Natália Loureiro é uma das quatro concessionárias na praia de São Pedro de Moel, no concelho da Marinha Grande. Explora um bar à beira-mar com vistas para as águas frias do Atlântico e para as paredes mornas, revestidas por conchas e búzios, da “casa-nau” do poeta Afonso Lopes Vieira.
Foi naquele areal que, com apenas 14 anos, se tornou “emancipada”. Foi quando retirou a sua primeira vítima de afogamento do mar.
Durante quase duas décadas, coleccionou relatos de vidas salvas e algumas tragédias cuja recordação lhe marejam os olhos e apertam a garganta. Foram 17 anos, a trabalhar como banheira para o pai, sempre na mesma bandeira, todos os Verões.

“Tínhamos de fazer cursos, testes físicos e de aptidão”, conta. E, raramente, faltavam candidatos a nadador-salvador, termo pelo qual a ocupação sazonal acabou por ser conhecida anos mais tarde. Hoje, admite, já não é bem assim. O problema acontece a nível nacional, embora, na região, a questão ainda não assuma preocupação.
[LER_MAIS]“Se queremos ter nadadores-salvadores, temos de abrir os cordões à bolsa”, admite Natália Loureiro. Em média, explica, os jovens que se dedicam à actividade nas épocas estivais ganham cerca de 1500 euros, por mês.
“Noutras zonas, há quem tire 2000. Há folgas, há alimentação… compensa!” A concessionária explica que a “confiança” é a principal característica procurada no perfil dos candidatos, pelos quatro concessionários que dividem os 400 metros de frente de praia em São Pedro de Moel.
Sem ela, e sem a obrigatória formação do Instituto de Socorros a Náufragos, nada feito.
Em Junho e Setembro, a tarefa é partilhada por seis nadadores e um coordenador. Entre Julho e Agosto, passa para nove elementos. No concelho, há quatro zona balneares reconhecidas oficialmente; São Pedro de Moel, Praia Velha, Praia da Vieira e Pedras Negras.
Este ano, esta última, iniciou a época balnear sem concessionário, nem nadador-salvador.
Para já, está assinalada como “não vigiada”, mas a autarquia procura uma solução. “Há alguma dificuldade na contratação de nadadores-salvadores, porém estão formados em número suficiente para suprir as necessidades nas praias”, entende Luís Vieira. Segundo o presidente da associação de nadadores-salvadores profissionais Oeste Rescue, sediada em Caldas da Rainha com uma esfera de acção nacional e internacional, com maior incidência nas praias das capitanias da Nazaré e de Peniche, houve mesmo uma prorrogação da validade das licenças destes socorristas pelo director do ISN por forma a dar cobertura a esta necessidade.
“No entanto, estamos a atravessar um período transitório de cedência de competências da Autoridade Marí- tima Nacional para as autarquias, relativamente à assistência a banhistas.”
Em resultado, ter-se-ão criado situações onde não há pessoas ao serviço das câmaras municipais que saibam fazer a captação de nadadoressalvadores, a que se junta o desinteresse dos jovens em investir tempo, dedicação e esforço numa ocupação de grande responsabilidade.
“Na prática, ao abrigo da Lei 50, artigo 19.º, as câmaras e os concessionários ficaram reféns destes jovens”, sublinha e explica que um concessionário que venda café e hambúrgueres na praia terá enormes dificuldades em pagar valores que são iguais ou superiores a três euros à hora.
“Falta fiscalização das entidades”, resume.
Luís Vieira conhece casos de autarquias e privados na região que oferecem por mês entre 1300 e 2050 euros.
Assim, é normal que se procure outras soluções em conta. Uma delas é recorrer à contratação sazonal de estrangeiros, essencialmente, vindos do Brasil, país onde militares e bombeiros com seis meses de formação desempenham o serviço.
“Acontece no sul. Só precisam de um visto, fazem o Exame Específico de Aptidão Técnica e são contratados”, explica.
Pedras Negras à procura de solução
“Abrimos o concurso e houve concorrentes, porém desistiram, e já não deu tempo para novo concurso”, explica o vereador da Câmara na Marinha Grande com a gestão das praias, João Brito.
A falta de vigilância levou à ausência de candidatura à Bandeira Azul da praia das Pedras Negras, embora tenha a classificação de “Dourada”. Neste caso, se assim for decidido, caberá ao município, através de terceiros, assegurar a colocação de nadadores-salvadores, mas, até agora, tal não foi possível.
“Está a ser difícil contratá-los”, admite João Brito, recordando que, quando há concessionários, essa obrigação cabe-lhes. “São poucos e há mesmo uma certa especulação com os ordenados. Há até alguns que vão trabalhar para o Algarve, onde ganham mais.”
O mesmo relato faz o vereador do Ambiente da Nazaré, Orlando Rodrigues. “Há falta de recursos humanos, porque a profissão não é apelativa e o cenário não é famoso.”
Com as alterações climáticas, o calor e o apelo das zonas balneares a começar mais cedo, o autarca entende que não se pode continuar a entregar a responsabilidade em exclusivo aos concessionários.
Além disso, explica, há quem tenha o curso de nadador-salvador, mas, porque são apenas três meses de actividade, não fazem a obrigatória reciclagem nem o exame, e não se candidatam.
“O sistema deveria ser repensado, deveria haver mais profissionalismo e é preciso regulamentar a profissão dando garantias aos nadadores-salvadores. Não que agora não exista profissionalismo, mas ainda assenta em voluntariado. Além disso, falta um sistema integrado de funcionamento, que alivie os concessionários. Se continuar assim, estamos sujeitos a haver um ano, onde não conseguiremos abrir as praias, por falta de nadadores”, resume João Brito.
O número
35%
-salvadores que a Federação
Portuguesa de Nadadores Salvadores estima estarem por
contratar, este ano, existindo 22
praias e piscinas sem vigilância.
Para a federação, a transferência de competências para as autarquias está a ser “desvirtuada” com muitas câmaras a “empurrá-la” para os concessionários
Missão e dinheiro extra, motiva os nadadores-salvadores
A maior parte dos nadadores-salvadores são jovens estudantes ou jovens que metem licenças sabáticas no trabalho para se dedicarem à tarefa de assistir os veraneantes. O ordenado simpático é atractivo, mas o espírito de missão também está muito presente no seu coração.
Adriana Gonçalves (na foto, à esquerda), tem 20 anos é natural da Marinha Grande e estudante de Ciências do Desporto. Este ano, decidiu cumprir o sonho antigo de tirar o curso e ser nadadora-salvadora, em São Pedro de Moel. Planeia fazer, pelo menos, dois verões.
O curso do ISN, que dura um mês, explica, “exige muita dedicação”. “Há treinos todos os dias e, a nível prático e teórico, obriga a muito estudo.” Algo que não é estranho a uma aluna no ensino superior e, por isso, facilmente, ultrapassado.
Há quatro anos que Rafael Sá (na foto, à direita), também natural do concelho, patrulha o areal entre o lar Afonso Lopes Vieira e as decrépitas piscinas de São Pedro de Moel. Acabado de se licenciar em Nutrição, no Politécnico de Leiria, voltou para uma temporada. Não sabe se será a última, mas aos 23 anos, a vontade de ajudar a comunidade e de ter um entretém de Verão com pagamento “decentezinho”, é, literalmente, juntar o útil ao agradável.
“É um trabalho com uma responsabilidade acrescida para o qual é necessário um curso certificado.” A parte mais difícil da ocupação, sente, é a carga horária.
“Muitas horas por dia, que só conseguem captar gente mais jovem que quer um trabalho sazonal, embora, a maioria prefira ter um part-time, que lhes deixe tempo para usufruir do Verão.”
Das 10 às 20 horas, podemos encontrar Rafael no seu posto ou a patrulhar a areia, sempre pronto a soprar o apito ou a correr para a água para salvar um banhista mais incauto.
“Em São Pedro, eles até são respeitadores, pois já nos conhecem, mas há praias onde são mais complicados. Só há alguns aventureiros de vez em quando.”
No caso de João Couteiro, 26 anos (na foto, ao centro), este será o sexto Verão com a t-shirt amarela e os cal- ções laranja de nadador-salvador. É a si que cabe a coordenação das equipas que vigiam a praia de São Pedro de Moel.
Durante três meses, faz uma pausa no trabalho e dedica-se a fazer o bem sem olhar a quem. “Todos os anos avalio se não será o último Verão em que me dedico a isto. Mas como gosto, faço mais uma época. Alguns dos meus colegas sentem o mesmo e outros são jovens estudantes que precisam de um dinheiro extra nestes meses.”
Natural da Moita, freguesia da Marinha Grande, explica que a licença sabática compensa em termos monetários. Já foi nadador-salvador no Algarve, porém situações complicadas só as vividas em São Pedro.
“A mais grave aconteceu no primeiro Verão com a Covid. Estava um calor absurdo e a praia cheia. Devido ao distanciamento físico, as pessoas começaram a afastar-se e foram para a zona das Valeiras, que não é vigiada e o mar estava mau. Fui lá dar um aviso porque vi crianças à borda de água. Quando estava a meio do caminho vi uns familiares a tirar uma senhora da água em paragem cardio-respiratória. Foram necessárias manobras de reanimação e conseguimos recuperá-la.”
A maior parte do trabalho, adianta, é preventivo. É melhor prevenir o acidente do que socorrê-lo.
Quando se conhece a praia, há maneiras de levar os banhistas a preferir zonas mais seguras sem que se apercebam.
Poucos também no interior
A falta de nadadores-salvadores não acontece apenas nas praias costeiras.
Nas do interior, também se notam menos candidaturas. Na região, há zonas balneares em água doce nos concelhos de Ourém (Agroal), Figueiró dos Vinhos (Praia Ouro de Ana de Aviz e a de Fragas de São Simão), Castanheira de Pera (Rocas e Poço Corga) e Pedrogão Grande (Cabril). “De dois em dois anos, a Câmara de Figueiró dos Vinhos e o ISN abrem cursos para nadadores-salvadores. Há pessoas de outros concelhos a frequentá-los”, explica, Ivone Napoleão, da autarquia.
Tal como no litoral, cabe aos concessionários contratar os nadadores, tarefa que tem sido concluída, embora com algumas dificuldades, pois os melhores salários de outras zonas do País, funcionam como “canto da sereia”.