Imagino que atribui alguma relevância ao facto de o romance Deste Silêncio em Mim, o seu terceiro, ter sido seleccionado para a lista de semi-finalistas do Prémio Oceanos, onde também constam, por exemplo, obras de Dulce Maria Cardoso, Valter Hugo Mãe, José Tolentino Mendonça ou Ana Luísa Amaral.
Sim, é relevante e motivador. Ter a companhia de grandes nomes da nossa literatura é um orgulho muito grande. São autores que admiro muitíssimo, que serão lidos por muitos anos. Creio que vencerão mesmo o passar dos séculos. Estar neste grupo, e ser um dos doze autores portugueses seleccionados, é uma honra enorme para um homem simples como eu.
Naquilo que espera da literatura está incluído o sucesso comercial e mediático?
Confesso que prefiro o reconhecimento ao sucesso mediático. Na base, é aquilo que me move. Mas sei que, para chegar a mais leitores, é necessário vender livros e ter algum mediatismo. Os dois factores acabam depois por se interligar. Ainda assim, se me derem a escolher entre ser conhecido eu ou o livro, prefiro que seja o livro. Julgo que deve ser o livro a despertar o interesse pelo autor e não o inverso.
De quando (ou de quem) vem o gosto pelos livros?
Desde pequeno que gosto de ler. Eu, o meu irmão Tózé e o meu amigo Zé Batista íamos à Biblioteca de Figueiró dos Vinhos, escolhíamos livros de aventuras e depois falávamos sobre eles. Os nossos primeiros ídolos da literatura foram o Emilio Salgari e o Mark Twain. Gostávamos daquelas histórias do Sandokan, do Corsário Negro, do Tom Sawyer. Foi a minha porta de entrada para o mundo dos livros. Depois, com cerca de quinze anos, cheguei a Júlio Dinis, que foi o primeiro autor nacional que descobri. Nos anos seguintes, fui lendo tudo o que podia. Acho que, desde cedo, aprendi que o mundo dos livros é o mais parecido que temos do mundo dos sonhos e da utopia. Que nos livros tudo é possível. Graças a eles, libertamo-nos da nossa condição terrena e experimentamos muitos mundos dentro de nós.
Há um motivo para só ter publicado, pela primeira vez, em 2015?
O primeiro romance, Quando o Sol Brilha, surgiu após o suicídio do meu irmão Tózé, em Outubro de 2012. Ele era o meu melhor amigo, o meu confidente. Perdê-lo daquela forma deixou-me a alma destroçada. Comecei então a escrever um manuscrito, não sobre ele, mas para o dedicar a ele. A dor que sentia acabou por desaguar naquelas páginas. Dois anos a escrever lentamente, mas cheio de coisas para dizer. Quando terminei o manuscrito, decidi enviá-lo a algumas editoras e tive a sorte de o mesmo ser publicado pela Marcador. O romance acabou por ser Livro RTP, o que foi uma grande honra.
A biografia disponibilizada pelas editoras salienta que é em Figueiró dos Vinhos, onde nasceu e reside, que se sente completo. De que modo este vínculo sereflecte na sua escrita?
Reflecte-se em tudo. Nas histórias que ouvia dos ancestrais; nas vivências de infância e juventude, quase sempre nos campos; no amor ao lado da Aldara, na vida que construímos nesta terra; nos filhos que cresceram aqui, felizes e cheios de espaço; no pertencimento a este pequeno mundo. Mas também no silêncio das palavras, que advém deste silêncio das noites, em que só se ouve a coruja e a carrinha do padeiro na volta do pão. Na solidão das aldeias que, aqui e ali, vão ficando despovoadas, devido ao êxodo para o litoral. Nesta melancolia doce, de se saber que, lá longe, está o mar que tanto amo. Mas eu gosto de viver aqui, mesmo longe do mar. De colocar nos livros toda esta ternura, humor e melancolia, que caracterizam o modo de ser das pessoas do campo. De falar desta aterradora humildade, de saber que sou apenas um ser no universo, não mais do que isso, que um dia partirá para junto do seu irmão e dos seus avós. Acredito que o melhor caminho é o que nos leva à simplicidade. O contemplarmos o mundo e a vida como uma dádiva. E aqui, na minha terra, na serena aldeia ao pé da vila, procuro ser a pessoa mais simples possível. Agradecido por tudo o que tenho.
O protagonista em Deste Silêncio em Mim, um pastor, é produto da vivência na região de Figueiró dos Vinhos?
Sim, mas da minha infância. Lembro-me de os ver, debruçados sobre o cajado, esperando que as horas passassem. Apesar de criança, já me impressionava vê-los ali, tantas horas sem falarem com ninguém. Hoje, sei que era uma solidão tremenda. Que os pastores não são aquelas figuras românticas que a cultura retrata. Como o Rodrigo do meu livro, que pastor desde os doze anos, imaginava a vida que as outras pessoas teriam. Que, como ele, muitos sentem necessidade de partir. Não pelo que vão encontrar, mas pela vida dura e sem futuro que deixam para trás. Ainda é assim nos dias de hoje.