos, em todo o concelho. Já temos identificados vários terrenos municipais e estamos a fazer um levantamento topográfico para avançar com o projecto. Temos um modelo de habitação base, que vamos adoptar para todo o concelho. No que diz respeito à reabilitação, já fizemos uma candidatura ao IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana] para reabilitação de nove fracções, nomeadamente as do Bairro Sá Carneiro, que estão em piores condições, e a candidatura já foi aprovada.
Em termos de diagnóstico social, qual é o panorama do concelho de Leiria?
Nunca fomos um concelho com índices de pobreza elevados, mas temos um concelho com desigualdades. Por exemplo, Leiria nunca teve contratos locais de desenvolvimento social (CLDS), porque nunca foi considerado território prioritário. Agora temos por causa dos incêndios. Nunca fomos considerados um concelho com problemáticas sociais graves. Temos um afluxo de população migrante e por isso implementámos na câmara o Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes, que tem sido uma boa ajuda para o próprio SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras]. Temos de acompanhar esta situação para não haver o choque cultural que às vezes se verifica nalguns territórios. Mas esta população acaba por ser uma população muito vulnerável, porque muitas das vezes vem sem qualquer suporte. Precisam logo de apoio, seja ao nível da habitação seja mesmo até ao nível da alimentação. Temos algumas desigualdades por esta oscilação de população, mas também temos uma rede de solidariedade e de parceiros muito interventiva.
E a população cigana está bem integrada no concelho de Leiria?
O objectivo é a integração destas pessoas, mas não numa visão quase assistencialista. A integração e a questão do estereótipo existe sempre na cabeça das pessoas. Quando foi o episódio do muro, recordo-me dos comentários na página do Facebook do município, que era qualquer coisa de assustador. Com esse episódio, deu para perceber que ainda há muita discriminação e uma visão muito estereotipada no que diz respeito à comunidade cigana. A população cigana, principalmente a que está na zona urbana, está perfeitamente integrada. Por exemplo, se formos ao Bairro da Integração, a maior parte das pessoas tem a sua profissão, que é nos mercados, mas já temos a segunda geração de jovens que estão a trabalhar, estão integrados e que, muitas vezes, rompem um bocadinho até com as tradições dos próprios pais. Alguns estudam inclusivamente no ensino superior e já não temos tantos casamentos precoces. Se olharmos para o Bairro da Integração percebemos que a integração existe. Agora, no Bairro da Cova dos Faias a realidade é diferente. Estamos a falar de famílias que têm muito mais enraizadas determinadas questões culturais da etnia cigana. O facto de termos no bairro o projecto Giro Ó Bairro com a InPulsar tem sido um factor essencial, principalmente na escolarização. Também temos comunidade cigana na zona rural, que está integrada. Temos pessoas de etnia cigana que não têm nada a ver com as questões dos bairros sociais e que nem procuram os serviços da Segurança Social nem da Câmara. Às vezes, o difícil de gerir são os conflitos que existem entre as próprias famílias. Vamos terminar o projecto Mediar para Incluir, que foi financiado pelo Alto Comissariado para as Migrações. Tivemos, pela primeira vez, uma mediadora cigana, que fez um trabalho muito importante, principalmente ao nível de educação. Sempre que havia conflitos, às vezes entre os professores e as famílias, ela estava presente.
O número de imigrantes tem vindo a aumentar em Leiria. Há risco dessas pessoas ficarem sem emprego e aumentar a insegurança, por não terem retaguarda de apoio?
Não quero partir do princípio de que questões de segurança estejam associadas à população migrante. Realmente temos um grande afluxo, nomeadamente de brasileiros. Na maior parte das vezes eles vêm com a roupa que trazem no corpo, com as crianças pela mão, com o visto de turista. Depois as coisas emperram no SEF quando fazem a manifestação de interesse. A lista de espera pode chegar quase até aos dois anos. Isto é muito difícil para estas pessoas, porque algumas até conseguem a integração no mercado de trabalho e nem esses têm prioridade. De qualquer forma, estas pessoas têm acesso à saúde, à educação e aos apoios da câmara. Aliás, quando passámos a ter o afluxo de migrantes abolimos a norma dos regulamentos, que exigia três anos de residência para acesso aos programas de apoio. Não me parece que Leiria esteja com algum tipo de choque com a população migrante nem queremos que isso aconteça. Muitas vezes até conseguem emprego, mas ao nível informal, sem contrato de trabalho, e ficam numa situação de desprotecção social. Isso foi muito visível quando tivemos a Covid. No primeiro confinamento quando implementámos os programas de apoio alimentar, percebemos que muita população migrante estava empregada, mas não tinha qualquer protecção social.
Como está a integração dos ucranianos?
Muitos já se autonomizaram. Felizmente também tivemos empresas que se disponibilizaram para os acolher. Tem havido alguma rotatividade, porque algumas pessoas acabaram por regressar, principalmente para a Polónia. Temos outras que foram viver para outros pontos do País, mas também temos pessoas no estádio que já estão a trabalhar e não conseguem habitação. Fizemos uma candidatura a um programa do IHRU e do Alto Comissariado para as Migrações, que é Porta de Entrada, que foi deferida. Portanto, vamos ter financiamento para as rendas da população refugiada da Ucrânia. Espero é que se consiga habitação. Aquilo que temos feito com a Segurança Social e com o IEFP é definir o projecto de vida de cada uma destas famílias, com contactos com empresas e com as imobiliárias.
Que projecto tem para os idosos?
Temos um programa de teleassistência e estamos a apoiar cerca de 75 idosos. Além disso, temos a Equipa para a Pessoa Idosa em Isolamento (EPII), que faz um acompanhamento sistemático aos idosos que estão em situação de isolamento. Esta equipa é constituída pela câmara, Segurança Social, PSP, GNR e por um elemento da saúde. Sempre que nos chega a sinalização de um idoso a precisar de algum tipo de intervenção, esta equipa faz uma visita domiciliária e o respectivo diagnóstico para continuar a acompanhar, se for o caso, ou encaminha para um centro de dia ou para um lar, ou inclusivamente para o Ministério Público, em situações mais graves. Temos também o projecto Viver Melhor no Bairro Sá Carneiro. Temos idosos com algum tipo de patologia ao nível da saúde mental e cada vez mais acumuladores, que recusam intervenção dos serviços. Depois aqui tem que haver uma articulação quer com a saúde pública, quer com o Ministério Público.
Como pretende captar e fixar jovens em Leiria?
É uma pergunta desafiante. Leiria tem a capacidade de ser um concelho atractivo. É importante fixar jovens famílias e implementar medidas para a população jovem, nomeadamente na questão da habitação e no apoio à natalidade. Os que vivem em Leiria, pretendemos que regressem depois de irem estudar para fora. O concelho de Leiria acaba por ser atractivo, porque tem muita indústria, comércio de qualidade e uma boa qualidade de vida.