Há vários anos que a história deste leiriense tem sido escrita nas páginas deste jornal. Desde o acidente com um empilhador que levou à amputação de uma perna quando tinha 15 anos, à paixão pelo andebol desde pequenino que o fez trocar a baliza pelo ataque quando impulsionou a modalidade em cadeira de rodas.
João Jerónimo, de 33 anos e natural de Leiria, tem sido muitas vezes descrito por palavras tão simples (e fortes) como trabalho, dedicação e força.
Depois de um longo processo de recuperação, procurou o entusiasmo da competição desportiva em modalidades como o ténis, o atletismo e até a natação.
Mas assim que soube que havia a possibilidade de ter andebol em cadeira de rodas, procurou a delegação de Leiria da Associação Portuguesa de Deficientes para criar uma equipa e tem somado vitórias. “O andebol é lindo e é o mesmo, a correr ou a puxar a cadeira de rodas”, garante.
Cerca de uma década depois, a equipa leiriense é hexacampeã nacional e dona de uma grande colecção de troféus.
E há sete anos que João fez a sua primeira internacionalização, num jogo na Áustria, onde foi nomeado pelos colegas como capitão de equipa.
Desde então puxa pela turma das ‘quinas’ com quem conquistou dois títulos de vice-campeão europeu (2015 e 2016) e se sagrou bi-campeão europeu (2018, em Leiria, e 2019). No final deste ano espera repetir o feito, novamente em Leiria.
E, como se não bastasse, é o melhor marcador dos Campeonatos da Europa.
“Os golos não são o mais importante, o mais importante é no final ter mais um que os adversários”, atira entre risos.
De olhos postos nos mais novos, “porque são o futuro da modalidade”, garante que “toda a gente tem oportunidade de chegar à selecção” e afirma que para isso “basta querer, esforçar-se e ter espírito de equipa”.
E, acrescentaríamos, espírito de sacrifício e boa gestão de tempo.
A poucos dias de casar com a Ana, na agenda concilia o trabalho no município e os treinos diários.
Além do andebol, às vezes ainda treina basquetebol e é presença assídua na box do Crossfit de Leiria onde este ano até se qualificou para um mundial da modalidade.
As perspectivas para o futuro, garante, são risonhas
“Gostava de lançar o meu livro, mas estou à espera de um capítulo grande na minha vida que é ser pai”, confidencia quem na gaveta dos sonhos tem grandes planos para o desporto nacional.
“Quero uma escola de desporto adaptado e colocar o andebol nos paralímpicos”, desvenda.
O primeiro projecto “já está todo pensado, escrito e mais ou menos programado” e é tão ambicioso que prevê ser “um espaço onde todos, especialmente crianças, possam experimentar todas as modalidades paralímpicas”, conta.
“E o grande sonho é que o andebol seja considerado modalidade paralímpica, que ainda não é”, acrescenta, sobre o desafio que requer “o Mundial no final do ano para que se leve a modalidade com um jogo teste em 2024 e se possa chegar a 2028 com o andebol pela primeira vez nos jogos paralímpicos”.
“Aí, sem dúvida, seria o marco mais importante da minha vida enquanto atleta e vou fazer tudo para conseguir concretizá-lo.”
Certo de que “não mudava nada do que foi feito”, sublinha que o importante é “levantar a cabeça e não desistir porque não há nada que impeça as pessoas de fazerem o que querem”.
“Vivemos num mundo de adaptações, mas a palavra adaptado ainda é um tabu muito grande e eu gostava que o desporto adaptado a nível nacional fosse visto como competitivo, como inclusivo e como recuperação de muitas coisas.”